domingo, 9 de março de 2014

O que é que a Granta tem? “Rescaldo” de Rachel Cusk



Cunfuso. Assim se descreve da melhor forma o meu estado de espírito após ler o conto de Rachel Cusk, em que o divórcio e os papéis de género são os temas principais. Na verdade o divórcio é o ponto de partida, mas é a problemática do género que assume um maior destaque, num discurso tendencialmente racionalizante mas com pitadas de arrebatamentos emocionais.

No início ficamos com a ideia que Cusk nos levará a uma visão esclarecedora e pouco óbvia do papel da mulher na sociedade moderna. Fala-nos mesmo de como o papel de mão e de dona de casa afastaram a sua mãe do seu lado feminino, a tornaram menos mulher. O conceito de mulher está então aqui associado a uma pulsão sexual e, ao reprimi-la, reprime-se a feminilidade. Faz sentido. Ou faria, se todo o restante discurso no conto não fosse contraditório e, de repente, Cusk não categorizasse a educação académica como uma experiência que masculiniza a mulher, culpabilizando a sua mãe por a ter condicionado a agir como um homem. Tenho alguma esperança que este discurso seja irónico, embora não parece sê-lo, e é de resto apenas um dos exemplos de categorizações no texto de actividades masculinas ou femininas, cujo ex libris é a referência a si e ao seu ex-marido como “travestis” porque ele estava em casa a tomar conta das filhas (tornando-se numa mulher), enquanto ela trabalhava (tornando-se num homem).

Interessante que em todo o conto não haja espaço para falar de sentimentos e de amor, mas apenas de categorias pouco criteriosas percepcionadas por uma sociedade indefinida. Fiquei com a sensação que Rachel Cusk é uma daquelas feministas de trazer por casa, que se serve das causas quando lhe é conveniente: igualdade de género nos direitos que a beneficiam, mas condição de excepção quando já não é o caso – como quando o que está em causa é a guarda das filhas e o argumento “as filhas são da mãe” é demasiado sedutor. Um momento não muito brilhante.

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