segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Em discussão: Julguemos os livros pelas capas



Na Feira do Livro, no último dia de compras, dei por mim na banca da Gradiva. Depois de vasculhar a zona das promoções, encontrei 2 livros a 5€: “Um Almoço Nunca é de Graça” do David Lodge e “Corpo Presente” da Anne Enright. Não tinha lido nada de nenhum dos autores, mas estavam os 2 bem referenciados: um esteve na shortlist do Booker, o outro ganhou-o. Alguns amigos defendem ardentemente o valor do David Lodge, mas li os textos das contracapas e pareceram-me ambos interessantes. Que livro acabei por comprar? O de Anne Enright, e podia aqui arranjar mil e uma justificações pomposas, mas a verdade é que o comprei porque a capa era mais bonita (embora não fosse nada de especial).

Ontem estava no Book Depository à procura de edições do “The Perks of Being a Wallflower” do Stephen Chbosky (que comprarei num dos próximos meses) e adivinhem que edição escolhi? Mais uma vez, a que tinha a capa mais bonita.

Neste momento estão já os puristas da literatura a ter um ataque e a vociferar contra a futilidade das minhas decisões. Mas, por muito importante que o conteúdo do livro seja, a sua componente material também o é, caso contrário, para quê comprar livros? Porque não aderir em exclusivo aos ebooks? Para quem quer manter vivas as edições em papel dos livros, secundarizar a importância da componente estética não é um bom caminho, mas a verdade é que muitas editoras ainda não chegaram a esta conclusão.

Há umas semanas a The New Yorker publicava um artigo de Tim Kreider, ensaísta e cartoonista, com um título bem sugestivo: “The Decline and Fall of the Book Cover”. Kreider abre-nos as portas para os bastidores do mundo editorial e dos processos de decisão a respeito das capas, quase totalmente controlados pelas equipas de Marketing. E uma realidade parece óbvia: as capas dos livros são cada vez mais semelhantes. Chegamos então ao cúmulo de os marketeers, que deveriam advogar a diferença e lutar para que o produto, neste caso o livro, se diferencie no mercado, se tornaram em defensores do “vamos fazer como os outros”. Dominados pelo medo de ferir susceptibilidades, de tomar alguma decisão que não agrade a alguém, criam-se capas estéreis, banais, que são tão neutras que se tornam irrelevantes.

É verdade que a capa não é o factor determinante na decisão de comprar um livro. Mas importa também distinguir 2 realidades: comprar um livro de um autor conhecido e de um autor desconhecido. Se conhecemos o autor, a capa terá uma importância muito secundária. Não vou deixar de ler Tolstoi porque o livro tem a capa feia. Afinal de contas é Tolstoi! Mas se calhar, se estiver com o “Guerra e Paz” numa mão e o “Anna Karénina” noutra, a capa mais interessante é capaz de me convencer. No caso de um autor desconhecido, se não tenho qualquer informação adicional, que remédio tenho se não deixar que a capa me revele algo sobre a qualidade do livro.

E falando das capas enquanto reveladoras da qualidade dos livros, um grande flagelo do mercado editorial actual é a percepção do género do público a que o livro se destina e a adequação da capa em sua função. Maureen Johnson escreveu no Huffington Post a respeito desta questão, e há que reconhecer: a tendência é para que uma escritora tenha uma capa “feminina”, o que limita de imediato o livro a ser “um livro para gajas”, ou seja, de fraca qualidade. Maureen propôs inclusive um exercício chamado Coverflip, em que o desafio é simples: imaginar que capa teria um livro se o seu autor tivesse sido alguém do sexo oposto. E de facto, os resultados dão muito que pensar. Facilmente nos apercebemos do poder manipulador que algumas capas têm.

Recentemente deparei-me no nosso mercado com um caso paradigmático de como uma capa pode limitar o público de uma escritora. Falo da Isabel Allende e das reedições das suas obras pela Porto Editora. Um grave erro foi cometido! É praticamente impossível um homem (e algumas mulheres!) comprar alguns dos livros sem se sentir extremamente ridículo. Fiquei contente quando soube que, após o desaparecimento da Difel, a Porto Editora tinha decidido reeditar a obra da Isabel Allende. Estava com muita vontade mesmo de comprar o “Paula”, mas quando vi a capa pensei “NÃO!!!” Um erro. Um enorme erro. Limitar Isabel Allende à categoria de escritora para mulheres é um preconceito enorme e uma total falta de compreensão da importância da sua obra.

Mas nem só de capaz más e preconceituosas vive o mercado. Kreider dizia no seu artigo que a época das capas com ilustrações tinha terminado. Já ninguém o fazia. E eu pensei “a Tinta da China faz!” E de facto, falar da importância do design dos livros em Portugal é falar da Tinta da China, uma das poucas editoras a perceber que concebendo o livro como uma peça artística, as pessoas têm uma maior percepção do “value for money” e que, em vez de 15€ por um livro, se calhar estão dispostas e pagar 25€. É um risco? É sim. Mas tanto quanto sei a vida não tem corrido mal à Tinta da China, portanto, se calhar, correr riscos compensa. Há outras editoras que se destacam também pelo cuidado gráfico nas suas edições: a Relógio d’Água, a Quetzal, a Sextante, a Antígona, a Divina Comédia e a Cavalo de Ferro, por exemplo. Na Leya depende muito do autor (as colecções do Saramago e do Vargas Llosa são bons exemplos de edições cuidadas, mas outros autores não têm a mesma sorte). Mas a Tinta da China joga noutra liga, no que ao design diz respeito.




Acima de tudo, parece-me que algumas editoras têm de acarinhar mais os seus livros. Eu posso ter um filho e gostar muito dele e pensar que ele tem grandes qualidades intelectuais, mas se o mandar mal vestido para a escola estou a condicionar a percepção dos outros. E nos tempos que correm a percepção é tudo. Já dizia o outro: não basta sê-lo, há que parecê-lo.

2 comentários:

  1. Concordo, concordo (excepto na parte em que referes a Relógio d'Água =P). É por gostar de edições bonitas que não tenho uma versão portuguesa do The Bell Jar, da Sylvia Plath.

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  2. Reconheço que o design dos livros da Relógio d'Água não é o mais original do mundo. Mas acho que, dentro de um estilo mais clássico, os livros são bastante bonitos e com edições cuidadas. Há excepções. Exemplo: também no último dia da Feira do Livro, em mais uma habitual viagem à banca de promoções, encontrei um livro que está na minha lista de livros a comprar - "O Grande Meaulnes" do Alain-Fournier. Acontece que olhei para ele e a capa era muito feinha e, apesar de ser apenas 5€, estive ali vai não vai, num grande dilema existencial. Nisto encontro o "Diário de Um Velho Louco" do Tanizaki, que também figurava na minha lista e também estava a 5€, e este já se enquadrava naquilo a que chamo um livro bonito (tu acharias banal), e pronto, mais uma vez venceu a capa bonita :)

    Mas a nível de design de livros, em Portugal, ninguém bate a Tinta da China. Nem há espaço para discussão.

    By the way, espreita a Folio (http://www.foliosociety.com). Até senti tremores ao visitar o site. Podia ser 1 de cada cá para casa, que ainda se arranja espaço.

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