quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Em estado crítico: "No Café da Juventude Perdida" de Patrick Modiano


“A partir daquele momento, houve uma ausência na minha vida, um clarão que não só me causou uma sensação de vazio, como me impediu de ver. Toda aquela claridade cintilava em mim como uma luz viva, radiosa. E assim será, até ao fim.”


À deriva. Caminhando por ruas sem destino, na esperança de que o acaso nos leve a um lugar em que haja um sentido maior que se evidencie e que nos revele quem somos, o que devemos fazer, o porquê das coisas terem acontecido assim. E que essa descoberta nos dê o oxigénio que necessitamos para continuar, para que as miragens se convertam em realidade e das frustrações nasçam forças.

Modiano fala-nos em “No Café da Juventude Perdida” sobretudo de identidade. A memória, elemento comummente associado à sua obra, tem o seu contributo, mas que é secundário face às preocupações existencialistas condensadas na jovem Louki, que um dia, inesperadamente, entra na vida dos clientes habituais do café Condé. Louki? Ou devemos antes dizer Jaqcqueline Delanque? Logo no nome da protagonista a problemática começa-se a evidenciar. Jacqueline deixa que a clientela do Condé a trate por Louki, sem nunca os corrigir, porque no fundo um ou outro nome não fazem a diferença, ela continua sempre a ser a rapariga sem pai, com uma mãe distante, que a deixou deambular sozinha pelas ruas, a tentar encontrar respostas.

Na rua Jacqueline conhece Jeannette, apropriadamente conhecida como Caveira, e naquele momento o seu destino sela-se. Modiano não é muito claro sobre o que une as duas raparigas, deixam-se no ar insinuações de que pode ter ocorrido um episódio de violência sexual com dois conhecidos, mas nada é dito com clareza. O que sabemos é que a presença de Jeannette suscita em Jacqueline más recordações e que há uma certa tentativa de distanciamento quando decide casar com um homem que conhece mal, sem muitas mais razões do que ele afirmar que quer cuidar dela.

Mas o casamento é mais uma deambulação de Jacqueline e apenas serve para que tenha a certeza que aquele não é o seu lugar. E do casamento foge para umas sessões sobre ciências ocultas e, finalmente para o Condé, conhecendo pelo caminho Rolland que, curiosamente ou não, também não é conhecido pelo seu verdadeiro nome.

O percurso de Jacqueline até se tornar em Louki, a namorada de Rolland, é-nos apresentado por Modiano neste breve livro, divido em cinco partes, com a perspectiva de quatro personagens. Modiano, que é frugal na escrita, opta por uma construção da narrativa um pouco mais complexa e sobre a qual tenho algumas dúvidas, porque acredito que se a visão de Rolland ocupasse todo o livro o resultado final seria melhor. Na verdade Modiano é desde o início muito bem-sucedido na construção do ambiente, na espécie de sedução mística em que envolve a figura de Louki, na comunhão na desorientação que caracteriza os clientes do Condé. Mas a verdadeira dimensão do livro só se revela quando Rolland assume o controlo e deixamos de ter uma história interessante para termos algo que pressentimos ter um significado mais profundo.

Mas, contas feitas, que revela “No Café da Juventude Perdida”, o romance que a revista Lire considerou o melhor publicado em 2007, sobre as qualidades de Patrick Modiano? Diz muito. A suavidade de Modiano, a simplicidade da sua escrita, parecem à partida converterem-no num escritor olvidável. Mas é exactamente através dessas dimensões da sua escrita, que ele domina magistralmente, que consegue criar um elo com o leitor, talvez porque de início nos convença que vamos ler um livro emocionalmente distante e contido e, quando baixamos as guardas, nos surpreenda com uma intensidade cirúrgica de beleza delicada. Modiano promete!

“No Café da Juventude Perdida”
Patrick Modiano
Edições ASA

Classificação: 17/20

8 comentários:

  1. Epá, ainda me convences a ler o tipo :)

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    1. Não sei se será o teu género de livro Luís ;) Ias ficar exasperado com a simplicidade, certamente.

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    2. Mas eu tenho um projecto de vida que consiste em ler pelo menos uma obra de cada laureado Nobel, por isso mais cedo ou mais tarde chegarei a Modiano. Não é um grande projecto, uma pessoa depara-se com muita coisa atroz :)

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    3. Temos o mesmo projecto :) Até agora tenho tido altos e baixos.

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  2. Estou lendo! Foi gratificante ter encontrado esse livro,

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    1. Eu estou agora a ler outro livro de Modiano: "Dora Bruder". Promete!

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  3. o livro é muito bom aconselho vivamente!!

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  4. o livro é muito bom aconselho vivamente!!

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