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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Imprensa Nacional-Casa da Moeda prevê editar 58 livros em 2015


A Biblioteca da Imprensa Nacional foi o local escolhido para, no passado dia 6 de Fevereiro, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM) apresentar o seu Plano Editorial para 2015 que tem como um dos seus pontos altos a criação do Prémio Vasco Graça Moura, destinado a obras inéditas de poesia. Também como homenagem a Graça Moura, será relançada a colecção Plural, criada por ele nos anos 80, e que se propõe editar quatro livros de poesia por ano, incluindo o vencedor do Prémio Vasco Graça Moura.

Mas a INCM não se fica por aqui, pretendendo também criar uma colecção dedicada à história contemporânea de Portugal, projecto a cargo de Fernada Rollo, presidente do Instituto de História Contemporânea. A Ivo de Castro, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, caberá a direcção de uma colecção sobre a vida e obra de Fernando Pessoa, a Pessoana.

Fazendo jus à sua missão de serviço público, ao todo a INCM prevê vir a editar 58 livros em 2015, incluindo muitas obras que constituem o cânone da literatura portuguesa e clássica. Um trabalho que deixa claro um compromisso com a memória e a salvaguarda do património cultural e que merece sem dúvida louvor e a máxima atenção dos leitores.

Deixo-vos algumas das obras que serão editadas este ano:

Biblioteca Fundamental da Literatura Portuguesa   
Camões, de Almeida Garrett
As Pupilas do Senhor Reitor, de Júlio Dinis
Nome de Guerra, de Almada Negreiros
Obras Poéticas, da Marquesa de Alorna
Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro
O Livro de Cesário Verde

Edição Crítica de Eça de Queirós
O Mistério da Estrada de Sintra
Os Maias

Edição Crítica de Camilo Castelo Branco
A Sereia
As Novelas do Minho

Biblioteca de Autores Portugueses
Poesia, de Sá de Miranda

Biblioteca de Autores Clássicos
Tragédias (vol. II), de Eurípedes 
Comédias (vol. III), de Aristófanes 
Meteorológicos, de Aristóteles

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Em estado crítico: "Fiapos de Tempo" de Ana Maria Vilhena

Ler um livro escrito por alguém que nos é querido é sempre uma experiência estranha e envolta em expectativas que esperamos que não sejam defraudadas. Mas há sempre aquele momento em que pensamos “e se o livro for mau?”, e damos a volta à cabeça, procurando comentários evasivos que não violem a nossa consciência, mas também não revelem a nossa verdadeira opinião. Felizmente não foi este o caso. Desde o primeiro momento, conhecendo o verdadeiro toque da Midas da autora deste livro, incapaz que é de produzir algo que não seja de qualidade, acreditei em absoluto nos méritos desta obra e digo-o sem reservas: não me decepcionei.

Isto para vos dizer também, respeitando a máxima que me ensinaram na faculdade e que defende que a objectividade é a explicitação das subjectividades, que não podem esperar de mim uma análise distanciada deste livro, porque me unem à sua autora os mais profundos laços de carinho e gratidão pelo muito que me ensinou sobre a escrita e a leitura. Mas que isto não retire valor às minhas considerações, porque exprimem honestamente a minha opinião.




Dizia George Steiner que o apoquentava particularmente, tomando por exemplo o período nazi, que seres humanos que cometiam actos monstruosos fossem simultaneamente profundos apreciadores de arte, com a sensibilidade que isso requer. Ana Maria Vilhena inverte um pouco esta questão e leva-nos a pensar em como é que pessoas que defendem bons princípios podem não os aplicar ao seu quotidiano. Esta questão surge na cabeça do leitor recorrentemente em “Fiapos de Tempo” perante as contradições de Jacinto Maria, um antepassado da autora e a personagem principal do livro.

Jacinto Maria é um republicano em tempos de monárquicos, que sonha com o fim dos desmandos dos Reis e dos Governos por eles apoiados. Mas a República revelar-se-á uma fonte contínua de desilusões e, aquilo que parecia ser uma panaceia, converte-se rapidamente em novos problemas. Na verdade, as diferenças em termos de liberdades entre a Monarquia e a República são bem pequenas e, por vezes, em vez de progressos assiste-se mesmo a retrocessos. Basta dizer que nas primeiras eleições da República o voto era mais restrito do que nos tempos dos reis.

Mas se as opiniões de Jacinto Maria quanto ao exercício do poder político e ao respeito pelos direitos dos trabalhadores revelam uma profunda consciência do outro, em comportamentos muitas vezes de puro altruísmo, a atitude do mesmo Jacinto Maria com a sua mulher e filhas poderá ser caracterizada de várias formas, nenhuma das quais veiculando algo que remeta remotamente para alguma forma de respeito. Francisca Luísa, a famigerada esposa, é tratada quase sempre de forma aviltante, como se fosse um ser desprovido de inteligência. Germínia, a filha mais nova, não tem melhor sorte, embora a sua irmã mais velha, Balbina, tenha direito a um tratamento mais digno. Jacinto, um homem minimamente letrado, o que era raro na altura, chega mesmo a querer privar as filhas dessa mais-valia, apenas por serem mulheres. Um dos pontos altos do livro, a cena em que Jacinto descobre que Germínia comprou uma máquina de costura, tem tanto de caricata como de revoltante: as mulheres não só não deviam ter direito à educação, como também lhes deveria ser vedado o acesso a tudo o que pudesse facilitar as suas tarefas domésticas.

A mestria de Ana Maria Vilhena está em não tomar partidos na sua narração, em adoptar uma postura quase de mera espectadora e é nessa perspectiva que a questão feminina, por exemplo, nos é apresentada. Seria muito fácil fazer de Jacinto Maria uma figura odiosa, recusando-se a percebê-lo e a explicá-lo, e apresentar as mulheres como vítimas. Mas se algo fica patente no livro é que, independentemente dos seus condicionantes, são as próprias mulheres que determinam no essencial o seu caminho. Não é à toa que Maria de Assunção, a mãe de Jacinto, tem a posição de chefe de família de facto, senhora de uma atitude firme e decidida, em nada aquém da de qualquer homem. Já Francisca Luísa é uma fraca figura, totalmente à mercê das vontades do marido, atitude que não conseguiu transmitir à sua filha Germínia que, seguindo as pisadas da avó, não se inibe de tomar iniciativas. Uma visão corajosa, a de que as mulheres são muitas vezes o agente do seu próprio destino, com a qual estou totalmente de acordo.

Outro dos principais méritos de Ana Maria Vilhena é o de, narrando uma história que abarca um longo período histórico (desde o primeiro quartel do séc. XIX até quase à década de 40 do séc. XX), conseguir incutir no texto uma vertente informativa sobre cada período, nomeadamente em termos políticos e de estilo de vida, de uma forma natural, sem cortar a história nem tornar a leitura maçuda. Depois de uma experiência negativa com o uso de jornais num romance (Saramago em “O Ano da Morte de Ricardo Reis” – sou um fervoroso adepto de Saramago, mas não deste livro), confesso que fiquei de pé atrás quando percebi que a leitura dos jornais seria recorrente no livro, temendo deparar-me com páginas e páginas de incursões declamatórias por títulos de jornais, mas o resultado final superou por completo as minhas expectativas, sendo as referências acompanhadas de comentários de Jacinto Maria ou introduzidas em conversas, de maneira a tornarem-se unas com a narrativa.

Através de “Fiapos de Tempo”, a meio termo entre a biografia e o romance, revisitamos as memórias dos nossos avós e dos seus antepassados, reconhecendo-os nas personagens e comportamentos tão tipicamente alentejanos que nos surgem em cada página. De uma escrita natural, que na sua aparente simplicidade esconde a mestria de quem fez da língua portuguesa a sua vida, a leitura de “Fiapos de Tempo” faz-se com o mesmo prazer com que lemos os clássicos da nossa literatura. Espero que seja o primeiro de muitos livros!


Sendo a edição deste livro assegurada pela Vírgula, se o quiserem comprar podem fazê-lo no site do Sítio do Livro ou na livraria Leya na Barata, em Lisboa.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Em estado crítico: "A Sibila" de Agustina Bessa-Luís

“Quina abriu os olhos, e disse em voz audível algumas palavras que não eram delírio, nem oração, porque o tempo de oração estava no fim, e toda a sua alma se projectava num abismo inefável, se dispersava para entrar na composição magnífica do cosmos.”


Da rudeza nobre da terra brotam os génios difíceis de gente forte. Quina e Estina, duas faces duma mesma alma, ambas duras, uma clarividente, a outra propícia a sofrimentos calados. Cedo conheceram as vias árduas do destino, sempre marcadas pela efemeridade, pela necessidade de não se apegarem àquilo que não podem conservar junto a si. Perderam um irmão, testemunharam as dores de sua mãe, traída por um homem galanteador, o pai das duas, que também cedo partiria. A própria Quina tem a sua vida em risco na juventude. Mas é Estina quem sofre as mais duras perdas, talvez por ser a mais fraca, a que mais deseja acreditar na possibilidade do amor. Primeiro é abandonada pelo homem que ama. Depois vê morrer, um após outro, todos os seus filhos. E é no seu estóico sofrimento que Estina vence Quina. Estina conhece o amor, Quina nunca o conseguirá.

Quina, a sibila, uma mulher simples com capacidades divinatórias, quase totalmente em controlo da sua própria vida, enreda-nos na sua personalidade arisca, na sua atitude prática. Quina não é digna de pena, porque apenas sentimentos elevados lhe podem ser dirigidos, mas adivinhamos nas suas atitudes um desejo de ultrapassar as suas barreiras e vencer a indiferença que desde cedo tomou conta de si. Num misto de curiosidade e desafio, Quina assume a responsabilidade pelo destino de Custódio, um ser caprichoso, movido por uma indomável emoção, de uma crueldade criminosa. Não é amor que Quina procura naquela criança que acolhe na sua casa, é uma aparência de amor, uma sensação de dependência, de gratidão que funcione como paga pelos seus cuidados para com ele e que dê à sua vida uma espécie de propósito respeitável.

A grande ironia de “A Sibila” é que Quina, que defende Custódio, mesmo quando isso implica desafiar todos, acabará por ser o seu carrasco. Os familiares de Quina acusam Custódio de estar apenas interessado na sua herança e chegará o dia em que ele lhe pedirá para que ela lhe deixe tudo. Mas apenas a sensibilidade humana, a compreensão da complexidade de Custódio, permite perceber que o que o move não é o interesse, mas uma necessidade de total correspondência dos seus sentimentos. Custódio quer uma prova do comprometimento de Quina para com ele, uma prova do seu amor de mãe que o não pariu, e sofre com as suas atitudes esquivas e uma sugestão indelével de que Quina, guiada pelo seu espírito racional, se deixará persuadir pelo sangue quando tiver de tomar uma decisão.

No final veremos em Custódio o carácter absoluto do amor, o quão profundo é o desamparo de alguém que se vê privado da única pessoa que lhe deu a mão. Custódio, o quase monstruoso Custódio, revelar-se-á o mais humano, o único que sofrerá uma verdadeira perda, uma perda que o tornará incompleto, incapaz de encontrar um rumo, e que o levará a realizar o último grande sacrifício.

Catalogado como um livro difícil, odiado por muitos, elevado ao estatuto de obra-prima por outros, “A Sibila” é muito mais do que uma saga familiar. Incapazes de compreender a complexidade de certos sentimentos, Quina e a sua estirpe irão prosperar no seu mundo racional, sobre as ruínas daqueles que se deixaram consumir por sentimentos inúteis. Nascer, viver e morrer, esse é o destino de Quina. Esse é o destino da sibila.


Classificação: 18/20

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Em estado crítico: "Memorial do Convento" de José Saramago




Baltasar e Blimunda. Há encontros que estão destinados a acontecer. O mundo move-se e sob cada sol os caminhos são percorridos, minuto após minuto, talvez de acordo com uma vontade superior. Pouco importa se o é ou não, o que importa é que Baltasar e Blimunda se encontraram num auto de fé. Numa cerimónia que festeja o fim e a condenação, celebrou-se naquele dia o início e a aceitação e, sem o saber Baltasar mas sabendo-o Blimunda, naquela mesma noite, quando comerem sopa pela mesma colher, os seus destinos estarão unidos para sempre.

“Memorial do Convento” de José Saramago conta-nos a história do sereno amor do maneta Baltasar e da mística Blimunda, nos atribulados tempos da construção do Convento de Mafra. Mas antes do convento há outra construção que se inicia: a da passarola, projecto antigo do padre Bartolomeu Lourenço, que hereticamente prometeu a quem tudo tem, D. João V, o acesso em vida ao reino dos céus. O lento processo de criação da passarola e as artes nela empregadas são de suma importância para o livro, mais até do que a construção do Convento, que se contenta em ser um pano de fundo quase sempre distante, o que é paradoxal dado o nome do livro. Diga-se com clareza: haveria memorial com ou sem convento, sem passarola não.

E é esse o problema de “Memorial do Convento”, que o afasta do paradigma de excelência que é o “Ensaio Sobre a Cegueira”: a falta de foco. Pegamos no livro a pensar que vamos ler um livro centrado na construção do Convento de Mafra. Depois percebemos que se calhar não, se calhar o livro se centra sobretudo na desmedida vontade de um rei que é um Sol à portuguesa (uma Lua portanto). E entram no livro Baltasar e Blimunda, com a sua comovente dimensão supra-humana, e queremos perder-nos na sua história, mas por vezes somos afastados, sem perceber porquê, e tornamos-nos, algo a contragosto, testemunhas dos debates teológicos internos do padre Bartolomeu (que de tão herméticos nos deixam à nora), do périplo de João Elvas aquando da entrega da Infanta Maria Bárbara ao noivo espanhol, do transporte de uma monumental pedra, que durou 8 dias e mais de 30 páginas. Ganharia o livro em nos aproximar mais daquelas que são 2 das melhores criações de Saramago, Baltasar e Blimunda, sem tantas deambulações e história acessórias.

Dito isto, não haverá palavras suficientes para descrever o brilhantismo do narrador. O narrador em Saramago é tudo, uma espécie de oráculo milenar, que tudo sabe, tudo conhece, que não se limita a narrar: comenta, analisa, revela. E esse é um dos encantos de ler Saramago, a ideia de que ele está ao nosso lado a contar-nos a história, como um sábio nos tempos do antigamente, em torno de uma lareira, ao anoitecer.

“Memorial do Convento” não é um livro fácil, nem será uma boa escolha para quem procura um livro para se distrair ou para quem nunca tenha lido Saramago, mas qualquer aficionado da literatura, particularmente da portuguesa, tem de conhecer a história de Baltasar e Blimunda. Um amor que prospera no silêncio, um silêncio de palavras obliterado por uma partilha incondicional. Baltasar e Blimunda pertencem-se e pertencem-nos.

Classificação: 16/20

(Livro editado em Portugal pela Caminho)

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Em estado crítico: "GKJMA" de João Silveira




Devastação. Espaços inóspitos em que a vida já não existe. Apenas resquícios, abandonados no tempo, destruídos e imóveis. Assim é a atmosfera criada por João Silveira em “GKJMA”. 

Sempre no Japão, entre Gunkanjima, a abandonada ilha com a forma de um navio de guerra, outrora habitada sobretudo por famílias de mineiros, e Aokigahara, a famosa floresta dos suicídios, um personagem sem nome remói recordações incómodas de um tempo que se perdeu. 

Numa escrita em prosa, mas incapaz de não ser poética, entre episódios que afloram à memória e que se confrontam com um hino heroicamente nacionalista (tão longe da realidade, mas não o são todos?), o espaço é constantemente descrito e, através das descrições, as emoções do narrador vão-nos sendo passadas. Dele saberemos pouco, porque também não há muito para saber. É esse o preço da repressão da individualidade. Esse e o desamparo que se sente quando se vê privado daquilo que sempre se tivera como certo. E então, “quando nada mais existe – porque nada mais existe -, caminhar para onde nada existe.”

Gosto sobretudo do último texto. Depois da contenção, uma enxurrada de emoções, o pedido de perdão de quem, em frases entrecortadas, tem como último destino a floresta dos suicídios. Tanta coisa dita em tão poucas palavras.

Se “GKJMA” tem um defeito é o saber-nos a pouco. Queremos mais, visitar outras memórias, conhecer novos lugares, perder-nos na fluidez de uma escrita económica, que procura constantemente a perfeição.

Um livro editado pela Artefacto, em que a qualidade da escrita é igualada pelas misteriosas ilustrações de Rita Faia.

Classificação: 15/20