Pisamos terreno sagrado e perigoso. Manda o bom senso que duas ressalvas iniciais sejam feitas. A primeira para realçar a genialidade
inquestionável de Fernando Pessoa. A segunda para reconhecer a sensatez do director
da Granta ao decidir publicar inéditos do espólio pessoano.
Talvez pelas justificadas elevadas expectativas que o nome
Pessoa suscita, serei obrigado a dizer que, por muito sedutora que seja a ideia
de ler inéditos do autor, os poemas apresentados não me deixaram extasiado. Jerónimo
Pizarro e Carlos Pittella-Leite propõem-nos oito sonetos de Fernando Pessoa,
cinco inéditos – três reeditados, cinco completos – três inacabados. A decisão de incluir poemas inacabados parece-me particularmente
questionável. Iria mais longe: a decisão de quem gere a obra literária de
Fernando Pessoa de permitir a publicação deste tipo de poemas pode ser até
danosa para a imagem do poeta, tão dado à perfeição. Compreendo que, dado o
relevo de Pessoa, haverá um interesse académico por estes escritos, mas
convenhamos: será relevante para o leitor conhecê-los? E seria da
vontade do autor que fossem publicados? Não me parece. Mas, falarei com maior profundidade da questão das publicações póstumas nas próximas semanas, voltemos
agora à Granta.
Dos cinco sonetos inéditos, o que mais se destaca é sem
dúvida “Alma de Côrno”. Porquê? Porque é surpreendentemente irreverente e
bem-humorado, como uma boa dose de referências indirectas a questões
escatológicas. É divertido e leva-nos a questionar a imagem séria e cerebral
que temos de Fernando Pessoa. Os outros dois sonetos completos, “Soneto de
Mal-Dizer e “Que Posso Eu Dar”, são interessantes mas inócuos.
Nos três poemas reeditados encontramos o melhor e o pior de
Pessoa. “Mãe de Deus” é um soneto incompleto e percebe-se porque é que não foi acabado, mas a verdade é que mesmo que o tivesse sido não faria grande diferença. Já de “O Rei” apenas se pode dizer bem. Com um
lirismo que caracteriza muita da poesia do ortónimo, Pessoa evidencia a
transcendente superioridade do espiritual face ao terreno e corpóreo,
contrapondo à figura do Rei a de Jesus.
O balanço é claramente positivo, embora as expectativas não
tenham sido concretizadas. E de que melhor forma terminar do que com uma das
estrofes de “O Rei”? Deixo-vos com Pessoa.
“ O Rei, cuja coroa de oiro é luz
Fita do alto do throno os seus mesquinhos
Ao meu rei coroaram-O de espinhos
E por throno Lhe deram uma cruz.”
(poema completo na p.115 do 1º número da Granta)
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