“A partir daquele momento, houve uma ausência na minha vida, um clarão que não só me causou uma sensação de vazio, como me impediu de ver. Toda aquela claridade cintilava em mim como uma luz viva, radiosa. E assim será, até ao fim.”
À deriva. Caminhando por ruas sem destino, na esperança de
que o acaso nos leve a um lugar em que haja um sentido maior que se evidencie e
que nos revele quem somos, o que devemos fazer, o porquê das coisas terem
acontecido assim. E que essa descoberta nos dê o oxigénio que
necessitamos para continuar, para que as miragens se convertam em realidade e
das frustrações nasçam forças.
Modiano fala-nos em “No Café da Juventude Perdida” sobretudo
de identidade. A memória, elemento comummente associado à sua obra, tem o seu contributo,
mas que é secundário face às preocupações existencialistas condensadas na jovem
Louki, que um dia, inesperadamente, entra na vida dos clientes habituais do
café Condé. Louki? Ou devemos antes dizer Jaqcqueline Delanque? Logo no nome da
protagonista a problemática começa-se a evidenciar. Jacqueline deixa que a
clientela do Condé a trate por Louki, sem nunca os corrigir, porque no fundo um
ou outro nome não fazem a diferença, ela continua sempre a ser a rapariga sem
pai, com uma mãe distante, que a deixou deambular sozinha pelas ruas, a tentar encontrar
respostas.
Na rua Jacqueline conhece Jeannette, apropriadamente
conhecida como Caveira, e naquele momento o seu destino sela-se. Modiano não é
muito claro sobre o que une as duas raparigas, deixam-se no ar insinuações
de que pode ter ocorrido um episódio de violência sexual com dois conhecidos, mas
nada é dito com clareza. O que sabemos é que a presença de Jeannette suscita em
Jacqueline más recordações e que há uma certa tentativa de distanciamento
quando decide casar com um homem que conhece mal, sem muitas mais razões do que
ele afirmar que quer cuidar dela.
Mas o casamento é mais uma deambulação de Jacqueline e apenas serve para que tenha a certeza que aquele não é o seu lugar. E do
casamento foge para umas sessões sobre ciências ocultas e, finalmente para o
Condé, conhecendo pelo caminho Rolland que, curiosamente ou não, também não é conhecido pelo seu verdadeiro nome.
O percurso de Jacqueline até se tornar em Louki, a namorada
de Rolland, é-nos apresentado por Modiano neste breve livro, divido em cinco
partes, com a perspectiva de quatro personagens. Modiano, que é
frugal na escrita, opta por uma construção da narrativa um pouco mais complexa
e sobre a qual tenho algumas dúvidas, porque acredito que se a visão de Rolland
ocupasse todo o livro o resultado final seria melhor. Na verdade Modiano é
desde o início muito bem-sucedido na construção do ambiente, na espécie de
sedução mística em que envolve a figura de Louki, na comunhão na
desorientação que caracteriza os clientes do Condé. Mas a verdadeira dimensão
do livro só se revela quando Rolland assume o controlo e deixamos de
ter uma história interessante para termos algo que pressentimos ter um
significado mais profundo.
Mas, contas feitas, que revela “No Café da Juventude Perdida”,
o romance que a revista Lire considerou o melhor publicado em 2007, sobre as
qualidades de Patrick Modiano? Diz muito. A suavidade de Modiano, a
simplicidade da sua escrita, parecem à partida converterem-no num escritor
olvidável. Mas é exactamente através dessas dimensões da sua escrita, que ele
domina magistralmente, que consegue criar um elo com o leitor, talvez porque de
início nos convença que vamos ler um livro emocionalmente distante e contido e,
quando baixamos as guardas, nos surpreenda com uma intensidade cirúrgica de
beleza delicada. Modiano promete!
“No Café
da Juventude Perdida”
Patrick
Modiano
Edições
ASA
Classificação:
17/20
Epá, ainda me convences a ler o tipo :)
ResponderEliminarNão sei se será o teu género de livro Luís ;) Ias ficar exasperado com a simplicidade, certamente.
EliminarMas eu tenho um projecto de vida que consiste em ler pelo menos uma obra de cada laureado Nobel, por isso mais cedo ou mais tarde chegarei a Modiano. Não é um grande projecto, uma pessoa depara-se com muita coisa atroz :)
EliminarTemos o mesmo projecto :) Até agora tenho tido altos e baixos.
EliminarEstou lendo! Foi gratificante ter encontrado esse livro,
ResponderEliminarEu estou agora a ler outro livro de Modiano: "Dora Bruder". Promete!
Eliminaro livro é muito bom aconselho vivamente!!
ResponderEliminaro livro é muito bom aconselho vivamente!!
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