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terça-feira, 1 de setembro de 2015

Em estado crítico: “Pastoral Americana” de Philip Roth


O homem comum. Os seus sonhos normais. O desejo de ser feliz, de viver uma vida pacata e envelhecer junto daqueles que mais ama. Philip Roth não escreve sobre homens excepcionais, prefere expor as excepcionais vidas dos homens banais, as suas frustrações, medos e ridículos. Mas em “Pastoral Americana” Roth vai mais longe: constrói o paradigma do sonho americano – um belo atleta louro abastado casado com uma ex-miss – apenas para o destruir. Uma destruição repentina e gratuita, como o costumam ser os acontecimentos que mudam vidas.

Os problemas da família perfeita de Seymour Levov, conhecido como o Sueco, começam com a gaguez da filha, Merry, que surge inexplicavelmente como uma premonição. Levov teme que aquele problema seja um reflexo de algo de errado que se passa com a sua filha, mas pouco consegue fazer para ajudá-la. Os seus sentimentos de culpa aumentam quando, num momento algo irracional, decide ceder aos pedidos da filha para a beijar na boca. Aquele instante é vivido por Levov como um incesto, um quebrar de regras que potencialmente terá aberto as portas à loucura futura.

Merry, frustrada com a gaguez, por se sentir aquém das expectativas dos pais, à medida que vai crescendo começa a desenvolver uma obsessão por questões políticas, mais especificamente pela Guerra do Vietname. Esse sentimento transforma-se rapidamente num repúdio do estilo de vida americano e daí até Merry se envolver com as pessoas erradas é um passo. Levov assiste passivo à perda da sua filha, sem a conseguir controlar, temendo que o pior possa acontecer. E acontece.

Uma bomba explode perto da casa dos Levov matando uma pessoa. De uma idealista radical Merry passa a criminosa procurada. A vida dos Levov é estilhaçada pela bomba, com o Sueco a passar dias e dias a tentar perceber o que correu mal. "Porquê? O que fiz eu para a minha filha se tornar numa assassina?" pergunta Levov, enquanto a sua mulher se afunda numa depressão e a filha se mantém em fuga.

Mas por muito interessante que o enredo do livro seja, há alguns problemas a que Roth não quis ou não conseguiu dar resposta. O período após o rebentamento da bomba caracteriza-se pelas constantes ruminações de Levov, um contínuo “onde foi que eu errei!” que se torna cansativo. E alega-se então “mas esse cansaço faz todo o sentido, porque expressa o cansaço da própria personagem, suscitando no leitor sentimentos semelhantes”, ao que eu respondo com uma velha máxima: a mestria de um escritor revela-se na capacidade de invocar algo sem que o texto tenha de ter essa mesma característica. Suscitar no leitor uma sensação de cansaço é uma coisa, tornar o texto ele próprio cansativo é outra.

Mas o meu grande problema nem sequer é esse. O que de facto me incomoda é a estrutura escolhida por Roth, que dá a sensação de projecto concluído à pressa. Na verdade o livro começa com Zuckerman, um colega de escola que nos revela o mito do Sueco adolescente, o judeu louro que todos conquistava. Zuckerman encontra-se com Levov algumas vezes durante a vida, e já velho ele contacta-o para lhe pedir ajudanuma homenagem que está a preparar para o pai. Depois disso, numa reunião de antigos alunos, Zuckerman encontra Jerry, o irmão do Sueco, que lhe conta que o irmão morreu e que a sua filha é a “bombista de Rimrock”. E a partir desse momento Zuckerman relata-nos uma história idealizada do que terá sido a vida do Sueco. Acontece que, após criar esta parte inicial, com personagens bem delineadas, com a própria vida de Zuckerman a ser-nos apresentada, o livro abandona totalmente este plano e centra-se até à última página na história do Sueco. O pobre leitor, em negação, espera que no final o círculo se complete e que haja uma espécie de reflexão centrada de novo em Zuckerman, o que nunca acontece.

Perguntamos então: para quê? Para quê criar uma história paralela para depois simplesmente a abandonar? Porque não então começar directamente com a narração da história de Levov, eliminando Zuckerman? E para estas perguntas não há resposta, ou pela menos uma satisfatória. É assim porque Roth assim quis que fosse. Mas nem sempre o que o escritor quer é o que é melhor para o livro.

Bem conscientes das desilusões que “Pastoral Americana” nos proporcionou, caminhamos para o final curiosos, sem saber muito bem como irá Roth terminar um livro tão reflexivo, com tantas questões e nenhumas respostas. E o final é estranho, de um estranho que nos faz reler aquelas breves páginas repetidamente à procura de uma mensagem encriptada. Mas aos poucos e poucos apercebemo-nos de que o que Philip Roth nos quer dizer é que a vida é feita de manifestações espontâneas e irracionais de violência e que nunca estaremos prontos para lidar com elas. Mas mais do que isso, há em toda a história de Levov uma mensagem quase fatalista: por muito grandes que os horizontes sejam, a pequenez da vida sobrepor-se-á, porque não há potencial que possa fugir à capacidade destruidora do mundo.

“Pastoral Americana” fala de um tema muito caro aos americanos: a América. O orgulho de ser americano e o ódio pelo que a América representa. A América como terra das oportunidades e como símbolo supremo do mal, uma existência em dois pólos antagónicos que Roth reproduz na perfeição. E por isso se fala deste livro como um dos seus melhores, talvez mesmo como a sua obra-prima. Mas é uma afirmação justa? Infelizmente não.“Pastoral Americana” é um livro bom, mas está longe de ser o melhor que Philip Roth pode fazer. 

Classificação: 16/20

terça-feira, 20 de maio de 2014

A última entrevista de Philip Roth


Uma pedrada no charco. Foi esse o efeito das palavras de Philip Roth quando, no final de 2012, anunciou publicamente, numa entrevista à revista francesa Les Inrockuptibles, que não voltaria a escrever. Na altura poucos acreditaram nas suas palavras, achando que o apelo da pena domaria o desejo de liberdade de um escritor esgotado. Mas há algumas semanas Roth, após uma sessão pública de leitura, afirmou que aquele seria o último evento do género que iria realizar, deixando antever uma saída mais abrangente da vida pública, que culminou com o anúncio de que a entrevista que será hoje emitida pela BBC será a sua última aparição pública.

O desgaste de Philip Roth com a vida de escritor não era segredo para ninguém, e ficou bem patente na entrevista publicada pelo The New York Times Book Review no passado mês de Março:

“Todos temos trabalhos árduos. Todo o verdadeiro trabalho é árduo. Acontece que o meu trabalho é também irrealizável. Manhã após manhã durante 50 anos, enfrentei a próxima página indefeso e mal preparado. Escrever para mim é um feito de auto-preservação. Se não o fizesse, morreria. Então fi-lo. A perseverança, e não o talento, salvou-me a vida. Tive também a sorte de não considerar a felicidade importante e de não ter compaixão por mim próprio.”

Philip Roth afasta-se assim definitivamente do grande público, sem ter recebido o tão ambicionado Prémio Nobel (e sendo quase impossível que o venha a receber). Em tempos Roth afirmou ao “O Estado de S. Paulo” que gostaria de escrever o mesmo livro até morrer, acenando com a hipótese de um livro póstumo. Quem sabe se não nos aguarda uma surpresa no futuro?