domingo, 29 de dezembro de 2013

A dependência dos livros: presentes de Natal

Natal é dar e receber. Já vos falei de dar, agora é a vez do receber. E no meu caso, receber é muitas vezes sinónimo de livros. Este ano a colheita natalícia foi excelente, com três livros que queria muito ler: “Os Escritores (Também) Têm Coisas a Dizer” do Carlos Vaz Marques, que reúne doze entrevistas publicadas na revista Ler; “A Filha do Coveiro” da Joyce Carol Oates, uma autora que tinha há muito um lugar por preencher na minha estante; e “O da Joana” do Valério Romão, que me conquistou em absoluto com o seu conto na Granta. Junto com o livro do Valério Romão veio um marcador do artista Ryan Sheffield, de que vos falei anteriormente, que faz retratos de autores famosos, acompanhados sempre de uma citação.


Mas, para além dos livros que me ofereceram, há também os que ofereci a mim próprio. Este ano decidi que o meu presente seria tornar-me membro da The Folio Society, pelo que me sujeitei ao grande sacrifício de comprar quatro livros: “Rogue Male” de Geoffrey Household, “Ballet Shoes” de Noel Streatfeild, “The Postman Always Rings Twice” de James M. Cain e “Peter Pan and Wendy” de J. M. Barrie (o livro que escolhi ler pelo Natal e de que vos falarei em breve). Não fossem os livros já profundamente bonitos, a The Folio Society gosta ainda de surpreender os seu leitores e veio com a minha encomenda, de oferta, o livro “Landscape into Art” de Kenneth Clark, um prestigiado historiador de arte que analisa nesta obra, a transbordar de reproduções a cores de obras-primas da pintura, a evolução da representação de paisagens.



 Diga-se de passagem que não trocava os meus presentes por nenhum dos gadgets disponíveis no mercado!

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Feliz Natal com os clássicos


«Os Cratchit não eram uma família distinta, nem se encontravam bem vestidos; os seus sapatos estavam longe de serem impermeáveis; as roupas eram escassas; e Peter devia já ter visto, muito provavelmente já vira, o interior de uma casa de penhores. Mas sentiam-se felizes, agradecidos, agradáveis uns para os outros e satisfeitos com a ocasião; e enquanto se iam gradualmente extinguindo, parecendo ainda mais felizes sob a luminosa aspersão do archote do Espírito, à partida, Scrooge conservou os olhos fixos neles, particularmente em Tim, até desaparecerem por completo.»


(excerto de Cântico de Natal, in “Contos de Natal” 
de Charles Dickens, Civilização Editora)

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Cheiro a livro novo – Novembro e Dezembro 2013


Os meses que antecedem o Natal são por norma pródigos em novidades editoriais, aproveitando o ímpeto consumista originado pelos presentes. Não se pode dizer que tenha sido esse o caso este ano, com poucas novidades e as que existiram foram sobretudo novas edições de obras já publicadas em Portugal. De realçar a pouca actividade dos dois maiores grupos editoriais, Leya e Porto Editora, sem nenhum livro particularmente excitante editado neste período.

A novidade do final do ano e, na minha opinião, a edição mais relevante de 2013 é “Dicionário de Lugares Imaginários” de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi, um gigantesco livro de 1000 páginas trazido até nós pela Tinta da China, que compendia locais fictícios famosos na literatura mundial, com direito a ilustrações. Se isto não é o presente de Natal perfeito, não sei o que o será. Mas, como se este livro não fosse suficiente, a Tinta da China editou ainda o segundo livro da colecção pessoana, “Eu Sou uma Antologia”, com organização de Jerónimo Pizarro e Patrício Ferrari, reunindo escritos de 136 autores criados por Fernando Pessoa. E para fechar com chave de ouro, há ainda "Os Escritores (Também) Têm Coisas a Dizer", um livro com entrevistas realizadas por Carlos Vaz Marques na Ler, com alguns dos autores portugueses mais relevantes dos últimos anos (Saramago, Agustina, Lobo Antunes, M. Tavares e Dulce Maria Cardoso, por exemplo).

A única editora a competir com a Tinta da China nas novidades de final de ano é a Relógio d’Água, com duas grandes apostas já disponíveis nas livrarias. Falo das tão aguardadas edições de “Ulisses” de James Joyce, desaparecido do mercado desde que a Difel fechou portas, com uma nova tradução para português de Jorge Vaz de Carvalho, e de “Guerra e Paz” de Tolstoi, que não estava propriamente desaparecido das livrarias. Sendo fácil de encontrar a edição da Presença deste livro, que mais-valias pode ter a versão da Relógio d’Água? Para começar, menos volumes: dois em vez dos quatro da Presença. E depois, há ainda a garantia de qualidade da tradução de António Pescada, que já anteriormente tinha traduzido, de forma exemplar diga-se, “Anna Karénina”, também pela Relógio d’Água.

Por falar em clássicos, a Civilização teve a excelente iniciativa de aumentar a sua colecção Novos Clássicos, com algumas edições dignas de relevo, caso de “O Pai Goriot” de Balzac e de “Quo Vadis” do Prémio Nobel Henryk Sienkiewicz, ambas obras editadas anteriormente pela Europa-América e que mereciam novas edições. Se procuram livros bons, bonitos e baratos (menos de 10€), vejam esta colecção que vale mesmo a pena.

Mas nem só de novas versões de clássicos vive o mercado, e a Cavalo de Ferro continua a sua aposta no género conto, editando pela primeira vez em Portugal “O Barril Mágico” de Bernard Malaud, autor querido por nomes como Philip Roth e Flannery O’Connor.

E por fim, não esquecendo os ensaios, a Antígona propõe mais uma vez um livro singular, integrado na edição da obra de Aldous Huxley. “As Portas da Percepção” relata experiências de Huxley com o consumo de alucinogénios e poderá ser, sem dúvida, um presente de Natal original. Um bom presente poderia ser também o “Admirável Mundo do Novo”, editado também pela Antígona nos últimos meses, mas confesso que a capa me desmotivou e coloquei de lado o meu plano de dar a minha edição da Livros do Brasil a alguém e de comprar esta versão.


Bom, resta-nos esperar para ver o que 2014 nos trará. 

domingo, 22 de dezembro de 2013

O que é que a Granta tem? “Espelho da água” de Rui Cardoso Martins


Uma manhã normal a bordo de um cacilheiro que atravessa o Tejo, levando para Lisboa as suas hordas de trabalhadores. É assim que começa o conto de Rui Cardoso Martins, em que a normalidade rapidamente é colocada de lado quando os esforços para pescar um choco (outro choco na Granta?!) são interrompidos pelo cadáver de uma mulher a boiar nas águas do rio. Desse avistamento perturbante parte-se para um périplo por alguns dos viajantes do barco, que em breves instantes nos revelam o que lhes vai pela cabeça.

O conceito deste conto é interessante, sem dúvida, mas parece-me que a forma como as personagens foram compostas não contribui muito para o sucesso da história. Os detalhes das vidas das personagens, a forma como falam, até mesmo o tipo de personagens que encontramos naquele barco, tudo parece estar perigosamente próximo do cliché. Ao que acresce uma falta de coesão que é tanto consequência de um discurso diletante, com saltos abruptos entre discurso directo e indirecto que não conseguem tornar a leitura mais cativante, como de um ângulo não muito claro da história. Em alguns dos relatos confessionais dos passageiros, o cadáver a boiar parece ser uma ponte para os seus pensamentos, noutras nem por isso. A mulher morta e aquelas personagens estão portanto ali por acaso? Os pensamentos das personagens seriam os mesmos se não houvesse a morta? Talvez o objectivo seja só relatar uma viagem de pessoas que vão para Lisboa, numa abordagem de mera observação, sem qualquer propósito narrativo maior. Mas será relevante fazê-lo?

domingo, 15 de dezembro de 2013

Discurso Directo: George Bernard Shaw e a natureza bondosa de Mussolini


«He is condemned to go through life with that terrible and imposing expression, which really does a great deal of injustice to his kindly nature.» (George Bernard Shaw a respeito de Mussolini)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Em estado crítico: "Fiapos de Tempo" de Ana Maria Vilhena

Ler um livro escrito por alguém que nos é querido é sempre uma experiência estranha e envolta em expectativas que esperamos que não sejam defraudadas. Mas há sempre aquele momento em que pensamos “e se o livro for mau?”, e damos a volta à cabeça, procurando comentários evasivos que não violem a nossa consciência, mas também não revelem a nossa verdadeira opinião. Felizmente não foi este o caso. Desde o primeiro momento, conhecendo o verdadeiro toque da Midas da autora deste livro, incapaz que é de produzir algo que não seja de qualidade, acreditei em absoluto nos méritos desta obra e digo-o sem reservas: não me decepcionei.

Isto para vos dizer também, respeitando a máxima que me ensinaram na faculdade e que defende que a objectividade é a explicitação das subjectividades, que não podem esperar de mim uma análise distanciada deste livro, porque me unem à sua autora os mais profundos laços de carinho e gratidão pelo muito que me ensinou sobre a escrita e a leitura. Mas que isto não retire valor às minhas considerações, porque exprimem honestamente a minha opinião.




Dizia George Steiner que o apoquentava particularmente, tomando por exemplo o período nazi, que seres humanos que cometiam actos monstruosos fossem simultaneamente profundos apreciadores de arte, com a sensibilidade que isso requer. Ana Maria Vilhena inverte um pouco esta questão e leva-nos a pensar em como é que pessoas que defendem bons princípios podem não os aplicar ao seu quotidiano. Esta questão surge na cabeça do leitor recorrentemente em “Fiapos de Tempo” perante as contradições de Jacinto Maria, um antepassado da autora e a personagem principal do livro.

Jacinto Maria é um republicano em tempos de monárquicos, que sonha com o fim dos desmandos dos Reis e dos Governos por eles apoiados. Mas a República revelar-se-á uma fonte contínua de desilusões e, aquilo que parecia ser uma panaceia, converte-se rapidamente em novos problemas. Na verdade, as diferenças em termos de liberdades entre a Monarquia e a República são bem pequenas e, por vezes, em vez de progressos assiste-se mesmo a retrocessos. Basta dizer que nas primeiras eleições da República o voto era mais restrito do que nos tempos dos reis.

Mas se as opiniões de Jacinto Maria quanto ao exercício do poder político e ao respeito pelos direitos dos trabalhadores revelam uma profunda consciência do outro, em comportamentos muitas vezes de puro altruísmo, a atitude do mesmo Jacinto Maria com a sua mulher e filhas poderá ser caracterizada de várias formas, nenhuma das quais veiculando algo que remeta remotamente para alguma forma de respeito. Francisca Luísa, a famigerada esposa, é tratada quase sempre de forma aviltante, como se fosse um ser desprovido de inteligência. Germínia, a filha mais nova, não tem melhor sorte, embora a sua irmã mais velha, Balbina, tenha direito a um tratamento mais digno. Jacinto, um homem minimamente letrado, o que era raro na altura, chega mesmo a querer privar as filhas dessa mais-valia, apenas por serem mulheres. Um dos pontos altos do livro, a cena em que Jacinto descobre que Germínia comprou uma máquina de costura, tem tanto de caricata como de revoltante: as mulheres não só não deviam ter direito à educação, como também lhes deveria ser vedado o acesso a tudo o que pudesse facilitar as suas tarefas domésticas.

A mestria de Ana Maria Vilhena está em não tomar partidos na sua narração, em adoptar uma postura quase de mera espectadora e é nessa perspectiva que a questão feminina, por exemplo, nos é apresentada. Seria muito fácil fazer de Jacinto Maria uma figura odiosa, recusando-se a percebê-lo e a explicá-lo, e apresentar as mulheres como vítimas. Mas se algo fica patente no livro é que, independentemente dos seus condicionantes, são as próprias mulheres que determinam no essencial o seu caminho. Não é à toa que Maria de Assunção, a mãe de Jacinto, tem a posição de chefe de família de facto, senhora de uma atitude firme e decidida, em nada aquém da de qualquer homem. Já Francisca Luísa é uma fraca figura, totalmente à mercê das vontades do marido, atitude que não conseguiu transmitir à sua filha Germínia que, seguindo as pisadas da avó, não se inibe de tomar iniciativas. Uma visão corajosa, a de que as mulheres são muitas vezes o agente do seu próprio destino, com a qual estou totalmente de acordo.

Outro dos principais méritos de Ana Maria Vilhena é o de, narrando uma história que abarca um longo período histórico (desde o primeiro quartel do séc. XIX até quase à década de 40 do séc. XX), conseguir incutir no texto uma vertente informativa sobre cada período, nomeadamente em termos políticos e de estilo de vida, de uma forma natural, sem cortar a história nem tornar a leitura maçuda. Depois de uma experiência negativa com o uso de jornais num romance (Saramago em “O Ano da Morte de Ricardo Reis” – sou um fervoroso adepto de Saramago, mas não deste livro), confesso que fiquei de pé atrás quando percebi que a leitura dos jornais seria recorrente no livro, temendo deparar-me com páginas e páginas de incursões declamatórias por títulos de jornais, mas o resultado final superou por completo as minhas expectativas, sendo as referências acompanhadas de comentários de Jacinto Maria ou introduzidas em conversas, de maneira a tornarem-se unas com a narrativa.

Através de “Fiapos de Tempo”, a meio termo entre a biografia e o romance, revisitamos as memórias dos nossos avós e dos seus antepassados, reconhecendo-os nas personagens e comportamentos tão tipicamente alentejanos que nos surgem em cada página. De uma escrita natural, que na sua aparente simplicidade esconde a mestria de quem fez da língua portuguesa a sua vida, a leitura de “Fiapos de Tempo” faz-se com o mesmo prazer com que lemos os clássicos da nossa literatura. Espero que seja o primeiro de muitos livros!


Sendo a edição deste livro assegurada pela Vírgula, se o quiserem comprar podem fazê-lo no site do Sítio do Livro ou na livraria Leya na Barata, em Lisboa.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

5 livros para oferecer no Natal

Um livro é a melhor prenda que se pode dar a uma pessoa. Bom, talvez haja algo melhor… vários livros. Têm dúvidas quanto à veracidade desta afirmação? Ora vejamos, sem ser um livro, que outra prenda podem dar a alguém que possa passar de geração em geração sem perder o interesse, que proporcione várias horas de prazer, que permita conhecer novos locais e pessoas sem sair do mesmo lugar, que seja de arrumação fácil e tenha um preço em conta? Por isso, não batam mais com a cabeça nas paredes a pensar nos presentes que ainda vos falta comprar, corram para uma livraria e resolvam o assunto de uma vez! Precisam de sugestões? Os vossos desejos são ordens.


Um presente para crianças



Hans Christian Andersen escreveu alguns dos contos infantis mais memoráveis da história da literatura. “A Princesa e a Ervilha”, “A Sereiazinha” (também conhecida como “A Pequena Sereia”), “O Valente Soldadinho de Chumbo” ou “O Patinho Feio” dizem-vos alguma coisa? É claro que sim. Andersen tem uma forma muito particular de criar histórias para crianças, assegurando-se que nem tudo são relatos de felicidade e de um mundo sem problemas. O mundo não é assim, logo os contos também não o podem ser, para que as crianças possam encarar as dificuldades futuras de cabeça erguida. E assim tem sido, geração após geração, com as personagens de Andersen a povoarem as memórias de infância de todos nós. Todo este universo em "Contos de Andersen", numa lindíssima edição de capa dura da Relógio D’Água.


Um presente para quem gosta de clássicos



Falar em contos de Natal é sinónimo de falar de Charles Dickens e de “Um Cântico de Natal”, a emblemática história de Ebenezer Scrooge, um velho avarento e rezingão, que na véspera de Natal é visitado por três espíritos que o farão ver a vida com novos olhos. O segredo de Dickens é perceber que há uma melancolia intrínseca ao Natal, que anda de mãos dadas com o desejo de estarmos com aqueles que mais amamos. Não esperem por isso histórias leves e divertidas, porque há lições para serem aprendidas e Dickens é a melhor pessoa para as ensinar.

Tenho duas edições de “Contos de Natal” em português: uma da Civilização Editora e a outra da Guimarães. Os contos incluídos em cada uma são diferentes, embora se encontre em ambas “Um Cântico de Natal” e “As Vozes dos Sinos” (“Os Carrilhões”, na edição da Civilização). Se quiserem oferecer uma edição mais bonita, optem pela da Civilização. Mas se quiserem a que tem os melhores contos, então terão de comprar a da Guimarães que, para além dos contos já mencionados, tem ainda outros dois, um dos quais “As Receitas do Dr. Marigold”, um produtor instantâneo de lágrimas.


Um presente para quem só lê grande autores



Se gostam de ler e nunca ouviram falar de J. M. Coetzee é porque algo de muito errado aconteceu. Coetzee é um autor sul-africano, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2003, conhecido por um estilo de escrita económico e assertivo. “A Idade do Ferro” é um exemplo disso mesmo. Em menos de 180 páginas Coetzee apresenta-nos o confronto de uma mulher idosa a morrer de cancro com as realidades do apartheid, regime a que sempre se opusera, mas cujo lado mais negro era para si desconhecido. Quem lê o livro nunca esquecerá o relato de uma noite em particular, em que a personagem principal é acordada a meio da noite e arrastada para uma enervante viagem cujo infeliz desfecho se antevê em cada linha. Um livro obrigatório, editado pela Dom Quixote.


Um presente para os fãs de literatura portuguesa



Muito se tem falado nos últimos anos nos novos autores portugueses. E quase sempre se fala em homens, deixando por mencionar um nome incontornável, que editou nos últimos anos um livro capaz de ombrear com o que de melhor foi escrito em português. Falo de Dulce Maria Cardoso e de “O Retorno”, um livro que nos apresenta a visão de um adolescente sobre a descolonização. Confesso que o tema não me diz muito e de início tive algumas dúvidas de que esta leitura seria interessante para mim. Mas o cunho pessoal que Dulce Maria Cardoso inscreve na história, em que a descolonização interessa pelas consequências que tem para Rui e para a sua família, e não enquanto acontecimento por si só, tornou a leitura deste livro numa experiência muito intensa.

Incomodou-me um pouco a forma como Rui fala dos africanos que, digamos, não é propriamente abonatória nem respeitosa, mas essa é uma das provas da excelência de Dulce Maria Cardoso: a não necessidade de criar personagens perfeitas, conseguindo que nos identifiquemos com as pessoas, sem que nos identifiquemos com as suas opiniões. Um clássico para as gerações futuras, com a chancela da Tinta da China.


Um presente para quem só lê não ficção



As biografias históricas estão na moda. Ou melhor, as biografias romanceadas. Há por isso que prosseguir com cuidado nesta área ou corremos o risco de levar para casa uma história que de real só tem o esqueleto, preenchido com os devaneios românticos de escritoras de qualidade duvidosa. Mas há, felizmente, muitas biografias escritas por historiadores conceituados. Um bom exemplo é “Catarina de Áustria: Infanta de Tordesilhas, Rainha de Portugal” de Ana Isabel Buescu, um relato rigoroso e envolvente da vida da mulher de D. João III, uma personagem com um papel fundamental na aproximação de Portugal a Espanha, que viria a culminar com a anexação do nosso país ao império de Filipe II.

Buescu abre-nos as portas para a infância de Catarina, passada em clausura com a mãe, Joana a Louca, filha dos Reis Católicos, que após a morte do marido, Filipe o Belo, percorre parte do país numa procissão fúnebre em que, segundo as lendas, o caixão era aberto todas as noites para que Joana pudesse rever o seu amado. Trazida para Portugal para se casar com o seu primo direito, Catarina terá muitos filhos, mas apenas dois chegarão à adolescência, e ambos serão casados com os seus primos direitos, cumprindo a tradição de consanguinidade dos Habsburgo, que neste caso daria origem a duas figuras trágicas: Dom Sebastião e Dom Carlos. 

Mas se pensam que Catarina foi apenas uma figura decorativa, estão muito enganados. O seu papel no governo do país foi fundamental, num período em que Portugal se via governado por um monarca que não se pode dizer que fosse brilhante. Coube a Catarina e ao Cardeal D. Henrique prepararem D. Sebastião para governar, tarefa que se revelaria impossível, incapazes que foram de conter os ímpetos de um jovem rei, que apenas tinha quatro bisavós, em vez dos oito habituais.

Uma biografia à prova de bala de um dos períodos mais importantes da História de Portugal e de uma das rainhas mais interessantes da nossa monarquia. Entretenimento e cultura garantidos nesta edição da Esfera dos Livros.