terça-feira, 10 de março de 2015

Em estado crítico: “Dora Bruder” de Patrick Modiano


Recordaremos Dora Bruder? Olharemos para as ruas que ela percorreu e veremos a sua sombra a projectar-se nas paredes, as suas passadas adolescentes a dançarem sobre as pedras da calçada? Sentiremos a sua presença e sem a ter visto saberemos quem ela é?

A ideia de que Modiano partiu para criar “Dora Bruder” reserva em si uma perfeição serena, a verdadeira essência da memória e da tentativa de recuperar os mundos que se perderam na voracidade do tempo. Um homem, o narrador do livro, lê num jornal antigo um anúncio em que os pais de Dora Bruder procuravam a sua filha desaparecida e decide tentar descobrir quem é aquela rapariga de 15 anos e que sorte lhe estava reservada. Não é em Dora Bruder que o livro se centra, nem no narrador, quanto muito será na procura em si, com o narrador a permanecer quase sempre distante, escudado nos relatos factuais das poucas descobertas que vai fazendo.

Ao investigar percebe que alguns locais de Paris que fizeram parte da vida de Dora, foram também ruas percorridas por si, casas para que olhou diariamente, sítios que tão bem conhece, sentindo a melancolia de quem passou por aqueles espaços desconhecendo a sua história. A nostalgia de perceber que os locais sobreviverão sem memórias de quem os habitou, como se sempre tivessem permanecido vazios antes de entrarem na nossa vida.

Pouco ficaremos a saber do narrador. Há uns breves relatos sobre o seu pai, que o abandonou na juventude e que nunca viria a reencontrar. Nesta história, neste desaparecimento do pai, podemos antever as motivações para descobrir o que aconteceu a alguém que, em vez de procurar os pais, era procurada por eles. Mas a verdade é que Modiano não nos alimenta essas interpretações, não as impede, mas certamente não nos dá material suficiente para as sustentarmos.

É aliás esse o problema de “Dora Bruder”: o quão desconstruída é toda a narrativa. Modiano apontou para a simplicidade, mas exagerou e caiu no simplismo. “Dora Bruder”, partindo de uma ideia genial que tinha tudo para gerar um livro que, ao contrário da rapariga que lhe deu o nome, perdurasse, acaba por ser pouco mais do que meia dúzia de factos recolhidos e apresentados de forma muito ligeira, como se estivéssemos a ler as notas despreocupadas no caderno pessoal de um investigador.

Para não esquecermos “Dora Bruder” precisávamos de mais. Precisávamos de um momento de génio que resgatasse o livro de uma existência tão ténue que quase nos desaparece nas mãos. Modiano não me convenceu desta vez.

Classificação: 13/20


Nota: este livro foi editado originalmente em Portugal pela Edições ASA (sendo essa a minha edição), mas o livro foi recentemente republicado pela Porto Editora.

Sem comentários:

Enviar um comentário