Em 10 páginas Ricardo Felner serve-nos um prato cheio: o
dia-a-dia de um chefe, os seus planos para um novo menu, a doença da filha,
discussões entre empregados do restaurante, uma viagem a Istambul, a cura da
filha, a sucesso do restaurante, críticas gastronómicas e, espantem-se, uma
receita de chocos. Lemos e ficamos empanturrados. Parece que estamos a sair de
um restaurante de comida a quilo, onde comemos tudo o que cabia no prato, sem
critério, e agora estamos enjoados.
A personagem central do conto é um homem banal. Mas a
banalidade da personagem não serve de desculpa à banalidade da escrita. A escrita
tem a obrigação de elevar, de revelar o interessante mesmo nas personagens mais
desprovidas de encantos. Então e se personagem não tiver nada digno de
interesse? Bom, nesse caso escrever sobre ela não será a melhor ideia!
Jorge Amado experimenta em “Dona Flor e Seus Dois Maridos” a
fusão entre literatura e culinária e deixa que Dona Flor nos apresente várias
receitas durante o livro. Mas fá-lo com talento. As receitas têm ali um
propósito: são a manifestação da sensualidade de Dona Flor. Ricardo Felner
escreve sem inspiração uma receita de chocos, sem qualquer cunho pessoal da personagem. Apenas uma
receita, jogada num parágrafo.
Um relato fragmentado, sem momentos de génio, termina numa
cena que pretendia ser épica, à semelhança do que Valério Romão fez no seu
conto. Pretendia é a palavra-chave, porque não o é. Um final como estes constrói-se,
tem de haver um crescendo, uma manipulação do texto que torne credível o que
vai acontecer e não seja só “tive uma ideia gira e diferente para terminar o
conto”. Porque é essa a sensação com que ficamos, que aquele final é despropositado,
que foi ali colocado numa tentativa de tornar o conto mais relevante. Objectivo
não atingido. Quanto muito, o final acentua as falhas de um texto que quer ser
muita coisa e que acaba por ser só uma amálgama de elementos díspares que não
combinam uns com os outros. A Granta merecia melhor.
Sem comentários:
Enviar um comentário