Recordaremos Dora Bruder? Olharemos para as ruas que ela
percorreu e veremos a sua sombra a projectar-se nas paredes, as suas passadas
adolescentes a dançarem sobre as pedras da calçada? Sentiremos a sua presença e
sem a ter visto saberemos quem ela é?
A ideia de que Modiano partiu para criar “Dora Bruder”
reserva em si uma perfeição serena, a verdadeira essência da memória e da
tentativa de recuperar os mundos que se perderam na voracidade do tempo. Um
homem, o narrador do livro, lê num jornal antigo um anúncio em que os pais de
Dora Bruder procuravam a sua filha desaparecida e decide tentar descobrir quem
é aquela rapariga de 15 anos e que sorte lhe estava reservada. Não é em Dora
Bruder que o livro se centra, nem no narrador, quanto muito será na procura em
si, com o narrador a permanecer quase sempre distante, escudado nos relatos
factuais das poucas descobertas que vai fazendo.
Ao investigar percebe que alguns locais de Paris que
fizeram parte da vida de Dora, foram também ruas percorridas por si, casas
para que olhou diariamente, sítios que tão bem conhece, sentindo a melancolia
de quem passou por aqueles espaços desconhecendo a sua história. A nostalgia de
perceber que os locais sobreviverão sem memórias de quem os habitou, como se
sempre tivessem permanecido vazios antes de entrarem na nossa vida.
Pouco ficaremos a saber do narrador. Há uns breves relatos
sobre o seu pai, que o abandonou na juventude e que nunca viria a reencontrar.
Nesta história, neste desaparecimento do pai, podemos antever as motivações
para descobrir o que aconteceu a alguém que, em vez de procurar os pais, era
procurada por eles. Mas a verdade é que Modiano não nos alimenta essas
interpretações, não as impede, mas certamente não nos dá material suficiente para
as sustentarmos.
É aliás esse o problema de “Dora Bruder”: o quão desconstruída
é toda a narrativa. Modiano apontou para a simplicidade, mas exagerou e caiu no
simplismo. “Dora Bruder”, partindo de uma ideia genial que tinha tudo para
gerar um livro que, ao contrário da rapariga que lhe deu o nome, perdurasse,
acaba por ser pouco mais do que meia dúzia de factos recolhidos e apresentados
de forma muito ligeira, como se estivéssemos a ler as notas despreocupadas no
caderno pessoal de um investigador.
Para não esquecermos “Dora Bruder” precisávamos de mais. Precisávamos
de um momento de génio que resgatasse o livro de uma existência tão ténue que
quase nos desaparece nas mãos. Modiano não me convenceu desta vez.
Classificação: 13/20
Nota: este livro foi editado originalmente em Portugal pela Edições ASA (sendo essa a minha edição), mas o livro foi recentemente republicado pela Porto Editora.
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