Personagens
que em pouco mais de 20 páginas ganham vida própria, são movidas por vontades,
têm carne e osso, não sendo meras criações unidimensionais de um escritor que
lhes indica o caminho que vão percorrer. As personagens de Pamuk andam pelos
seus pés, e o escritor acompanha-as, registando os seus percursos, eternizando
na escrita as suas vidas. E é essa a magia de um conto no qual não acontece
nada de notável, mas que no pulsar dos pequenos momentos inscreve no leitor
impressões profundas.
Através
de Pamuk ficamos a conhecer a história de dois irmãos que, noutros tempos mais
simples, se entretinham a brincar com cromos de pessoas famosas que saíam nas
pastilhas elásticas. Entre os jogos do “Cima ou Baixo”, que lhes permitiam ir
trocando cromos, há uma tragédia familiar que se vai discretamente
desenrolando: o pai das crianças parece ter abandonado a família. Ali, um dos
irmãos, pelos olhos de quem vemos a história, estando consciente da ausência
do pai, como criança que é, está mais preocupado em desafiar o irmão e completar a sua colecção de cromos. E enquanto a mãe sofre com a partida do
marido, Ali sofre com a perda dos seus cromos para o irmão.
Esta foi
a minha primeira leitura de Orhan Pamuk, Prémio Nobel da Literatura, e não
poderia ter ficado com uma melhor impressão. Mais do que procurar cenários
novos, Pamuk apresenta-nos o que nos é familiar, mas sobre um novo ponto de
vista. Sem grandes artifícios. Sem esforço para surpreender. Apenas partilhando vivências. Um autor a descobrir.