domingo, 15 de setembro de 2013

O que é que a Granta tem? “Mar Negro” de Ricardo Felner





Em 10 páginas Ricardo Felner serve-nos um prato cheio: o dia-a-dia de um chefe, os seus planos para um novo menu, a doença da filha, discussões entre empregados do restaurante, uma viagem a Istambul, a cura da filha, a sucesso do restaurante, críticas gastronómicas e, espantem-se, uma receita de chocos. Lemos e ficamos empanturrados. Parece que estamos a sair de um restaurante de comida a quilo, onde comemos tudo o que cabia no prato, sem critério, e agora estamos enjoados.

A personagem central do conto é um homem banal. Mas a banalidade da personagem não serve de desculpa à banalidade da escrita. A escrita tem a obrigação de elevar, de revelar o interessante mesmo nas personagens mais desprovidas de encantos. Então e se personagem não tiver nada digno de interesse? Bom, nesse caso escrever sobre ela não será a melhor ideia!

Jorge Amado experimenta em “Dona Flor e Seus Dois Maridos” a fusão entre literatura e culinária e deixa que Dona Flor nos apresente várias receitas durante o livro. Mas fá-lo com talento. As receitas têm ali um propósito: são a manifestação da sensualidade de Dona Flor. Ricardo Felner escreve sem inspiração uma receita de chocos, sem qualquer cunho pessoal da personagem. Apenas uma receita, jogada num parágrafo.

Um relato fragmentado, sem momentos de génio, termina numa cena que pretendia ser épica, à semelhança do que Valério Romão fez no seu conto. Pretendia é a palavra-chave, porque não o é. Um final como estes constrói-se, tem de haver um crescendo, uma manipulação do texto que torne credível o que vai acontecer e não seja só “tive uma ideia gira e diferente para terminar o conto”. Porque é essa a sensação com que ficamos, que aquele final é despropositado, que foi ali colocado numa tentativa de tornar o conto mais relevante. Objectivo não atingido. Quanto muito, o final acentua as falhas de um texto que quer ser muita coisa e que acaba por ser só uma amálgama de elementos díspares que não combinam uns com os outros. A Granta merecia melhor.

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