Há umas semanas li no Público um artigo da autoria de Carla Prino, antiga operadora de call center e activista dos Precários Inflexíveis,
que vociferava contra o voluntariado, com o argumento de que se trata de um
mecanismo para evitar que as empresas contratem recursos humanos que lhes são
vitais, referindo-se especificamente aos casos do Rock in Rio, do Teatro
Nacional D. Maria II, de Teatro Nacional São João e da Feira do Livro. Não tendo
eu por definição nada contra o voluntariado, desde que funcione dentro dos
limites definidos pela lei, vou-me focar no caso da Feira do Livro que é o que me parece mais descabido.
Voluntários na Feira do Livro? Claro, porque não?! Começamos
logo pela questão base: é um actividade que, tal como o nome indica, requer que
a pessoa se voluntarie. E é a quem está disposto a ceder o seu tempo a uma
editora que cabe a decisão se essa é uma acção que será proveitosa ou não para
o seu CV. Certamente que a autora do artigo, com o seu argumento paternalista,
não conhecerá melhor os interesses das pessoas do que as próprias.
E depois, convenhamos, a actividade principal das editoras
não é realizar feiras e, tendo a maioria estruturas muito pequenas, é natural
que a Feira do Livro represente uma necessidade momentânea de mais recursos humanos.
E diz então a Carla Prino “contratem!”, e em teoria diz muito bem, mas o
problema de argumentos cegos é que são isso mesmo, cegos, e não têm em conta as
realidades a que se aplicam. A maioria das editoras tem condições para
contratar pessoas durante mais de duas semanas para assegurar o trabalho na
Feira do Livro? Acho que todos sabemos a resposta a esta questão. A Feira do
Livro é um dos garantes que as editoras têm recursos para se aguentarem durante
o ano, pelo que a imagem de entidades gananciosas e imorais que querem é lucrar
à custa de pobres coitados me parece, neste caso, profundamente ridícula.
Ora vejamos: se as editoras precisam de pessoas para esta
actividade localizada e não têm dinheiro para lhes pagar e se há pessoas que
querem disponibilizar o seu tempo e que acreditam que ser voluntário pode ser
uma mais-valia para o seu percurso profissional, do que está Carla Prino a
falar? Que direitos está ela a defender?
Voluntários sim, mas...
Mas chegamos ao busílis da questão: tudo bem que as editoras
recorram a voluntários, mas que se assegurem que isso não impacta a qualidade
do atendimento. Isso tem acontecido? Lamento, mas não tem, e não é um fenómeno
desta edição.
Antes de entrar nesta questão, faço duas chamadas de
atenção: a minha experiência baseia-se nas editoras de qualidade, aquelas que
focam o seu catálogo na chamada grande literatura, e nos dois grande grupos
editoriais, a Leya e a Porto Editora; a segunda nota é exactamente sobre a Porto
Editora que, se não estou a cair em erro, tem recorrido a funcionários da
Bertrand para assegurar o atendimento na Feira do Livro, não sei se não
recorrem de todo a voluntários, mas de qualquer forma é notória uma postura
diferente, mais profissional, mais atenciosa, mais competente, portanto a Porto
Editora sabe claramente o que está a fazer.
As outras editoras de qualidade de que falo trabalham para
um público-alvo muito específico, mais informado, que muitas vezes conhece bem
os escritores publicados, que conhece bem os catálogos das editoras, e que por
isso é mais exigente. O que torna muito frustrante depois depararmo-nos com voluntários que, estando nessas editoras que temos em grande
conta, não sabem nada de nada. Conhecem mal o catálogo, quando questionados
sobre um livro em específico encolhem-se com aquele ar de "eu sou novo aqui".
Numa edição anterior da Feira do
Livro de Lisboa, num dos dias uma editora anunciava no Facebook com muito
destaque o lançamento de um livro que inaugurava uma colecção a todos os títulos
icónica, apelando a que as hordas corressem para a Feira dominadas pela
excitação, em busca de tamanha preciosidade. E lá fui eu, com um sorriso
rasgado, e peço ao simpático rapaz o dito livro. Como resposta tive um olhar “do
que é que este está a falar!”, como se eu fosse um louco, e ainda me disse “isso
não é aqui”. Era obviamente! Lá se foi informar com um colega e voltou com o
livro nas mãos. Pergunto eu: como é possível que uma pessoa que está a atender
ao público não saiba que a editora tem um grande lançamento nesse dia? E
atenção, a culpa não é do rapaz, a culpa é claramente de quem não se deu ao
trabalho de o informar, porque infelizmente ainda há um grande espírito de
improviso nas nossas editoras.
Mas até podemos ser bonzinhos e dizer “bom, pode ser
complicado esperar que a pessoa conheça bem o catálogo”, estou disposto a
aceitar isso. Mas passemos então a informações elementares: Hora H, informações que qualquer pessoa deve saber: não há Hora H nos primeiros dias da Feira, só
começa na primeira segunda-feira; às sextas-feiras e fins-de-semana não há Hora
H; dos livros não abrangidos pela Lei do Preço Fixo, quais estão na Hora H –
todo o catálogo da editora ou apenas uma selecção. Não parece muito difícil,
pois não? E sendo a Hora H um dos pontos-altos da Feira, e talvez o tema sobre
o qual mais perguntas são colocadas, seria de esperar que quem está a fazer o
atendimento ao público soubesse estas informações na ponta da língua. Pois
digo-vos que em duas editoras insuspeitas, este ano, estas informações não eram
claras nos primeiros dias da Feira, o que me parece inaceitável.
Acho que as editoras, especialmente as de qualidade a que me
refiro, têm de reflectir sobre estas questões. Faz sentido estar a apostar num
excelente catálogo, a construir uma imagem de especialistas e sofisticados,
para tudo depois ser deitado por terra em poucos segundos por um jovem mal informado?
As editoras têm de se encarar como marcas e a comunicação com o cliente não se
dá apenas nas escolhas editorias, no Facebook, newsletters e emailings, quando
estamos numa banca da Feira do Livro a pessoa que temos à nossa frente é para
nós o representante da editora, portanto percam um tempinho a formar as pessoas
e a testá-las para terem a certeza de que as informações passam com clareza. E
voluntários, se querem oportunidades de emprego também não vos mata fazerem um
esforço extra e tentarem conhecer bem a editora que vão acompanhar.
Voluntários sim, mas melhores por favor!
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