quinta-feira, 25 de junho de 2015

Em discussão: voluntários na Feira do Livro de Lisboa


Há umas semanas li no Público um artigo da autoria de Carla Prino, antiga operadora de call center e activista dos Precários Inflexíveis, que vociferava contra o voluntariado, com o argumento de que se trata de um mecanismo para evitar que as empresas contratem recursos humanos que lhes são vitais, referindo-se especificamente aos casos do Rock in Rio, do Teatro Nacional D. Maria II, de Teatro Nacional São João e da Feira do Livro. Não tendo eu por definição nada contra o voluntariado, desde que funcione dentro dos limites definidos pela lei, vou-me focar no caso da Feira do Livro que é o que me parece mais descabido.

Voluntários na Feira do Livro? Claro, porque não?! Começamos logo pela questão base: é um actividade que, tal como o nome indica, requer que a pessoa se voluntarie. E é a quem está disposto a ceder o seu tempo a uma editora que cabe a decisão se essa é uma acção que será proveitosa ou não para o seu CV. Certamente que a autora do artigo, com o seu argumento paternalista, não conhecerá melhor os interesses das pessoas do que as próprias.

E depois, convenhamos, a actividade principal das editoras não é realizar feiras e, tendo a maioria estruturas muito pequenas, é natural que a Feira do Livro represente uma necessidade momentânea de mais recursos humanos. E diz então a Carla Prino “contratem!”, e em teoria diz muito bem, mas o problema de argumentos cegos é que são isso mesmo, cegos, e não têm em conta as realidades a que se aplicam. A maioria das editoras tem condições para contratar pessoas durante mais de duas semanas para assegurar o trabalho na Feira do Livro? Acho que todos sabemos a resposta a esta questão. A Feira do Livro é um dos garantes que as editoras têm recursos para se aguentarem durante o ano, pelo que a imagem de entidades gananciosas e imorais que querem é lucrar à custa de pobres coitados me parece, neste caso, profundamente ridícula.

Ora vejamos: se as editoras precisam de pessoas para esta actividade localizada e não têm dinheiro para lhes pagar e se há pessoas que querem disponibilizar o seu tempo e que acreditam que ser voluntário pode ser uma mais-valia para o seu percurso profissional, do que está Carla Prino a falar? Que direitos está ela a defender?


Voluntários sim, mas...


Mas chegamos ao busílis da questão: tudo bem que as editoras recorram a voluntários, mas que se assegurem que isso não impacta a qualidade do atendimento. Isso tem acontecido? Lamento, mas não tem, e não é um fenómeno desta edição.

Antes de entrar nesta questão, faço duas chamadas de atenção: a minha experiência baseia-se nas editoras de qualidade, aquelas que focam o seu catálogo na chamada grande literatura, e nos dois grande grupos editoriais, a Leya e a Porto Editora; a segunda nota é exactamente sobre a Porto Editora que, se não estou a cair em erro, tem recorrido a funcionários da Bertrand para assegurar o atendimento na Feira do Livro, não sei se não recorrem de todo a voluntários, mas de qualquer forma é notória uma postura diferente, mais profissional, mais atenciosa, mais competente, portanto a Porto Editora sabe claramente o que está a fazer.

As outras editoras de qualidade de que falo trabalham para um público-alvo muito específico, mais informado, que muitas vezes conhece bem os escritores publicados, que conhece bem os catálogos das editoras, e que por isso é mais exigente. O que torna muito frustrante depois depararmo-nos com voluntários que, estando nessas editoras que temos em grande conta, não sabem nada de nada. Conhecem mal o catálogo, quando questionados sobre um livro em específico encolhem-se com aquele ar de "eu sou novo aqui". 

Numa edição anterior da Feira do Livro de Lisboa, num dos dias uma editora anunciava no Facebook com muito destaque o lançamento de um livro que inaugurava uma colecção a todos os títulos icónica, apelando a que as hordas corressem para a Feira dominadas pela excitação, em busca de tamanha preciosidade. E lá fui eu, com um sorriso rasgado, e peço ao simpático rapaz o dito livro. Como resposta tive um olhar “do que é que este está a falar!”, como se eu fosse um louco, e ainda me disse “isso não é aqui”. Era obviamente! Lá se foi informar com um colega e voltou com o livro nas mãos. Pergunto eu: como é possível que uma pessoa que está a atender ao público não saiba que a editora tem um grande lançamento nesse dia? E atenção, a culpa não é do rapaz, a culpa é claramente de quem não se deu ao trabalho de o informar, porque infelizmente ainda há um grande espírito de improviso nas nossas editoras.

Mas até podemos ser bonzinhos e dizer “bom, pode ser complicado esperar que a pessoa conheça bem o catálogo”, estou disposto a aceitar isso. Mas passemos então a informações elementares: Hora H, informações que qualquer pessoa deve saber: não há Hora H nos primeiros dias da Feira, só começa na primeira segunda-feira; às sextas-feiras e fins-de-semana não há Hora H; dos livros não abrangidos pela Lei do Preço Fixo, quais estão na Hora H – todo o catálogo da editora ou apenas uma selecção. Não parece muito difícil, pois não? E sendo a Hora H um dos pontos-altos da Feira, e talvez o tema sobre o qual mais perguntas são colocadas, seria de esperar que quem está a fazer o atendimento ao público soubesse estas informações na ponta da língua. Pois digo-vos que em duas editoras insuspeitas, este ano, estas informações não eram claras nos primeiros dias da Feira, o que me parece inaceitável.

Acho que as editoras, especialmente as de qualidade a que me refiro, têm de reflectir sobre estas questões. Faz sentido estar a apostar num excelente catálogo, a construir uma imagem de especialistas e sofisticados, para tudo depois ser deitado por terra em poucos segundos por um jovem mal informado? As editoras têm de se encarar como marcas e a comunicação com o cliente não se dá apenas nas escolhas editorias, no Facebook, newsletters e emailings, quando estamos numa banca da Feira do Livro a pessoa que temos à nossa frente é para nós o representante da editora, portanto percam um tempinho a formar as pessoas e a testá-las para terem a certeza de que as informações passam com clareza. E voluntários, se querem oportunidades de emprego também não vos mata fazerem um esforço extra e tentarem conhecer bem a editora que vão acompanhar.

Voluntários sim, mas melhores por favor!

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