terça-feira, 30 de julho de 2013

Paraíso dos livros: "Projecto Shakespeare" da Relógio d'Água




Por vezes falta aos nossos editores a motivação para olharem para os clássicos. Não porque não os leiam e apreciem, mas porque pensam que não há mercado para eles. E assim se vão criando grandes lacunas no nosso mercado editorial (é gritante que nenhuma editora pegue na “Comédia Humana” de Balzac e a publique por inteiro). Mas há excepções.

A Relógio d’Água, o grande reduto dos clássicos em português (elogie-se também o trabalho feito pela Tinta da China), depois das excelentes edições de Tolstoi, Dostoievski, Eliot e Dickens, só para nomear algumas, iniciou a publicação da tradução da obra dramática completa de Shakespeare, numa colecção intitulada “Projecto Shakespeare”.

Em parceria com os membros do grupo de investigação Shakespeare e o Cânone Inglês e o CETAPS - Centre for English, Translation and Anglo-Portuguese Studies (pólo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto), e com a coordenação de Manuel Gomes da Torre, a Relógio d’Água propõe-nos edições de rigor académico, seja na fixação do texto em inglês, seja na tradução que, sendo feita por uma pessoa, usufrui do conhecimento da obra e tempo de Shakespeare do grupo de trabalho envolvido no projecto. Todos os livros virão acompanhados de um pequeno ensaio introdutório de análise à obra e à sua recepção ao longo dos tempos, com particular destaque para a sua importância no âmbito da cultura portuguesa (traduções, encenações…).

Como se isto tudo não bastasse, ao adequado e intemporal grafismo dos livros, junta-se a capa dura (darem-me uma capa dura é meio caminho andado para me fazerem feliz) e, porque não, as folhas, bem grossas de papel a sério, papel com textura de papel, com cheiro de papel. 

Até ao momento foi lançado “Romeu e Julieta”, durante a Feira do Livro de Lisboa, que obviamente já se encontra na minha estante, sendo que está previsto para bem breve (próximos dias?) os 2 volumes de “Henrique IV”. Obrigatório comprar!

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Em estado crítico: "GKJMA" de João Silveira




Devastação. Espaços inóspitos em que a vida já não existe. Apenas resquícios, abandonados no tempo, destruídos e imóveis. Assim é a atmosfera criada por João Silveira em “GKJMA”. 

Sempre no Japão, entre Gunkanjima, a abandonada ilha com a forma de um navio de guerra, outrora habitada sobretudo por famílias de mineiros, e Aokigahara, a famosa floresta dos suicídios, um personagem sem nome remói recordações incómodas de um tempo que se perdeu. 

Numa escrita em prosa, mas incapaz de não ser poética, entre episódios que afloram à memória e que se confrontam com um hino heroicamente nacionalista (tão longe da realidade, mas não o são todos?), o espaço é constantemente descrito e, através das descrições, as emoções do narrador vão-nos sendo passadas. Dele saberemos pouco, porque também não há muito para saber. É esse o preço da repressão da individualidade. Esse e o desamparo que se sente quando se vê privado daquilo que sempre se tivera como certo. E então, “quando nada mais existe – porque nada mais existe -, caminhar para onde nada existe.”

Gosto sobretudo do último texto. Depois da contenção, uma enxurrada de emoções, o pedido de perdão de quem, em frases entrecortadas, tem como último destino a floresta dos suicídios. Tanta coisa dita em tão poucas palavras.

Se “GKJMA” tem um defeito é o saber-nos a pouco. Queremos mais, visitar outras memórias, conhecer novos lugares, perder-nos na fluidez de uma escrita económica, que procura constantemente a perfeição.

Um livro editado pela Artefacto, em que a qualidade da escrita é igualada pelas misteriosas ilustrações de Rita Faia.

Classificação: 15/20

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Discurso Directo: Marguerite Duras, em tom confessional, sobre “O Amante”



“Éramos de uma grande brutalidade. A minha mãe não tinha educado os filhos. Éramos tal e qual, muito naturais. Reconheço-o nos meus irmãos e em mim. Éramos animais nobres, terríveis.”

(Marguerite Duras em entrevista a Bernard Pivot, no programa Apostrophes)

quinta-feira, 25 de julho de 2013

4 livros de qualidade para ler no Verão



Ah, as férias de Verão! Essa altura mágica do ano em que suamos em bica, em que qualquer momento na rua que não seja acompanhado por um gelado ou uma bebida fresca parece um sacrifício desumano. Sentimos que podemos mandar no nosso tempo e dedicar-nos àquilo que mais gostamos e então corremos para as livrarias e compramos as Margaridas Rebelo Pinto, os Josés Rodrigues dos Santos e os Paulos Coelhos para nos acompanharem para todo o lado, certo? Errado! Chega de silly literature na silly season!

Um mito que tem sido perpetuado por um certo tipo de intelectuais é o de que a boa literatura tem de ser difícil e quase indecifrável. Pois, mas não tem. O que não faltam são exemplos de livros muito bons e simples, que qualquer pessoa consegue ler facilmente, sem ter de estar de 3 em 3 frases a voltar para trás porque não está a perceber nada do que se passa.

Deixo-vos então com 4 propostas de livros para lerem neste Verão. São 4 livros acima de qualquer suspeita, todos com grandes doses de comédia, bem leves e fluidos como o Verão exige. E a boa notícia é que não precisam de os forrar com folhas brancas! (Pessoas que forram os livros duvidosos a branco para irem a ler no metro, tenho uma notícia para vós: isso não resulta!!! Podemos não saber que livros estão a ler, mas ficamos a saber que algo bom não é. O livro a branco é um chamariz, parece que o ouvimos dizer “Olha para mim! Esta pessoa tem mau gosto!”)


O Complexo de Portnoy” de Philip Roth, Dom Quixote


Se há coisa que aprendemos em todos estes anos a ver séries com humoristas americanos é que as famílias judias têm as suas peculiaridades. Mães possessivas, quase agressivamente intrusivas. E a culpa, esse sentimento que não é exclusivo dos católicos, gerador de tantas frustrações e comportamentos desajustados. De tudo isto nos fala Philip Roth, fazendo uso de uma prerrogativa internacional que diz que apenas podem criticar grupos minoritários quem deles faz parte. Como não gostar de um livro em que a personagem principal, um verdadeiro garanhão, se torna impotente enquanto pisa solo israelita?


A Grande Arte” de Rubem Fonseca, Sextante


Um homem facilmente dominado pela libido a tentar desvendar um crime. E então? Qual é a novidade?! Novidade não haverá, mas há a mestria na escrita e o sentido de humor corrosivo de Rubem Fonseca, vencedor do Prémio Camões em 2003. “A Grande Arte” é uma paródia aos policiais, com cenas e cenas em que o ridículo é continuamente posto à prova, tudo embrulhado em grandes doses de mistério. Aviso: inclui cenas de sexo com prostitutas muito pouco recomendáveis, porque Mandrake, o investigador de serviço, pode até ser bem-parecido, mas quando a natureza o chama, ele tem de responder.


Cândido ou o Optimismo” de Voltaire, Tinta da China


Sim, estou a recomendar um livro de Voltaire como leitura leve de Verão. Os cépticos de serviço estão já a pensar “um livro de Voltaire fácil de ler, sim sim”. É verdade. Acreditem ou não, “Cândido ou o Optimismo” é um livro que se lê de uma assentada. Tudo começa com uma violação e o brutal assassinato de uma família. E de que melhor forma podia começar uma comédia sobre o optimismo? Nenhum homem de boa-fé teceria uma crítica que fosse ao facto de Cândido reencontrar a sua amada Cunegundes algures em Portugal, transformada na escrava sexual do Inquisidor-Mor e de um Judeu, que a repartem segundo os dias da semana. E daqui se parte para um conjunto de peripécias inusitadas, que colocam à prova a crença inabalável de Pangloss, o líder espiritual de Cândido, no optimismo. Para ler, com um prazer muito malicioso.


A Queda de um Anjo” de Camilo Castelo Branco, Civilização


Pronto, está-se mesmo a ver que este livro é um daqueles romances trágicos à Camilo! Não é não senhor. Também eu pensei, quando peguei no livro, que ia ler uma história de amor impossível entre um jovem rebelde que levaria uma inocente rapariga a práticas indecentes, pouco dignas para quem se diz de boas famílias. Em vez disso, deparei-me com Calisto Elói, um bonacheirão como só o interior os sabe produzir, que vem para Lisboa ser político. Calisto chega cheio de si, transpira honra e honestidade por todos os poros, mas ao que parece a carne era fraca e a mulher, que por acaso também era prima, lá fica desterrada na terrinha, enquanto Calisto esbanja os recursos com uma jovem voluptuosa. Que queda! Que anjo!

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Apresentada a Longlist do The Man Booker Prize 2013



A 15 de Outubro conhecer-se-á o vencedor deste ano do The Man Booker Prize, que premeia a melhor obra de ficção em inglês publicada por um cidadão da Commonwealth, da Irlanda ou do Zimbabué. Para já foram anunciadas as 13 obras que estão sob consideração do júri. Num processo muito menos secreto do que o do Nobel da Literatura, a eleição do Man Booker Prize inicia-se com a definição da Longlist, que será depois reduzida a 5/6 obras (a Shortlist, que este ano será conhecida a 10 de Setembro), das quais sairá a vencedora.


Fazem este ano parte da Longlist:
Five Star Billionaire” de Tash Aw
 “We Need New Names” de NoViolet Bulawayo
The Luminaries” de Eleanor Catton
Harvest” de Jim Crace
The Marrying of Chani Kaufman” de Eve Harris
The Kills” de Richard House
The Lowland” de Jhumpa Lahiri
Unexploded” de Alison MacLeod
TransAtlantic” de Colum McCann
Almost English” de Charlotte Mendelson
A Tale for the Time Being” de Ruth Ozeki
The Spinning Heart” de Donal Ryan
The Testament of Mary” de Colm Tóibín



Curiosidades:

Destas obras, apenas 1 já está publicada em Portugal: “O Testamento de Maria” de Colm Tóibín, publicada pela Bertrand.


3 autores são repetentes nas andança do The Man Booker Prize: “The Harmony Silk Factory” de Tash Aw chegou à Longlist de 2005; Jim Crace esteve na Shortlist de 1997 com “Quarantine”; também na Shortlist, e por 2 vezes, esteve Colm Tóibín, com “The Blackwater Lightship” em 1999 e “The Master” em 2004.


Jhumpa Lahiri venceu o Pulitzer Prize for Fiction em 2000 com Interpreter of Maladies”.


O conto “Everything in this Country Must” de Colum McCann originou uma curta-metragem nomeada aos Óscares em 2005.


Dos 13 autores considerados, 6 têm obras traduzidas em português: 
   Tash Aw

A Fábrica das Sedas” (Difel)

   Eleanor Catton

O Ensaio” (Gradiva)

   Jim Crace

Quarentena”, “A Morte nas Dunas” e “Arcádia” (Gradiva)

   Jhumpa Lahiri

Intérprete de Enfermidades” e “O Bom Nome” (Dom Quixote)

 Numa Terra Estranha” (Presença)

   Colum McCann

Deixa o Grande Mundo Girar” e “Deste Lado da Luz” (Civilização)

O Bailarino” (Bizâncio)

   Colm Tóibín

O Mestre” e “O Navio-Farol de Blackwater” (Dom Quixote)

O Testamento de Maria”, “Brooklin” e “Mães e Filhos” (Bertrand)

“A História da Noite” (Bizâncio)