Uma manhã normal a bordo de um cacilheiro que atravessa o Tejo, levando para Lisboa as suas hordas de trabalhadores. É assim que começa o conto de Rui Cardoso Martins, em que a normalidade rapidamente é colocada de lado quando os esforços para pescar um choco (outro choco na Granta?!) são interrompidos pelo cadáver de uma mulher a boiar nas águas do rio. Desse avistamento perturbante parte-se para um périplo por alguns dos viajantes do barco, que em breves instantes nos revelam o que lhes vai pela cabeça.
O
conceito deste conto é interessante, sem dúvida, mas parece-me que a forma como
as personagens foram compostas não contribui muito para o sucesso da história. Os
detalhes das vidas das personagens, a forma como falam, até mesmo o tipo de
personagens que encontramos naquele barco, tudo parece estar perigosamente próximo
do cliché. Ao que acresce uma falta de coesão que é tanto consequência de um
discurso diletante, com saltos abruptos entre discurso directo e indirecto que
não conseguem tornar a leitura mais cativante, como de um ângulo não muito
claro da história. Em alguns dos relatos confessionais dos passageiros, o
cadáver a boiar parece ser uma ponte para os seus pensamentos, noutras nem por
isso. A mulher morta e aquelas personagens estão portanto ali por acaso? Os
pensamentos das personagens seriam os mesmos se não houvesse a morta? Talvez o
objectivo seja só relatar uma viagem de pessoas que vão para Lisboa, numa
abordagem de mera observação, sem qualquer propósito narrativo maior. Mas será
relevante fazê-lo?
Eu gostei muito do conto. Na literatura, como no cinema, às vezes sabem-me bem as coisas simples, do dia-a-dia — a mera observação, como referes.
ResponderEliminarEu também gosto às vezes de coisas simples, mas acho que muitas vezes na tentativa de fazer algo simples se acaba por fazer algo simplista. Neste conto, eu até aceitaria a abordagem simples (embora nesse caso retirasse a parte do cadáver na água, que acaba por não ser devidamente aproveitada), se a escolha das personagens fosse mais interessante. Porque é que nenhum passageiro era um estudante universitário ou um profissional liberal, por exemplo? Acho que colocar num cacilheiro pessoas de classe baixa, com empregos não qualificados, é uma opção muito fácil e que empobreceu o conto.
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