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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Os 5 melhores livros que li em 2013

O facto marca sem sombra de dúvida a minha relação com a literatura em 2013: a descoberta do género conto. Já tinha lido livros de contos anteriormente, e tinha ganho um maior interesse pelo género com “A Vista de Castle Rock” de Alice Munro, mas foi com a Granta que a viragem definitiva se deu e, apesar das reticências inicias, estou conquistado e adivinham-se bastantes leituras nesse campo para 2014. Mas de 2014 falaremos nos próximos dias. Para já deixo-vos com a lista dos melhores livros que li no ano que passou.

Como já devem ter percebido, as minhas leituras não são ditadas pelo que vai sendo editado. Há demasiados livros bons para serem lidos para a pessoa se focar só no que é novo. Ser-me-ía  por isso impossível fazer um top de livros editados em 2013. Mas como a literatura é das formas de arte que melhor resistem à passagem do tempo, entre os melhores livros que li há desde obras-primas do século XIX, até livros editados em 2013. Para mim, 2013 foi isto.


5. “Fiapos de Tempo” de Ana Maria Vilhena, Vírgula



 Através de “Fiapos de Tempo”, a meio termo entre a biografia e o romance, revisitamos as memórias dos nossos avós e dos seus antepassados, reconhecendo-os nas personagens e comportamentos tão tipicamente alentejanos que nos surgem em cada página. De uma escrita natural, que na sua aparente simplicidade esconde a mestria de quem fez da língua portuguesa a sua vida, a leitura de “Fiapos de Tempo” faz-se com o mesmo prazer com que lemos os clássicos da nossa literatura. Ler o texto completo.


4. “O Moinho à Beira do Floss” de George Eliot, Relógio D’Água




Em “O Moinho à Beira do Floss” Eliot recria um bucólico mundo campestre, habitado por personagens imperfeitas que tentam viver num mundo cheio de expectativas. Entre estas personagens, constrangidas pelo socialmente aceite, surge a figura da impulsiva e arrebatada Maggie Tulliver, que aos olhos da nossa época é uma simples rapariga romântica, mas que, no pacato mundo banhado pelo rio Floss, é uma rebelde que ousa juntar aos quatro verbos que lhe foram destinados (nascer, casar, parir, morrer) um quinto: amar. Ler o texto completo.


3. “Fugas” de Alice Munro, Relógio D’Água



A vida tem uma forma incontrolável de nos afastar do nosso potencial. Uma força violenta e indestrutível que nos arrasta para caminhos que não são aqueles que queremos percorrer, sem que nada possamos fazer para o evitar. Alice Munro percebe isso melhor que ninguém, a crueldade de vermos desde cedo os nossos planos comprometidos, porque por muito que corramos, nada mais encontraremos do que aquilo que nos está reservado. E essa é uma moral que percorre os oito contos que compõem este livro. Ler o texto completo.


2. “Peter Pan and Wendy” de J. M. Barrie, The Folio Society


 

O último livro que li em 2013 transportou-me para o fabuloso mundo de Sininho, Capitão Gancho e os Rapazes Perdidos, um mundo em que a infância nunca termina, em que há sempre aventuras a serem vividas. Mas por maiores que pareçam os perigos da Terra do Nunca, o maior ameaça está longe dela: crescer e esquecer-se de quando se era uma criança. Publicarei nos próximos dias uma análise completa a este livro.


1. “A Sibila” de Agustina Bessa-Luís, Guimarães Editores



Da rudeza nobre da terra brotam os génios difíceis de gente forte. Quina e Estina, duas faces duma mesma alma, ambas duras, uma clarividente, a outra propícia a sofrimentos calados. Cedo conheceram as vias árduas do destino, sempre marcadas pela efemeridade, pela necessidade de não se apegarem àquilo que não podem conservar junto a si. Perderam um irmão, testemunharam as dores de sua mãe, traída por um homem galanteador, o pai das duas, que também cedo partiria. A própria Quina tem a sua vida em risco na juventude. Mas é Estina quem sofre as mais duras perdas, talvez por ser a mais fraca, a que mais deseja acreditar na possibilidade do amor. Primeiro é abandonada pelo homem que ama. Depois vê morrer, um após outro, todos os seus filhos. E é no seu estóico sofrimento que Estina vence Quina. Estina conhece o amor, Quina nunca o conseguirá. Ler o texto completo.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

5 livros para oferecer no Natal

Um livro é a melhor prenda que se pode dar a uma pessoa. Bom, talvez haja algo melhor… vários livros. Têm dúvidas quanto à veracidade desta afirmação? Ora vejamos, sem ser um livro, que outra prenda podem dar a alguém que possa passar de geração em geração sem perder o interesse, que proporcione várias horas de prazer, que permita conhecer novos locais e pessoas sem sair do mesmo lugar, que seja de arrumação fácil e tenha um preço em conta? Por isso, não batam mais com a cabeça nas paredes a pensar nos presentes que ainda vos falta comprar, corram para uma livraria e resolvam o assunto de uma vez! Precisam de sugestões? Os vossos desejos são ordens.


Um presente para crianças



Hans Christian Andersen escreveu alguns dos contos infantis mais memoráveis da história da literatura. “A Princesa e a Ervilha”, “A Sereiazinha” (também conhecida como “A Pequena Sereia”), “O Valente Soldadinho de Chumbo” ou “O Patinho Feio” dizem-vos alguma coisa? É claro que sim. Andersen tem uma forma muito particular de criar histórias para crianças, assegurando-se que nem tudo são relatos de felicidade e de um mundo sem problemas. O mundo não é assim, logo os contos também não o podem ser, para que as crianças possam encarar as dificuldades futuras de cabeça erguida. E assim tem sido, geração após geração, com as personagens de Andersen a povoarem as memórias de infância de todos nós. Todo este universo em "Contos de Andersen", numa lindíssima edição de capa dura da Relógio D’Água.


Um presente para quem gosta de clássicos



Falar em contos de Natal é sinónimo de falar de Charles Dickens e de “Um Cântico de Natal”, a emblemática história de Ebenezer Scrooge, um velho avarento e rezingão, que na véspera de Natal é visitado por três espíritos que o farão ver a vida com novos olhos. O segredo de Dickens é perceber que há uma melancolia intrínseca ao Natal, que anda de mãos dadas com o desejo de estarmos com aqueles que mais amamos. Não esperem por isso histórias leves e divertidas, porque há lições para serem aprendidas e Dickens é a melhor pessoa para as ensinar.

Tenho duas edições de “Contos de Natal” em português: uma da Civilização Editora e a outra da Guimarães. Os contos incluídos em cada uma são diferentes, embora se encontre em ambas “Um Cântico de Natal” e “As Vozes dos Sinos” (“Os Carrilhões”, na edição da Civilização). Se quiserem oferecer uma edição mais bonita, optem pela da Civilização. Mas se quiserem a que tem os melhores contos, então terão de comprar a da Guimarães que, para além dos contos já mencionados, tem ainda outros dois, um dos quais “As Receitas do Dr. Marigold”, um produtor instantâneo de lágrimas.


Um presente para quem só lê grande autores



Se gostam de ler e nunca ouviram falar de J. M. Coetzee é porque algo de muito errado aconteceu. Coetzee é um autor sul-africano, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2003, conhecido por um estilo de escrita económico e assertivo. “A Idade do Ferro” é um exemplo disso mesmo. Em menos de 180 páginas Coetzee apresenta-nos o confronto de uma mulher idosa a morrer de cancro com as realidades do apartheid, regime a que sempre se opusera, mas cujo lado mais negro era para si desconhecido. Quem lê o livro nunca esquecerá o relato de uma noite em particular, em que a personagem principal é acordada a meio da noite e arrastada para uma enervante viagem cujo infeliz desfecho se antevê em cada linha. Um livro obrigatório, editado pela Dom Quixote.


Um presente para os fãs de literatura portuguesa



Muito se tem falado nos últimos anos nos novos autores portugueses. E quase sempre se fala em homens, deixando por mencionar um nome incontornável, que editou nos últimos anos um livro capaz de ombrear com o que de melhor foi escrito em português. Falo de Dulce Maria Cardoso e de “O Retorno”, um livro que nos apresenta a visão de um adolescente sobre a descolonização. Confesso que o tema não me diz muito e de início tive algumas dúvidas de que esta leitura seria interessante para mim. Mas o cunho pessoal que Dulce Maria Cardoso inscreve na história, em que a descolonização interessa pelas consequências que tem para Rui e para a sua família, e não enquanto acontecimento por si só, tornou a leitura deste livro numa experiência muito intensa.

Incomodou-me um pouco a forma como Rui fala dos africanos que, digamos, não é propriamente abonatória nem respeitosa, mas essa é uma das provas da excelência de Dulce Maria Cardoso: a não necessidade de criar personagens perfeitas, conseguindo que nos identifiquemos com as pessoas, sem que nos identifiquemos com as suas opiniões. Um clássico para as gerações futuras, com a chancela da Tinta da China.


Um presente para quem só lê não ficção



As biografias históricas estão na moda. Ou melhor, as biografias romanceadas. Há por isso que prosseguir com cuidado nesta área ou corremos o risco de levar para casa uma história que de real só tem o esqueleto, preenchido com os devaneios românticos de escritoras de qualidade duvidosa. Mas há, felizmente, muitas biografias escritas por historiadores conceituados. Um bom exemplo é “Catarina de Áustria: Infanta de Tordesilhas, Rainha de Portugal” de Ana Isabel Buescu, um relato rigoroso e envolvente da vida da mulher de D. João III, uma personagem com um papel fundamental na aproximação de Portugal a Espanha, que viria a culminar com a anexação do nosso país ao império de Filipe II.

Buescu abre-nos as portas para a infância de Catarina, passada em clausura com a mãe, Joana a Louca, filha dos Reis Católicos, que após a morte do marido, Filipe o Belo, percorre parte do país numa procissão fúnebre em que, segundo as lendas, o caixão era aberto todas as noites para que Joana pudesse rever o seu amado. Trazida para Portugal para se casar com o seu primo direito, Catarina terá muitos filhos, mas apenas dois chegarão à adolescência, e ambos serão casados com os seus primos direitos, cumprindo a tradição de consanguinidade dos Habsburgo, que neste caso daria origem a duas figuras trágicas: Dom Sebastião e Dom Carlos. 

Mas se pensam que Catarina foi apenas uma figura decorativa, estão muito enganados. O seu papel no governo do país foi fundamental, num período em que Portugal se via governado por um monarca que não se pode dizer que fosse brilhante. Coube a Catarina e ao Cardeal D. Henrique prepararem D. Sebastião para governar, tarefa que se revelaria impossível, incapazes que foram de conter os ímpetos de um jovem rei, que apenas tinha quatro bisavós, em vez dos oito habituais.

Uma biografia à prova de bala de um dos períodos mais importantes da História de Portugal e de uma das rainhas mais interessantes da nossa monarquia. Entretenimento e cultura garantidos nesta edição da Esfera dos Livros.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Em estado crítico: "A Sibila" de Agustina Bessa-Luís

“Quina abriu os olhos, e disse em voz audível algumas palavras que não eram delírio, nem oração, porque o tempo de oração estava no fim, e toda a sua alma se projectava num abismo inefável, se dispersava para entrar na composição magnífica do cosmos.”


Da rudeza nobre da terra brotam os génios difíceis de gente forte. Quina e Estina, duas faces duma mesma alma, ambas duras, uma clarividente, a outra propícia a sofrimentos calados. Cedo conheceram as vias árduas do destino, sempre marcadas pela efemeridade, pela necessidade de não se apegarem àquilo que não podem conservar junto a si. Perderam um irmão, testemunharam as dores de sua mãe, traída por um homem galanteador, o pai das duas, que também cedo partiria. A própria Quina tem a sua vida em risco na juventude. Mas é Estina quem sofre as mais duras perdas, talvez por ser a mais fraca, a que mais deseja acreditar na possibilidade do amor. Primeiro é abandonada pelo homem que ama. Depois vê morrer, um após outro, todos os seus filhos. E é no seu estóico sofrimento que Estina vence Quina. Estina conhece o amor, Quina nunca o conseguirá.

Quina, a sibila, uma mulher simples com capacidades divinatórias, quase totalmente em controlo da sua própria vida, enreda-nos na sua personalidade arisca, na sua atitude prática. Quina não é digna de pena, porque apenas sentimentos elevados lhe podem ser dirigidos, mas adivinhamos nas suas atitudes um desejo de ultrapassar as suas barreiras e vencer a indiferença que desde cedo tomou conta de si. Num misto de curiosidade e desafio, Quina assume a responsabilidade pelo destino de Custódio, um ser caprichoso, movido por uma indomável emoção, de uma crueldade criminosa. Não é amor que Quina procura naquela criança que acolhe na sua casa, é uma aparência de amor, uma sensação de dependência, de gratidão que funcione como paga pelos seus cuidados para com ele e que dê à sua vida uma espécie de propósito respeitável.

A grande ironia de “A Sibila” é que Quina, que defende Custódio, mesmo quando isso implica desafiar todos, acabará por ser o seu carrasco. Os familiares de Quina acusam Custódio de estar apenas interessado na sua herança e chegará o dia em que ele lhe pedirá para que ela lhe deixe tudo. Mas apenas a sensibilidade humana, a compreensão da complexidade de Custódio, permite perceber que o que o move não é o interesse, mas uma necessidade de total correspondência dos seus sentimentos. Custódio quer uma prova do comprometimento de Quina para com ele, uma prova do seu amor de mãe que o não pariu, e sofre com as suas atitudes esquivas e uma sugestão indelével de que Quina, guiada pelo seu espírito racional, se deixará persuadir pelo sangue quando tiver de tomar uma decisão.

No final veremos em Custódio o carácter absoluto do amor, o quão profundo é o desamparo de alguém que se vê privado da única pessoa que lhe deu a mão. Custódio, o quase monstruoso Custódio, revelar-se-á o mais humano, o único que sofrerá uma verdadeira perda, uma perda que o tornará incompleto, incapaz de encontrar um rumo, e que o levará a realizar o último grande sacrifício.

Catalogado como um livro difícil, odiado por muitos, elevado ao estatuto de obra-prima por outros, “A Sibila” é muito mais do que uma saga familiar. Incapazes de compreender a complexidade de certos sentimentos, Quina e a sua estirpe irão prosperar no seu mundo racional, sobre as ruínas daqueles que se deixaram consumir por sentimentos inúteis. Nascer, viver e morrer, esse é o destino de Quina. Esse é o destino da sibila.


Classificação: 18/20