A 8 de Outubro a Academia Sueca voltou a fazer das suas, embora desta feita sem surpresas. O nome de Svetlana Aleksievitch era desde o ano passado dado como um dos favoritos e a Ladbrokes apontava-a como a escolha preferencial, o que não significa que a autora fosse um nome sonante para os leitores de todo o mundo, porque não o era. Aliás, um pequeno inquérito no site do Nobel revela que em 7 mil pessoas 87% não leram nada de Svetlana Aleksievitch, grupo em que obviamente me insiro.
E assim foi, sem surpresa, com a Academia a teimar na sua recusa em equilibrar o peso do resto do mundo em relação à Europa. Não que isso me cause um particular mal-estar. Tenho uma relação muito compreensiva com a Academia e mesmo quando as suas escolhas me surpreendem, recaindo em escritores que desconheço, encaro esse facto como uma oportunidade de conhecer um novo autor. Dão-te limões, faz limonada.
Dediquei-me então a perceber quem era esta autora bielorrussa, que a Academia considerou ser merecedora da maior distinção do mundo literário, e deparei-me com uma agradável surpresa. Com um percurso ligado ao jornalismo, Svetlana tem uma técnica de escrita muito peculiar: escolhe um tema e recolhe testemunhos, muitos testemunhos relacionados com esse tema, procurando humanizá-lo. Assim aconteceu em relação à queda da URSS e a Chernobyl. Desses testemunhos apenas alguns sobrevivem e chegam ao livro, modelados pela autora em curtos textos, formando no conjunto aquilo a que inspiradamente chamou novelos de vozes.
Mas para quem pensa que o seu papel é fácil Svetlana, em entrevista ao Dalkey Archive Press, alerta: “my role is not just that of an ear eavesdropping in the street, but also that of an observer and thinker. To an outsider it may seem a simple process: people just told me their stories. But it’s not really so simple. It’s important what you ask and how you ask it and what you hear and what you select from the interview. I think you can’t really reflect life’s broad scope without the documentation, without the human evidence. The picture will not be complete”. E na entrevista para o site do Prémio Nobel, instantes após ter sido informada da vitória, reitera: “I never accept the role of a judge, I am not a cool chronicler. My heart is always there.”
Perseguida pelo regime de Alexander Lukashenko, a obra de Svetlana é praticamente desconhecida no seu país natal, o que não impediu que no exterior tenha servido de inspiração à intensa e bela “The Door”, curta-metragem dirigida por Juanita Wilson, distinguida com uma nomeação ao Óscar na categoria“Best Live Action Short Film”.
A Porto Editora parece ser dotada de clarividência e, pelo segundo ano consecutivo, tinha nas suas fileiras o autor vencedor do Nobel. “O Fim do Homem Soviético” foi uma das novidades desta rentrée literária, certamente inspirada pelo favoritismo de Svetlana em 2014. Mas não é a Porto Editora que irá editar o próximo livro da autora no nosso país, essa honra caberá à Elsinore, que tem preparada para 2016 a edição de “Vozes de Chernobyl” (titulo ainda provisório), a assinalar os 30 anos do desastre nuclear. E para já é com o que podemos contar. Se novos livros de Svetlana Aleksievitch chegarão ou não até nós, só o tempo o irá, mas suspeito que as editoras portuguesas não correrão exultantemente pela obra da autora. Esperemos que me engane.
Não podemos descurar a componente política da vitória de
Svetlana. Sim, é uma escritora com uma obra original e com preocupações sociais,
mas numa altura em que a Rússia é criticada em várias frentes pelos
desrespeitos pelos Direitos Humanos e em que a situação da Ucrânia (país em que
Svetlana nasceu, filha de mãe ucraniana) está ainda bastante fresca na nossa
memória, este prémio é, para além do reconhecimento do valor literário da obra
de Svetlana Aleksievitch, um apoio claro às vozes críticas do regime russo,
muitas vezes silenciadas pelo regimes.
Svetlana Aleksievitch em Portugal
A Porto Editora parece ser dotada de clarividência e, pelo segundo ano consecutivo, tinha nas suas fileiras o autor vencedor do Nobel. “O Fim do Homem Soviético” foi uma das novidades desta rentrée literária, certamente inspirada pelo favoritismo de Svetlana em 2014. Mas não é a Porto Editora que irá editar o próximo livro da autora no nosso país, essa honra caberá à Elsinore, que tem preparada para 2016 a edição de “Vozes de Chernobyl” (titulo ainda provisório), a assinalar os 30 anos do desastre nuclear. E para já é com o que podemos contar. Se novos livros de Svetlana Aleksievitch chegarão ou não até nós, só o tempo o irá, mas suspeito que as editoras portuguesas não correrão exultantemente pela obra da autora. Esperemos que me engane.