A 3 de Abril de 2014, na Fundação José Saramago, teve lugar o
lançamento de “Biografia Involuntária dos Amantes” de João Tordo. O ambiente
estava leve e descontraído até Pilar de Río ter sido avistada entre o público e
mencionada por um dos oradores. Pilar aproveitou a oportunidade para dirigir ao
público algumas palavras e gerou grande agitação quando nos informou que García
Márquez fora hospitalizado e se preparava para morrer, desejando-lhe uma boa
travessia. Gabriel García Márquez não morreu no dia 3 de Abril, na verdade nem
no dia 4, nem no dia 10 sequer, e à medida que os dias se sucediam e nada acontecia, não
pude resistir a algumas piadas inspiradas na ironia de uma viúva de um homem
idoso, que foi dado como certamente morto várias vezes antes de ter morrido de
facto, se ter apressado a decretar a morte de outro escritor...
No dia 17 Abril aconteceu por fim o momento temido e García
Márquez morreu. Há exactamente 1 ano. Na altura não era um autor que
me fosse particularmente próximo. Li “Cem Anos de Solidão” há alguns anos,
ainda bastante novo, e tendo gostado muito, parece-me que a falta de maturidade
enquanto leitor me impediu de vivenciar o livro em toda a sua
complexidade. Fui adiando nos anos seguintes um regresso a García Márquez, mas
no início deste ano decidi que era tempo de tirar a prova dos nove e avançar
destemidamente para leitura de dois dos seus mais notáveis livros, “O Amor nos
Tempos de Cólera” e “Crónica de uma Morte Anunciada”, e de honrar “Cem Anos de
Solidão” com uma merecida releitura.
Curiosamente, embora “Cem Anos de Solidão” seja o livro central
da obra de García Márquez, “O Amor nos Tempos de Cólera” era o livro que acreditava
ser o mais significativo e aquele que permaneceria como testemunho
das suas capacidades enquanto escritor. Teria Gabriel García Márquez razão, e
meio mundo apaixonou-se pelo livro errado? É “O Amor nos Tempos de Cólera” um
livro melhor do que “Cem Anos de Solidão”? Ficarão a conhecer a minha opinião em breve.
Um continente chamado Aracataca
Para García Márquez tudo começou na casa dos seus avós em
Aracataca. A mágica casa habitada por múltiplas figuras femininas e pelo
imponente avô. Uma casa em que a magia era um elemento quotidiano, uma presença
constante nas histórias que as mulheres da casa lhe contavam, uma ameaça nas
figuras fantasmagóricas dos santos em tamanho real iluminados por velas no
quarto em que dormia.
Foi a esse mundo primordial, em que os limites do real eram
continuamente testados, que Gabriel García Márquez foi buscar a inspiração para
os seus livros. Numa entrevista concedida à Paris Review em 1981, pouco tempo
antes de vencer o Nobel da Literatura, García Márquez dizia: “diverte-me sempre
que o maior elogio ao meu trabalho seja pela imaginação, quando a verdade é que
não há na minha obra uma única linha cuja base não tenha sido a realidade. O
problema é que a realidade Caribenha se parece com a mais intensa imaginação.”
Mas essa realidade atípica tem uma certa carga de maldição e,
na Nobel Lecture que proferiu quando recebeu a mais alta distinção do mundo
literário, García Márquez não pôde deixar de realçar que “poetas e pedintes,
músicos e profetas, guerreiros e canalhas, todas as criaturas dessa realidade
incontrolável, não necessitamos de muita imaginação, pois o nosso problema
crucial tem sido uma falta de meios convencionais para tornar a nossa vida
convincente.”
Com um inegável talento de narração, García Márquez
converteu a imaginação que o rodeava numa obra literária lida e elogiada em
todo o mundo, assegurando um lugar para o seu nome entre os maiores escritores
de todos os tempos. E para comemorar a sua obra, nos próximos dias vou falar-vos dos três livros do autor que li recentemente. Quem me acompanha nesta viagem?
Pois aguardo a sua preferência, para mim não tenho dúvidas que prefiro os Cem anos..., mas a obra que me surpreendeu de facto foi "Crónica de uma morte anunciada", daqueles pequenos doces que de tão bom só se pode deliciar em pequenas doses e assim ele foi servido por Marquez.
ResponderEliminarVamos ver Carlos, vamos ver. Pode ser que estejamos de acordo.
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