sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A dependência dos livros - edição Janeiro de 2015


Como são belos os saldos, especialmente quando nos permitem comprar livros por tuta e meia. E assim foi este mês, em que escolhas pouco óbvias foram feitas, mantendo a tradição de conjugar diferentes fornecedores, entre os quais, claro, o Sr Teste, que me arranjou uma cópia de “A Mala” do Valério Romão, recentemente editado pela Guilhotina, e de “O Jardim” de Marguerite Duras, um daqueles livros que simplesmente já não se encontra nas livrarias.

Nos saldos da Bertrand não consegui resistir a “A Lebre de Vatanen” de Arto Paasilinna, publicado pela Relógio d’Água, autor e obra que desconhecia em absoluto mas, num raro momento de compra por impulso, deixei-me convencer pela sinopse. Outra promoção, mas desta feita na concorrência, na FNAC, levou-me a comprar um livro que já namorava há algum tempo: “Última Saída para Brooklyn” de Hubert Selby Jr, editado pela Antígona.

Mas foi da Wook que veio a maior encomenda, com “A Epopeiade Mr. Skullion” e “Uma Mancha na Paisagem” de Tom Sharpe (livros da Teorema cujo preço foi reduzido, custando agora 4.9€), “Raga” do Prémio Nobel J. M. G. Le Clézio e “Adeus, Até Amanhã” de William Maxwell, estes dois últimos editados pela Sextante e a pouco mais de 3€ cada um (entretanto o preço subiu um pouquinho).

O lugar no pódio deste mês tem de ir para o livro mais bonito da minha biblioteca: “The Remains of the Day” de Kazuo Ishiguro, da The Folio Society, que graças ao facto de ser membro pude comprar com um desconto de 10 libras.

Um mês de boas compras, sem dúvida!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Contando contos de Edgar Allan Poe: “A Aventura Sem Paralelo de Um Tal Hans Pfaall”


Ano novo, rubrica nova. Nos últimos meses de 2014 ganhei num passatempo o “Todos os Contos” de Edgar Allan Poe, recentemente editado pela Temas & Debates e desde logo se desenhou na minha mente o plano de semanalmente (tendencialmente!) ir lendo os contos e partilhando convosco a minha experiência na descoberta de um autor verdadeiramente icónico. Bem dito, bem feito, e começamos hoje esta longa viagem.

Um estranho homem, a bordo de um balão, aproxima-se da cidade de Roterdão suscitando uma onda de interesse e incredulidade. Mas a sua missão é apenas entregar uma missiva ao burgomestre Von Underduk e ao professor Rubadub, respectivamente presidente e vice-presidente do Colégio de Astronomia de Roterdão, e rapidamente desaparece. A carta escrita por Hans Pfaall ocupa a quase totalidade do conto e relato-nos a viagem que Hans decide realizar para fugir às dificuldades económicas que assolaram a sua vida. Tentado a suicidar-se, Hans inspira-se num livro de astronomia para programar uma viagem de balão… à Lua!

Com sentido de humor e ironia, Poe procura tornar verosimilhante o mais ridículo dos cenários, apoiando-se nos conhecimentos científicos da época e em pressupostos tidos como inegáveis para tornar a viagem plausível. Poe peca um pouco por se centrar, muito detalhadamente, nas questões práticas da viagem e na descrição da sua evolução, sem explorar devidamente os acontecimentos posteriores à suposta viagem.

Com pormenores muito divertidos, como o facto de Hans Pfaall ter fugido com a conivência dos seus credores que, não obstante o dinheiro que ele lhes devia e a perseguição que lhe fizeram e que motivou o seu desejo de fuga, o ajudam a preparar a viagem de balão (supostamente). Que Hans Pfaall tenha viajado com uma gata que durante a viagem decide parir uma ninhada torna tudo ainda mais surreal, embora o destino dos pobres gatinhos não seja propriamente risonho…

Um começo interessante para um autor que eu esperava que fosse soturno e melodramático.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Companhia das Letras chega a Portugal


O ano de 2015 promete grandes novidades editoriais e o anúncio, por parte da Penguin Random House Grupo Editorial, da entrada no mercado português da editora brasileira Companhia das Letras figurará sem dúvida entre as melhores notícias do ano.

Depois de no ano passado a Penguin Random House ter entrado no mercado editorial português através da aquisição de várias chancelas do grupo Santillana, entre as quais a Objectiva, a Alfaguara e a Suma de Letras, ao juntar a este grupo a Companhia das Letras fica claro o objectivo da Penguin Random House de se assumir como um dos grandes players nacionais na área da edição (o 4º grande grupo editorial nacional, quem sabe!).

A Companhia das Letras, uma consagrada editora brasileira que completa este ano o seu 30º aniversário, estrear-se-á em Portugal com “O Irmão Alemão”, o quinto romance de Chico Buarque, que contou com uma tiragem de 100 mil exemplares no Brasil. Para 2015 estão ainda previstas obras dos autores Fernanda Torres, Raphael Montes, Sérgio Rodrigues e dos clássicos Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. Mas não serão apenas os autores brasileiros e virem para este lado do Atlântico, sendo um dos objectivos levar para o Brasil alguns autores portugueses, nomeadamente João Tordo e o seu livro “Biografia Involuntária dos Amantes”, que chegará às livrarias brasileiras ainda neste ano.

Com 12 novidades planeadas para 2015, a Companhia das Letras posiciona-se em Portugal como uma editora de autores de língua portuguesa provenientes de diferentes latitudes, que deverá albergar Afonso Cruz, João Tordo e Ricardo Adolfo, autores que até ao momento integravam o catálogo da Alfaguara.

O programa da Companhia das Letras será apresentado em simultâneo com o novo romance de Chico Buarque já no próximo dia 12 de Fevereiro, às 21h30, na Fundação José Saramago. Resta-nos desejar as boas-vindas a esta nova editora e aguardar ansiosamente por novidades.

domingo, 25 de janeiro de 2015

A dependência dos livros - presentes de Natal


Se o Natal é quando um homem quiser, hoje parece-me o dia indicado para fazer um balanço dos presentes de Natal recebidos. Mais uma vez os meus queridos amigos foram extremosos e, entre outras coisas, agraciaram-me com este conjunto de livros. Algumas surpresas neste grupo: “O Homem que Plantava Árvores” de Jean Giono, de que nunca ouvira falar, e “O Prazer e o Tédio” de José Carlos Barros, que se pode dizer que veio parar às minhas mãos por um capricho do destino.

Muito interessante o facto de quase todos os meus amigos terem optado por literatura portuguesa recente, e ainda bem que o fizeram, porque “Que Importa a Fúria do Mar” de Ana Margarida de Carvalho e “O Meu Amante de Domingo” de Alexandra Lucas Coelho suscitaram-me imenso interesse e foi com muita alegria que os recebi. E “Os Meus Sentimentos” será mais um episódio na minha relação próxima com Dulce Maria Cardoso.


Para terminar, um pequeno mimo sob a forma de um livro antigo, que contém fábulas de La Fontaine traduzidas por alguns notáveis da literatura portuguesa, entre os quais Bocage, Curvo Semedo e Filinto Elísio.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Os 12 melhores livros de ficção em inglês do séc. XXI

O que aconteceu quando a BBC Culture perguntou a um grupo de prestigiados críticos literários quais os melhores livros publicados em inglês no século XXI? 6 vencedores do Pulitzer Prize for Fiction, 1 do The Man Booker Prize e 3 livros por editar em Portugal, estas são as escolhas dos críticos consultados, entre os quais Parul Sehgal do “The New York Times Book Review” e Lev Grossman da “Time”. Fiquem a conhecer a lista completa:

12º “Middlesex” de Jeffrey Eugenides (publicado em Portugal pela Dom Quixote)


11º “Dentes Brancos” de Zadie Smith (publicado em Portugal pela Dom Quixote)


10º “Meio Sol Amarelo” de Chimamanda Ngozi Adichie (publicado em Portugal pela ASA)


9º “Expiação” de Ian McEwan (publicado em Portugal pela Gradiva)


8º “Billy Lynn’s Long Halftime Walk” de Ben Fountain (não publicado em Portugal)


7º “A Visita do Brutamontes” de Jennifer Egan (publicado em Portugal pela Quetzal)


6º “A Liga da Chave Dourada” de Michael Chabon (publicado em Portugal pela Gradiva)


5º “Correcções” de Jonathan Franzen (publicado em Portugal pela Dom Quixote)


4º “Gilead” de Marilynne Robinson (não publicado em Portugal)


3º “Wolf Hall” de Hilary Mantel (publicado em Portugal pela Civilização)


2º “The Known World” de Edward P. James (não publicado em Portugal)


1º “A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao” de Junot Díaz (publicado em Portugal pela Porto Editora)



Quis o destino que eu ainda não tenha lido nenhum destes livros, embora 4 deles dividam o quarto comigo...

domingo, 18 de janeiro de 2015

Em estado crítico: "Os Escritores (Também) Têm Coisas a Dizer" de Carlos Vaz Marques


O que faz de alguém um bom entrevistador? Equilíbrio, equilíbrio, equilíbrio. O bom entrevistador conjuga de forma equilibrada elementos que parecem antagónicos mas que, quando usados com perícia, conseguem criar momentos inesquecíveis. O bom entrevistador está bem preparado, conhece bem o entrevistado e o tema, sabe que perguntas quer fazer. Mas um entrevistador controlador e rígido nunca vai além do interrogatório, não se criando o ambiente de descontracção e empatia necessários para que o entrevistado se sinta seduzido a partilhar. E por isso o entrevistador tem de ser também um bom ouvinte, estar disposto a embarcar na viagem com o entrevistado, a seguir por um caminho que surja na conversa, mesmo que o seu plano inicial não fosse esse. Mas sem tirar os olhos do ponto ao qual quer chegar, caso contrário a entrevista torna-se apenas numa conversa flutuante e pouco frutuosa.

Sendo empático e conciliador, é fundamental que o entrevistador seja também ousado, que não se deixe inibir pela pessoa que tem pela frente e perceba qual é a pergunta a que aquela pessoa não quer responder. Porque por vezes é necessário desafiar o entrevistado para que ele saia de trás da sua muralha e revele algo de genuíno. Mas para além de tudo isto, o que um bom entrevistador precisa é de um bom entrevistado, porque se há coisa dolorosa é ver alguém a fazer perguntas interessantes que a outra pessoa não tem capacidade de responder.

Felizmente em “Os Escritores (Também) Têm Coisas a Dizer”, editado pela Tinta-da-China e que compila doze entrevistas publicadas na revista “Ler”, temos o melhor de dois mundos: um excelente entrevistador, Carlos Vaz Marques, com excelentes entrevistados. Dificilmente se conseguiria criar um grupo de escritores portugueses mais significativo do que Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes (já falei o suficiente sobre a sua entrevista, portanto não vou voltar a fazê-lo, mas é uma entrevista interessante, apesar do entrevistado…), José Saramago, Eduardo Lourenço, António Tabucchi, Mia Couto, Valter Hugo Mãe, Mário de Carvalho, Gonçalo M. Tavares, Dulce Maria Cardoso, Manuel António Pina e Hélia Correia. Mas deste grupo há algumas entrevistas que se destacam.

Agustina é uma pessoa muito particular. Manuel António Pina na sua entrevista, uma das melhores deste conjunto em que é levantado um pouco o véu sobre os bastidores do mundo literário, inclui Agustina no grupo das estátuas da literatura portuguesa e o que ele quer dizer fica bastante claro quando ouvimos o que a escritora tem para dizer. Há em Agustina um carácter absoluto, com afirmações fortes que têm quase uma aura de lei. E é com um tom cândido e sereno que diz que J. K. Rowling não é a verdadeira autora de “Harry Potter”, tendo por trás um escritor-fantasma. E diz também que Stephen King tem um negro (escritor não identificado que escreve partes dos seus livros) e que ela consegue facilmente identificar as partes escritas por um e pelo outro.

No pólo oposto a Agustina temos um Eduardo Lourenço humilde que, após uma intensa insistência de Carlos Vaz Marques, acaba por confessar que nunca pensou escrever ficção ou poesia por se sentir inibido perante o talento dos escritores que admira. Lourenço prefere por isso falar de Pessoa, de Sá-Carneiro ou de Llansol, da grande poesia que considera que “nos oferece um mundo no qual a vivência deste se altera em cores e dimensões não sonhadas”.

A entrevista de Saramago surge no livro logo após a de Lobo Antunes. Uma escolha inocente? Não sei, mas a verdade é que é extremamente útil porque nos dá uma visão muito concreta das diferenças de postura dos dois escritores. Em Saramago nota-se a simplicidade de quem não se perde no auto-elogio, nem em ataques gratuitos a outros escritores. Diz-nos Saramago: “um livro é uma barca deitada ao mar, sem tripulação nem destino. Lança-se ao mar e depois logo se vê o que acontece. No meu caso, posso-lhe dizer que tive sorte. Sou uma pessoa que admite a importância do factor a que chamamos sorte, Ter aparecido no momento exacto. Talvez até com a obra exacta.”

Há duas entrevistas de que gosto particularmente. Uma delas é de Mia Couto, que fala sobre a importância de esquecer para escrever, uma vontade de olhar em frente e descobrir novos caminhos que é muito interessante. Mas mais do que isso, Mia Couto apresenta-nos a perspectiva de um branco com pais portugueses no processo de independência de Moçambique, a desconfiança com que era tratado mesmo assumindo-se como apoiante do movimento. E há também a descrição da sua visita à casa em que viveu em criança, o encontro com um homem com parecenças incríveis com a personagem principal de Jesusalém e a surpresa de muitos ao perceberem que ele não é uma mulher negra.

E depois há Valter Hugo Mãe e uma das entrevistas mais sui generis que alguma vez leremos de autores portugueses. Há um despudor que às vezes é quase incómodo. A forma como Valter Hugo Mãe cresceu com a consciência da morte do seu irmão, a ideia de que morreria a primeira vez que alguém lhe dissesse que o amava, a necessidade catártica que teve de se fotografar nu para lidar com o desnudamento emocional na sua poesia, o descaramento com que diz desejar fazer amor com os ossos de Camões por se sentir tão excitado com o seu talento. Eu, que até então tinha bastantes reservas em ler os seus livros, fiquei com muita vontade de fazê-lo.

Carlos Vaz Marques proporciona-nos nestas doze entrevistas uma viagem pelas paisagens íntimas de figuras incontornáveis da literatura portuguesa, dando ao nome nas capas dos livros uma voz, uma fisionomia psicológica que nos revela pistas sobre aquilo que lemos. Um livro para ler, reler e reflectir.

Classificação: 19/20 

domingo, 11 de janeiro de 2015

Livros do Brasil no Grupo Porto Editora: uma boa notícia?


Por muito que os puristas da literatura vos tentem convencer do contrário, é claro que é uma boa notícia. E perguntam-me: “mas termos editoras independentes não é preferível a ter 3 ou 4 grandes grupos?”. Sim, é bom termos editoras independentes. Era bom podermos ter uma Livros do Brasil independente, mas a questão não é essa. As opções que estavam em cima da mesa não eram que esta editora fosse independente ou integrada num grupo, a alternativa era não existir e é bom que tenhamos isso bem presente. E entre viver sem a Livros do Brasil ou vê-la no Grupo Porto Editora, eu prefiro a última opção.

E acho honestamente que a Porto Editora merece uma palavra de apreço por parte dos leitores porque tem feito um claro esforço de investimento na chamada grande literatura e muito facilmente podia seguir o caminho de investir em romances rascas vendidos em saquinhos de tecidos ordinários. E não o fez. Tem apostado em escritores de renome. Tem juntado ao grupo editoras de prestígio, com catálogos que muita falta fazem nas nossas livrarias. E que bom será ver de novo nos escaparates as edições da Livros do Brasil, que há cerca de 2 anos não editava nada!

Para já a recuperação da Livros do Brasil assentará em 3 eixos: a mítica colecção Dois Mundos, uma das melhores e mais extensas que já foram publicadas em Portugal; a não menos emblemática colecção Vampiro, com mais de 680 títulos dedicados ao policial e suspense; e as Obras de Eça de Queiroz. O relançamento destas obras é acompanhado de um novo tratamento gráfico que lhes restituirá a dignidade que merecem.

Espera-se que nos próximos meses cheguem às livrarias:

“A Condição Humana” de André Malraux
 “A Pérola”, “As Vinhas da Ira” e “O Inverno do Nosso Descontentamento” de Steinbeck
“O Adeus às Armas” e “Paris é uma Festa” de Hemingway
“Música para Camaleões” de Truman Capote
“Mrs Dalloway” de Virginia Woolf

Como não ficar contente perante uma lista destas?

domingo, 4 de janeiro de 2015

10 resoluções literárias para 2015


As resoluções pedem para não serem cumpridas. Há algo de tentador em falhar com algo que nos comprometemos só porque nos apetece, sem sofrer consequências. E como não podia deixar de ser, dos 10 livros que me predispus a ler em 2014 alguns ficaram por sê-lo porque, por várias razões, foram surgindo outros cuja leitura se impunha como mais urgente. Coisas da vida. Este ano prefiro por isso compromissos de leitura menos concretos e quero que faça parte das minhas resoluções a compra de alguns livros, actividade a que dedico parte significativa do meu tempo.

Perante vós, contando com a vossa benevolência em caso de falha, aqui ficam as minhas resoluções literárias para 2015:
  1. Ler o “Toda a Mafalda
  2. Ler um livro do Saul Bellow pela 1ª vez (no passado já li um conto)
  3. Comprar o “Dobra” da poeta Adília Lopes, figura que já há algum tempo me fascina
  4. Ler o “Todos os Contos” do Edgar Allan Poe
  5. Voltar a ler semanalmente um conto da Granta portuguesa
  6. Comprar o "O Medo” do Al Berto
  7. Reler o “Cem Anos de Solidão” do Gabriel García Márquez e ler outros livros do autor
  8. Assinar a revista “Ler
  9. Comprar o “Os Irmãos Karamázov” do Dostoievski
  10.  Ler mais livros de Somerset Maugham


quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Os 5 melhores livros que li em 2014

Feliz 2015! Muitos e bons livros é aquilo que vos desejo para o novo ano, porque assim, mesmo que haja momentos menos bons (não haverá certamente!), terão uma boa companhia que vos ajudará a ultrapassá-los.

E que melhor forma de começar um ano do que olhando para o anterior e fazendo um balanço? Pois bem, de 2014 pode-se dizer algo que se aplica a todos os anos: gostava de ter lido mais! Mas infelizmente entre nós e os livros há o quotidiano que faz com que apenas tenhamos 1 hora por dia, muitas vezes menos, para dedicar àquilo de que mais gostamos. Mas apesar de tudo, foi um ano interessante em termos de leituras. Arrependimentos? Ainda não foi o ano do meu encontro com a poesia, mas talvez esse ano nunca vá acontecer…

2014 foi o ano em que li Cortázar pela primeira vez. Foi o ano em que aprofundei o meu conhecimento da obra de Marguerite Duras. Foi o ano em que descobri que não gostava de Beckett (conclusão que me parece que será reafirmada em 2015). Foi o ano em que iniciei uma relação que se adivinha longa e frutuosa com Patrick Modiano. Foi o ano em que completei a Trilogia do Cairo de Naguib Mahfouz, comprei o “Toda a Mafalda”, a poesia e os contos completos do Miguel Torga, a Trilogia USA do John dos Passos, o “The Wonderful Wizard of Oz” de L. Frank Baum, o “Sinfonia Pastoral” do André Gide e o “São Paulo” do Teixeira de Pascoaes. Foi o ano em que recebi o “Todos os Contos” do Edgar Allan Poe, o “Manual de Pintura e Caligrafia” do Saramago, o “As I Lay Dying” do Faulkner e o “Jacques, O Fatalista” do Diderot. Enfim, foi um ano cheio de literatura.

Como sabem, não foco as minhas leituras nos livros que vão saindo durante o ano, porque acho que essa noção de temporalidade não faz sentido associada à literatura e o bom leitor tem de se encher de passado. Só conhecendo os grande autores podemos estar prontos para receber os novos. Assim sendo, ser-me-ia impossível fazer uma lista dos melhores livros publicados em 2014, pelo que o que vos proponho é um top dos 5 melhores livros que li no ano que passou.


“Os Escritores (Também) Têm Coisas a Dizer” de Carlos Vaz Marques, Tinta-da-China



A entrevista é um género difícil, porque exige um equilíbrio entre controlo e improviso por parte do entrevistador muito difícil de conseguir. As entrevistas de Carlos Vaz Marques são momentos de deleite em que o véu que cobre os escritores é retirado, revelando-nos o que se esconde por trás, a essência daqueles que nos guiam com as suas palavras. 12 entrevistas incontornáveis de 12 das figuras mais importantes da literatura portuguesa dos últimos anos.


“Tudo São Histórias de Amor” de Dulce Maria Cardoso, Tinta-da-China



“Dulce Maria Cardoso revela-nos em doze contos as verdades dos amores, verdades que muitas vezes não queremos ver, que tentamos conscientemente ignorar mas que, na por vezes cruel honestidade das palavras, somos obrigados a reconhecer. Esses amores podem tanto ser o amor de um criminoso pelos livros, como em A Biblioteca, e o eterno debate que levanta sobre a arte enquanto redenção (perspectiva que tanto apoquenta George Steiner – como podiam os dirigentes nazis, responsáveis por tantas atrocidades, apreciar boa arte, ter a sensibilidade necessária para a conseguirem apreciar?), como o amor por algo que não nos pertence, pelo desejo de que seja nosso, pela inveja, tal como acontece em Este Azul que Nos Cerca.”



3º “Uma Barragem Contra o Pacífico” de Marguerite Duras, Difel



““Uma Barragem Contra o Pacífico” apresenta-nos uma Duras disciplinada, seguindo um modelo mais tradicional de romance, num estilo que, possuindo já os motivos que caracterizariam toda a sua obra, não se encontrava ainda completamente formado. Mas a capacidade de evocar imagens poéticas e de chocar pela profundidade honesta dos sentimentos revela uma escritora com uma capacidade única: a de criar uma história que nos incomoda, nos faz sair do nosso centro e que gera entre nós e as personagens, mesmo aquelas que não nos são muito simpáticas, um elo de compreensão. Um romance maior do séc. XX.”



“O Jogo do Mundo (Rayuela)” de Julio Cortázar, Cavalo de Ferro



“Lemos livros. Muitos livros. De alguns só nos lembramos do título. De outros lembramo-nos como se os tivéssemos acabado de ler. Muitas vezes esquecemo-nos de quando os lemos, dos caminhos que percorremos com eles nas mãos, do ponto em que nos encontrávamos nas nossas vidas quando abrimos as suas primeiras páginas. Mas nunca poderemos esquecer os dias vividos ao lado de “O Jogo do Mundo (Rayuela)”, editado em Portugal pela Cavalo de Ferro, da descoberta de uma nova forma de ler, diferente de tudo, percorrendo um caminho projectado por Julio Cortázar sem que ele próprio soubesse ao certo a que destino nos faria chegar.”



“O Evangelho Segundo Jesus Cristo” de José Saramago, Caminho



“Saramago restituiu a Maria e a Jesus a sua dignidade enquanto seres humanos e apresenta-nos um Evangelho escrito pela perspectiva de Jesus, não porque ele o narre, mas porque são os seus interesses que estão no centro da história e não a caprichosa vontade divina.

Saramago realiza na escrita deste livro um acto de enorme coragem, não só pelo quão herético é tudo o de nos apresenta (segundo as crenças da Igreja), mas por agarrar na mais conhecida história do mundo cristão e ousar recriá-la como se usasse as mesmas notas, mas produzisse uma música diferente, com laivos enevoados da original.“

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