E chegámos à semana do ano em que os escritores mais conceituados do mundo sobrevivem à base de comprimidos de valeriana e de chás de doce-lima. Só o equacionar de que é possível receber o Nobel da Literatura deve ser o bastante para deixar qualquer um à beira de uma apoplexia, afinal de contas não é todos os dias que a nossa vida pode mudar por completo e, no caso do Prémio Nobel, isso acontece mesmo, não é só uma ideia senso-comum.
Pois bem, mas vamos à vaca fria: quem receberá o Prémio Nobel
este ano? E comecemos já por expurgar desta conversa o nome de Murakami que,
independentemente do que as apostas do Ladbrokes digam, não tem hipóteses
nenhumas de ganhar o prémio, por não ter suficiente relevância literária (só li
um livro dele mas cheira-me que não vou mudar de opinião) e por ser uma escolha
óbvia. Diz-nos a experiência que a Academia não vai em ondas e raramente
atribui o Prémio a quem manifesta querer recebê-lo e a quem tem grandes bases
de apoio em campanha activa. Continuemos, dizendo que Margaret Atwood também pode
estar sossegada no seu canto porque a probabilidade de duas mulheres canadianas
receberem o Prémio em anos consecutivos é ínfima.
Dito isto, e tendo por base uma via meramente especulativa,
é notório que há uma tendência, desde que Peter Englund assumiu o lugar de Secretário
Permanente da Academia em 2009, para pagar dívidas. Vargas Llosa era a grande
falha em termos de autores latino-americanos, Tomas Tranströmer era um eterno
candidato e há 15 anos que o Prémio Nobel não era atribuído a um poeta, Mo Yan
foi apenas o 2º chinês premiado (o que era um desequilíbrio gritante tendo em
conta a dimensão do país e o facto do Japão já ter há muito dois laureados) e
Alice Munro era uma eterna candidata e quase exclusivamente contista, género
ignorado pela Academia até ao momento.
Seguindo a lógica das dívidas, na minha opinião há duas
grandes falhas por parte da Academia:
- Até hoje só receberam o Nobel da Literatura 4 autores africanos
- Há apenas um laureado de língua portuguesa
E estes são dois problemas que a Academia tem de resolver.
Resta saber qual será prioritário. Partindo destes dois grupos, eu aposto, com
base no prestígio internacional, em 3 nomes. Se pesar mais o factor africano o
vencedor deverá ser Ngũgĩ wa Thiong'o, pelo seu lado político (esteve preso
durante 1 ano devido a uma peça de teatro) e por ter estado nos nomes apontados
como favoritos nos últimos anos. Se pesar mais o factor língua portuguesa, o
Brasil clama há muito por um Prémio que muitos pensavam que acabaria por ser
entregue a Jorge Amado. Neste momento Ferreira Gullar parece-me ser dos autores
brasileiros aquele com maior projecção internacional, e importa lembrar que
para poder ser eleito para o Prémio Nobel tem de se ser nomeado previamente e a
dimensão internacional tem nesse âmbito um papel fundamental.
Mas a minha grande aposta é uma 3ª via, a que concilia os
factores África e língua portuguesa: Mia Couto. Será? Terá Mia Couto hipóteses?
Certamente que tem e bastam dois argumentos: a vitória do Neustadt International
Prize no ano passado (considerado o prémio literário de maior prestígio a seguir
ao Nobel) e o facto de “Terra Sonâmbula” ser considerado um dos 12 melhores livros
africanos do século XX.
Enfim, tudo isto são especulações assentes em critérios
lógicos e não necessariamente em méritos literários. Mas quem sabe o que passa
pela cabeça dos membros da Academia? Se muito bem calha ainda dão este ano o
Prémio ao Philip Roth, depois de ele ter deixado a vida pública, só para
contrariar. Tudo é possível!
Estranho que não conheça nem nunca tenha ouvido falar de Ferreira Gullar, talvez mais explicável seja a minha ignorância sobre Thiong'o
ResponderEliminarO Ferreira Gullar não é extremamente conhecido por cá, possivelmente só por círculos mais académicos. Mas ganhou o Prémio Camões e, tanto quanto sei, tem alguma popularidade nos EUA (entre académicos mais uma vez). Ainda não li nada dele, mas há uns quantos livros editados pela Ulisseia, sendo o mais famoso o "Poema Sujo".
EliminarO Gullar é um óptimo escritor; já li os 4 livros publicados pela Babel e todos me impressionaram. Poema Sujo é um grande poema, escrito durante o seu exílio, quando julgava que de um dia para o outro o matariam. As memórias, Rabo de Foguete, são também um forte contributo para se perceber a militância política dos intelectuais nos anos 60, e suas consequências.
EliminarMas também gosto da poesia lírica de Em Alguma Parte Alguma, foram esses poemas que o tornaram o meu poeta vivo preferido. Gostaria que se publicasse mais em Portugal. Porém, o meu livro dilecto é mesmo Cidades Inventadas, uma colecção de contos que qualquer fã de Borges e Calvino deve ler.
Miguel, agora ainda fiquei com mais vontade de ler o Gullar! Estive quase quase a comprar um livro dele há umas semanas, porque já tinha ouvido falar muito bem dele. Mas acho que do final deste mês não passa. Obrigado por partilhares a tua experiência.
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