terça-feira, 27 de agosto de 2013

Em discussão: O futuro do livro - eBook vs papel



Parece simples: o livro não tem como combater o mundo de possibilidades dos monitores. A conclusão é de Philip Roth, o mais importante escritor americano da actualidade, que vaticina a morte do livro nas próximas décadas. Mas será o futuro assim tão negro? É concebível que num espaço de 20 anos os livros se convertam em relíquias e cedam o seu espaço aos eBooks? 

Os estudos sobre leitura em diferentes suportes são algo ambíguos, mas há uma tendência para se defender que a leitura em suporte digital é mais lenta, menos rigorosa e que dificulta a apreensão do conteúdo, o que se deve também à atitude das pessoas que estão menos predispostas a aprender quando lêem neste suporte. Posto isto, e se os eBooks se tornarem dominantes, que consequências haverá para o género romance, por exemplo? Fará sentido escrever romances de 400 páginas para serem lidos em eBooks?

Questões, questões e mais questões. O mercado livreiro está agora perante os desafios com que a indústria musical se tem deparado nos últimos 15 anos, sendo o momento de tomar decisões que determinarão o consumo de literatura nas próximas décadas e que influenciarão a sustentabilidade do mercado editorial. Nesta demanda contam com a benesse de poder aprender com os erros dos outros. Mas será que aprenderam?

Não sou um adepto dos eBooks por uma razão muito simples: há demasiados atractivos no livro impresso. Ler é para mim uma experiência física indissociável do cheiro da tinta e da textura do papel. Um livro tem capa, tem grafismo, tem marcadores, tem uma identidade própria. O meu livro é meu e é diferente dos livros dos outros, não é uma amálgama indiferenciada de letras num ficheiro digital. E é por isso que muitos como eu preferem andar com livros na mala. É por isso que no metro de Nova Iorque os livros continuam a marcar presença.

As vendas de eBooks sobem

Mas a verdade é que os eBooks têm as suas vantagens. Confesso que a primeira vez que vi um Kindle pensei: “Epá, isto é fantástico! Parece papel!” Fiquei a pensar naquilo e uns dias depois percebi que não faz muito sentido ler algo que parece papel se posso ler papel. Mas a portabilidade é a palavra de ordem. Muitos fãs dos livros preferem deixar o peso em casa e proteger os livros do mundo de perigos que os aguarda lá fora, dedicando-se aos eBooks fora de casa.

A verdade é que os eBooks começaram de forma tímida a adquirir importância e, segundo os dados da Association of American Publishers, representaram 1/5 dos livros vendidos nos EUA em 2012. Para Portugal ainda não há dados e estaremos certamente longe da adesão de outros países. Numa rápida pesquisa verificamos que este mercado está a ser disputado no nosso país sobretudo pelos grandes grupos, com a Leya em forte destaque. 

Facilmente percebemos também que os eBooks têm preços exorbitantes. No site da Leya encontramos por exemplo o eBook do “Maria Antonieta” do Stefan Zweig a 13.99€. 13.99€!? Mas quem é que dá 13.99€ por um ficheiro digital quanto pode ter o livro em papel por mais 5€. E pior, se olharmos lá para fora, para a Amazon por exemplo, verificamos que é comum as versões eBook serem até mais caras que as em papel (a versão para Kindle do “The Lottery” da Shirley Jackson custa £7.99 e a versão em capa mole £6.99 – uma afronta!).

A 3ª via – packs livro + eBook

Ora, se as pessoas preferem ler livros em suporte físico, e até há indícios que é uma forma mais eficaz de ler, mas por outro lado consideram o factor portabilidade uma vantagem, que fazer? Se as editoras pensassem a longo prazo em vez de se deixarem levar pelo apelo do lucro imediato, veriam que vender o livro com a versão digital integrada é o caminho da luz. Parece uma solução óbvia e já há quem o faça com bons resultados. Um artigo recente da Publishing Perspectives dá vários exemplos, nomeadamente da editora Canongate que decidiu seguir esta via com o “A Tale for the Time Being” de Ruth Ozeki (incluído na longlist do Man Booker Prize deste ano, como já aqui referi anteriormente).

Todos seriam felizes. Os leitores, que tinham o livro com todos os seus encantos para ler no conforto do lar e o eBook para ler nos transportes públicos. Os editores, que conferiam valor acrescentado aos livros e, quem sabe, até podiam aumentar um pouquinho os preços e salvar os livros em papel do desaparecimento. E não esquecendo os livreiro, que estão para já de fora deste negócio, excepto os que têm loja online, e que assim poderiam ganhar algum dinheiro que tanta falta lhes faz.

Momentos difíceis exigem decisões corajosas. A indústria musical optou por fazer vista grossa ao mundo digital e de repente percebeu que o cd se tornou quase numa formalidade, num objecto a quem poucos reconhecem valor. Irão as editoras tomar as rédeas da situação e decidir o que fazer dos eBooks antes que os eBooks decidam o que fazer com elas? Tenho dúvidas, mas também tenho esperança.

10 comentários:

  1. Gostei muito deste artigo. E concordo. Acho que a indústria musical serve claramente como exemplo do que não fazer.
    Acredito que há lugar para tudo. Os livros, enquanto objecto físico, têm o seu encanto. Os ebooks, pela comodidade, também. Porque têm uns de substituir os outros?
    Parece-me um pouco o mesmo que acontece com as fotografia digitais e as impressões fotográficas. É maravilhoso ter tudo arrumadinho no computador e poder passar horas a passear por ficheiros e ficheiros de memórias. Mas há momentos em que nada substitui um papelinho com uma imagem.
    Acredito muito numa existência partilhada. Pelo menos na minha vida.

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    1. Para quê dividir quando se pode somar? Espero que as editoras por cá se apercebam das vantagens de uma associação dos 2 formatos e que não continuem a ver os eBooks apenas como algo mais para vender.

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  2. Costumava ter as mesmas dúvidas que tu quanto aos ebooks até me oferecerem o Kindle, que é uma verdadeira maravilha. Nunca teria conseguido ler o 1Q84 do Murakami num tempo aceitável se não o tivesse — comprei a edição britânica que junta os 3 volumes num só gigantesco livro, demasiado pesado e pouco prático para ler noutro lugar que não em casa (e mesmo assim, ler na cama era difícil!). No entanto, tive de ir sacar a versão digital. Para mim, não faz sentido que se vendam atualmente livros físicos sem a sua versão digital — assim como as versões digitais deveriam ser mais baratas. E a meu ver este é o futuro. Compro um livro e tenho acesso à sua versão digital, num formato que todos os ereaders consigam ler.

    Eu não vou deixar de comprar livros, mas há quem não se ligue muito ao objeto em si ou que tenha de racionalizar o espaço disponível em casa e que continuará a alimentar a indústria livreira através dos ebooks. Conheço também casos de pessoas que tinham começado a ler menos por causa das dificuldades de visão que às vezes a idade traz e encontraram a solução nos ebooks. A mim trouxe-me também a possibilidade de ler livros que nunca leria porque não os quero ter na estante =P


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    1. Concordo em absoluto contigo. Apesar de não me sentir minimamente tentado pelos eBooks e respectivos gadgets (e já andei na mala durante meses com uma edição em capa dura do "Anna Karénina"), não compreendo esta separação de formatos e os preços praticados. As editoras devem vender-te a experiência de leitura, juntando os 2 formatos para que possas adequar a leitura ao teu estilo de vida.

      Colocar eBooks a 13€ é desvalorizar o livro e uma porta aberta para a pirataria e mais tarde ou mais cedo o impacto será sentido.

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  3. Caro João Oliveira,

    Este artigo é muito pertinente!:) e bastante interessante pois levanta várias questões com as quais me tenho vindo a deparar! Eu sou amante do papel, mas é certo que o digital tem duas grandes vantagens - é portátil e fácil de armazenar! Cá em casa compramos tanto em papel como em digital, mas penso não vir dispensar o papel! Oh no no!! Adoro o barulho das folhas a passar, a sua textura... O cheiro maravilhoso que se torna mais intenso com o passar dos anos! Parabéns pelo blog :)

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  4. A propósito do tema em assunto, recentemente ouvi o Gonçalo M. Tavares dizer que o livro em papel é um óptimo objecto para ser descoberto daqui a 10 anos, pelas suas potencialidades em termos de design e pelas experiências que proporciona. Por exemplo podem ser levados para sítios onde não tenhamos acesso a electricidade, não há o problema da bateria que descarrega, podemos emprestar, pedir emprestado, olhar para o seu estado de conservação e tentar imaginar por onde andou.
    Ainda que um pouco na paródia, achei muito engraçada a perspectiva em que colocou a questão. Quando toda a gente andar de ebook, vamos descobrir que o livro em papel é um objecto fantástico!

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    1. Essa será uma das ironias. A outra é a tentativa de que os monitores simulem a leitura em papel. Sabem uma coisa que simula muito bem a leitura em papel: o próprio papel! Enfim, são pequenos grandes ódios de um viciado no livro enquanto objecto/experiência, que não se converterá ao eBook (jamais!). Mas enquanto marketeer entendo perfeitamente o apelo do eBook e acho que as editoras devem olhar para ele, devem é trabalhá-lo estrategicamente para que não canibalize o mercado do livro.

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  5. O melhor de um livro é o seu cheiro. Um ebook não tem qualquer cheiro, logo, é como se não tivesse alma

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