Ah, as férias de Verão! Essa altura mágica do ano em que
suamos em bica, em que qualquer momento na rua que não seja acompanhado por um
gelado ou uma bebida fresca parece um sacrifício desumano. Sentimos que
podemos mandar no nosso tempo e dedicar-nos àquilo que mais gostamos e então
corremos para as livrarias e compramos as Margaridas Rebelo Pinto, os Josés
Rodrigues dos Santos e os Paulos Coelhos para nos acompanharem para todo o lado,
certo? Errado! Chega de silly literature na silly season!
Um mito que tem sido perpetuado por um certo tipo de
intelectuais é o de que a boa literatura tem de ser difícil e quase
indecifrável. Pois, mas não tem. O que não faltam são exemplos de livros muito
bons e simples, que qualquer pessoa consegue ler facilmente, sem ter de estar
de 3 em 3 frases a voltar para trás porque não está a perceber nada do que se
passa.
Deixo-vos então com 4 propostas de livros para lerem neste
Verão. São 4 livros acima de qualquer suspeita, todos com grandes doses de
comédia, bem leves e fluidos como o Verão exige. E a boa notícia é que não precisam
de os forrar com folhas brancas! (Pessoas que forram os livros duvidosos a branco para irem a
ler no metro, tenho uma notícia para vós: isso não resulta!!! Podemos não saber
que livros estão a ler, mas ficamos a saber que algo bom não é. O livro a
branco é um chamariz, parece que o ouvimos dizer “Olha para mim! Esta pessoa
tem mau gosto!”)
“O Complexo de Portnoy” de Philip Roth, Dom Quixote
Se há coisa que aprendemos em todos estes anos a ver séries
com humoristas americanos é que as famílias judias têm as suas peculiaridades.
Mães possessivas, quase agressivamente intrusivas. E a culpa, esse sentimento que
não é exclusivo dos católicos, gerador de tantas frustrações e comportamentos
desajustados. De tudo isto nos fala Philip Roth, fazendo uso de uma
prerrogativa internacional que diz que apenas podem criticar grupos
minoritários quem deles faz parte. Como não gostar de um livro em que a personagem
principal, um verdadeiro garanhão, se torna impotente enquanto pisa solo israelita?
“A Grande Arte” de Rubem Fonseca, Sextante
Um homem facilmente dominado pela libido a tentar desvendar
um crime. E então? Qual é a novidade?! Novidade não haverá, mas há a mestria na
escrita e o sentido de humor corrosivo de Rubem Fonseca, vencedor do Prémio Camões
em 2003. “A Grande Arte” é uma paródia aos policiais, com cenas e cenas em que
o ridículo é continuamente posto à prova, tudo embrulhado em grandes doses de
mistério. Aviso: inclui cenas de sexo com prostitutas muito pouco
recomendáveis, porque Mandrake, o investigador de serviço, pode até ser bem-parecido,
mas quando a natureza o chama, ele tem de responder.
“Cândido ou o Optimismo” de Voltaire, Tinta da China
Sim, estou a recomendar um livro de Voltaire como leitura
leve de Verão. Os cépticos de serviço estão já a pensar “um livro de Voltaire
fácil de ler, sim sim”. É verdade. Acreditem ou não, “Cândido ou o Optimismo” é
um livro que se lê de uma assentada. Tudo começa com uma violação e o brutal
assassinato de uma família. E de que melhor forma podia começar uma comédia
sobre o optimismo? Nenhum homem de boa-fé teceria uma crítica que fosse ao
facto de Cândido reencontrar a sua amada Cunegundes algures em Portugal,
transformada na escrava sexual do Inquisidor-Mor e de um Judeu, que a repartem
segundo os dias da semana. E daqui se parte para um conjunto de peripécias inusitadas,
que colocam à prova a crença inabalável de Pangloss, o líder espiritual de
Cândido, no optimismo. Para ler, com um prazer muito malicioso.
“A Queda de um Anjo” de Camilo Castelo Branco, Civilização
Pronto, está-se mesmo a ver que este livro é um daqueles
romances trágicos à Camilo! Não é não senhor. Também eu pensei, quando peguei
no livro, que ia ler uma história de amor impossível entre um jovem rebelde que
levaria uma inocente rapariga a práticas indecentes, pouco dignas para quem se
diz de boas famílias. Em vez disso, deparei-me com Calisto Elói, um bonacheirão
como só o interior os sabe produzir, que vem para Lisboa ser político. Calisto
chega cheio de si, transpira honra e honestidade por todos os poros, mas ao que
parece a carne era fraca e a mulher, que por acaso também era prima, lá fica
desterrada na terrinha, enquanto Calisto esbanja os recursos com uma jovem
voluptuosa. Que queda! Que anjo!
Noto que o sexo é um tema comum em todos eles, o que é muito inteligente da tua parte para atrair as atenções para bons livros — e eu ainda não li nenhum!
ResponderEliminarEste verão já li O Livro do Ano, do Afonso Cruz (30 minutos); O Perdão dos Pecados, do Antonio Fontana (4-6 horas); Pedro Páramo, do Juan Rulfo (vários dias); e estou agora com Casa de Campo, do José Donoso. Todos eles são boas leituras de verão, excepto o Rulfo — não acredito que seja possível lê-lo na praia =P
Sim, ler Rulfo na praia pareceria no mínimo estranho!
EliminarO sexo é um motivo importante nos 4 livros, mas há muito mais do que sexo nestes livros. Acho que irias gostar particularmente do "Cândido ou o Optimismo", que por acaso até me foi oferecido por ti :)
Agora estou no "Memorial do Convento". Está a ser interessante mas exigente. Vamos ver como se desenvolve.
Já tenho o Cândido na estante, mas ainda não chegou a altura dele. ;)
EliminarDos quatro só não li A Grande Arte, mas, também, com quatro livros do Fonseca na pilha para ler, não estou com pressa de comprar mais um.
ResponderEliminarEsse Camilo foi o meu primeiro e gostei muito dele, muito mais ligeiro e divertido do que esperava. Penso que deveria ser lido em conjunto com O Conde de Abranhos, do Eça, uma sátira à política portuguesa muito superior.
O Roth é um dos meus escritores favoritos e o Portnoy uma das suas melhores criações; foi o nascimento do Roth como escritor cómico, apesar de também gostar muito dos seus primeiros três livros. Se gostaste deste, tens de ler Our Gang, The Great American Novel e especialmente Operation Shylock, a sua obra-prima do humor.
Quanto ao do Voltaire, li-o, gostei dele, mas não o considero uma grande obra. É essencial para uma compreensão da história das ideias mas é um panfleto. Acho que a literatura deve ser mais do que isso.
Luís, acho que o objectivo do Camilo não era tanto satirizar a vida política mas mostrar o quão frágeis são as convicções, mesmo as que parecem mais firmes, dadas as condições certas. E ver a forma como o Calisto Elói engole toda a sua honra, em troca de uns serões bem passados, é simplesmente maravilhoso.
ResponderEliminarPercebo o que dizes do Voltaire, mas acho que é exactamente por isso que é uma grande obra, porque é uma sátira levada ao extremo. Se fosse um livro com momentos ridículos entremeados com momentos em tom mais sério e respeitável, concordaria contigo. Mas agrada-me muito que ele não se tenha contido e que tenha escrito uma história profundamente disparatada, que é o que a torna tão boa e um momento incontornável da literatura humorística.
Ficam registadas as recomendações de livros do Roth e quando leres os livros do Rubem Fonseca diz qualquer coisa, porque queria comprar outros dele e é sempre bom conhecer a experiência de outras pessoas!
Devia ter acrescentado que já li Agosto e adorei; o Fonseca anda a tornar-se um dos meus escritores favoritos.
EliminarÓptimo! Acabaste de me facilitar a vida!
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