Dúvidas. Tenho muitas dúvidas. Termino a leitura de “O Amor nos Tempos de Cólera”, editado em Portugal pela Dom Quixote, e questiono-me se o amor é mesmo uma das peças centrais
deste livro. Vejo nele mais de obsessão e entrega resignada do que de amor, o
que é estranho quando deveríamos estar na presença de uma das grandes histórias
de amor da literatura.
Com amor ou sem ele, o que não há certamente é romantismo
neste livro. Mesmo um acto como a escrita contínua de cartas sem obter resposta
(algo recorrente nos livros de García Márquez) torna-se questionável
quando falamos de duas pessoas que na verdade não se conhecem, que raramente se
viram, e que pouco ou nada sabem um do outro. Fermina Daza e Florentino Ariza
são dois estranhos, o que me leva a pensar que o que Florentino ama é a ideia
de amar Fermina. De resto, é recorrente no livro
que os acessos de amor adquiram características de doença, febres e vómitos que
mais parecem uma manifestação de cólera do que amor. Talvez o amor seja uma
espécie de cólera, talvez…
Inspirado na história de amor dos seus pais, Gabriel García
Márquez relata-nos uma longa e extenuante dança entre Fermina Daza e Florentino
Ariza, que culminará quando já velhos se reencontrarem. No dia que Juvenal
Urbino morre, Florentino aproveita a condição de viúva de Fermina para uma última
tentativa, como se os longos anos que os levaram àquele momento fossem apenas uma
preparação para o que o futuro lhes reservava.
Velhos, juntam-se resignadamente na sua destruição. Mas não
é um novo começo que temos, mas sim um fim suspenso, e talvez seja esse um dos
problemas de “O Amor nos Tempos de Cólera”, o preparar-nos para um grande amor
que nunca se concretiza. Para uma história de tão grande fulgor, faltam-lhe
intensos rasgos emocionais, nunca saindo de um decepcionante estado morno bem
patente na desistência final em enfrentar o mundo.
Quando Gabriel García Márquez diz que “O Amor nos Tempos de
Cólera” é o seu livro que ficará, o melhor que produziu, e sabendo nós que
existe “Cem Anos de Solidão”, é impossível não partir para a leitura deste
livro com elevadíssimas expectativas. E é difícil conseguirmos depois olhar
para ele sem o associar à desilusão. Não me entendam mal: “O Amor nos
Tempos de Cólera” é um bom livro, mais um exemplo do incomensurável talento
narrativo de García Márquez, cheio de personagens e pequenas histórias
interessantes, mas que empalidecem por comparação a “Cem Anos de Solidão”, sem
serem capazes de igualar a sua carga simbólica. Um bom livro, sem dúvida, mas apenas isso.
Classificação: 16/20
Não tenho comentários a adicionar, este artigo diz precisamente aquilo que eu pensei sobre esta obra. Estamos plenamente de acordo, mesmo compreendendo que a obra perca pelo facto de termos lido antes "Cem anos de Solidão" que faz subir a bitola muito alto, mas tal mostra a superioridade de "Cem anos de solidão".
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