A religião é um território do poder e ninguém conhece melhor a extensão do poder da religião do que Salman Rushdie, que por questionar o que outros têm como inquestionável se tornou num alvo a abater, sem nunca ter tido a tentação de se calar.
O texto de Rushdie que a Granta dedicada ao “Poder” nos traz
foi apresentado em seu nome por Harold Pinter numa conferência de tributo a
Herbert Read, um poeta e critico literário anarquista britânico. Rushdie parte
da questão daquilo que é sagrado, percebendo que o crente nunca se coloca em
causa, acreditando sempre estar certo. Acontece que o sagrado é algo definido
num processo histórico, e não um atributo inalienável, pelo que pode e deve ser
colocado em causa. “A ideia de sagrado é uma das mais conservadoras de qualquer
cultura, pois procura transformar outras ideias em crimes – a Incerteza, o
Progresso, a Mudança”, alerta Rushdie.
Uma teoria muito curiosa que Rushdie nos apresenta foi defendida
por Arthur Koestler, que considera a linguagem como a principal causa da agressão,
porque a expressão de conceitos abstractos requer um nível de sofisticação que
conduz a uma totemização e, consequentemente, a disputas entre grupos com
diferentes totems. Essa ideia fica bem patente nos esforços da religião para privilegiar uma linguagem,
sobrepor um texto aos outros, enquanto a literatura vive de um diálogo entre linguagens,
narrativas e valores e das transformações geradas por esse processo. O romance
nasce da tensão e não da união, ou se se preferir, segundo Foucault, da
transgressão.
Levando esta questão mais longe, importa referir que o poder da religião se dá porque “a ideia de deus é, em
simultâneo um repositório do nosso encantamento pela vida, uma resposta às grandes
questões da existência, e também um livro de instruções”, mas a literatura ao
colocar-nos em confronto com diferentes vozes, ao permitir que na nossa cabeça
se gere um debate de ideias, satisfaz a nossa necessidade de transcendência,
sem nos dar regras e permitindo-nos criar uma perspectiva crítica sobre as
potenciais respostas que poderemos encontrar para as grandes questões da vida.
Excelente texto João!
ResponderEliminarAinda não sei se para mim faz realmente sentido a comparação entre religião e literatura, com a supremacia de vantagens de uma sobre os benefícios da outra, mas este posicionamento é sem dúvida muito interessante e pertinente. Se não por tudo o resto, certamente por obrigar ao questionamento e à destruição de caminhos óbvios.
A teoria de linguagem aqui faz-me pensar nas ideias de Alfred Korzybski sobre a Semântica Geral:
ResponderEliminarhttp://en.wikipedia.org/wiki/General_semantics