“Adventures, of course, as we shall see, were of daily occurrence; but about this time Peter invented, with Wendy’s help, a new game that fascinated him enormously, until he suddenly had no more interest in it, which, as you have been told, was what always happened with his games. It consisted in pretending not to have adventures, in doing the sort of thing John and Michael had been doing all their lives: sitting on stools, flinging balls in the air, pushing each other, going out for walks and coming back without having killed so much as a grizzly. To see Peter doing nothing on a stool was a great sight; he could not help looking solemn at such times, to sit still seemed to him such a comic thing to do.”
Piratas
manetas, crocodilos esfomeados, fadas ciumentas e irascíveis e crianças
perdidas que vivem longe de adultos não são o que primeiro nos vem à cabeça
quando pensamos em histórias infantis. Talvez por ser tão fora da norma, “Peter Pan and Wendy” de J. M. Barrie tornou-se num dos clássicos mais incontornáveis
da literatura, relatando uma aventura passada numa terra a que se chega voando, virando na segunda estrela à direita e continuando em frente até de
manhã.
Os heróis
querem-se corajosos, humildes e bondosos. Será inegável que Peter Pan tem um
bom coração e coragem de sobra, mas não há nele sinal de humildade. Incorporando
a ideia de infância, Peter é irrequieto, arrogante e egoísta, características
que, sendo os seus principais defeitos, são também o que lhe confere o seu
atractivo e seduz todas as crianças com quem se cruza. Peter tem a liberdade
que as crianças desejam ter para fazer tudo o que quer, e empenha-se muito em
afirmar a sua não necessidade de ter uma mãe. Mas a verdade é que continua a voar recorrentemente para longe da Terra do Nunca, em busca de uma mãe
que perdeu no passado. É numa dessas viagens que encontra Wendy e os seus irmãos
que decidem acompanhá-lo nas suas aventuras.
A
história de Peter Pan é, acima de tudo, uma história de perda. Wendy, a única
mulher do grupo, representa para os meninos perdidos um símbolo de união e família
e todos a tratam como sua mãe, papel que Wendy abraça sem hesitação. E com o
passar do tempo, à medida que o esquecimento vai tomando conta de todos, já
quase sem qualquer recordação da vida anterior à Terra do Nunca, é nas histórias
de Wendy sobre a sua família, de que ela própria se começa a esquecer, que
todos vão reencontrando o desejo de terem pais. Por muito mágica que a Terra do
Nunca seja, com a sua capacidade de perpetuar a infância, a verdade é que as
crianças facilmente trocariam as suas liberdades e aventuras pela vida normal
que tinham .
Falar de
Peter Pan é sinónimo de falar da Sininho e do Capitão Gancho, duas das
personagens mais carismáticas da literatura infantil. Sininho é uma fada quase
microscópica, que é tudo aquilo que esperávamos que uma fada não fosse. Muito
focada em si própria e no seu amor não correspondido por Peter Pan, Sininho é
quase uma mosca irritante e cruel que zune em torno deles. E para líder dos
piratas, o Capitão Gancho apresenta também características inusitadas: bem-falante,
elegante e asseado. Não fosse o gancho a substituir o braço comido pelo
crocodilo e não haveria nesta figura qualquer sinal de perigo. Até o principal ajudante do Capitão Gancho é descrito como uma figura que todos consideram carinhosa.
O
inesperado assume-se assim como uma das principais armas de J. M. Barrie que,
pelas características das personagens, mas também pela forma como escreve,
confundindo o realismo e o fantasioso com toda a naturalidade, torna surpreendente a leitura da história de Peter e Wendy. E no final há a
melancolia, a última das perdas: a da infância. Wendy crescerá. Peter, sujeito às
regras da Terra do Nunca, permanecerá para sempre criança. E os seus caminhos,
que pareciam ligados pelos mais fortes dos laços, acabarão por se separar.
Peter tornar-se-á em pouco mais que uma recordação distante. Quem sabe se até
isso deixará de ser um dia? Aconteça o que acontecer, o tempo irá passar, e com
ele se destruirá o fabuloso mundo da infância. E Peter Pan ficará apenas como
uma lenda. Sozinho. Algures na Terra do Nunca ou na janela de novas crianças
que anseiem por sonhar.
Esta
edição da The Folio Society complementa a inesquecível história escrita por J. M.
Barrie com ilustrações de uma simplicidade e beleza emocionante. Um livro para
guardar e passar de geração em geração, como se deve fazer aos tesouros.
Classificação: 18/20
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