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quinta-feira, 23 de abril de 2015

Guia de promoções do Dia Mundial do Livro


Por iniciativa da UNESCO, tendo por objectivo a promoção da leitura, foi criado em 1995 o Dia Mundial do Livro, que decorre a 23 de Abril. A escolha deste dia prende-se com o facto de ter uma forte carga simbólica no mundo literário, sendo por exemplo o dia em que Shakespeare e Cervantes morreram.

Todos os anos as editoras e livrarias reservam então para 23 de Abril algumas promoções e iniciativas. 2015 não é excepção e deixo-vos com algumas sugestões para comemorarem o Dia Mundial do Livro da melhor forma - a comprar livros.

Wook

A proposta da melhor livraria online portuguesa é simples: 48 horas de compras em que 25% do valor gasto (excepto em ebooks, livros técnicos e escolares) será posteriormente devolvido no Plano Poupança Leitura, uma espécie de conta-corrente atribuída aos clientes registados no site da Wook que permite aceder a vales de desconto em futuras compras. As compras com valores superiores a 14€ poderão ainda usufruir de portes grátis.

Bertrand

A proposta da Bertrand é um pouco diferente: para além de promoções de 20% a 50% em cartão em todos os livros, nos dias 23 e 24 de Abril, foi ainda definida uma listagem de editoras e na compra de qualquer livro dessas editoras, entre os dias 22 e 26 de Abril, recebe-se de oferta outro da mesma editora seleccionado aleatoriamente. Parece excelente, não parece? Pena é que a listagem de editoras não é propriamente a melhor do mundo, mas felizmente inclui a Tinta-da-China, a Presença, a Alfaguara e a Companhia das Letras.

Leya

No site leyaonline.com há pelo menos 10% de desconto em livros comprados no dia 23 de Abril e portes grátis para encomendas acima dos 10€. Para além disso, há ainda uma selecção de mais de 1500 ebooks com 50% de desconto.

Almedina

20% de desconto imediato em todos os livros comprados no dia 23 de Abril, é esta a oferta da Almedina. Simples, não é?

Relógio D’Água

Sem grandes propostas de editoras para este dia (pelo menos até ao momento em que escrevo este post), a Relógio D'Água antecipou-se e revelou o seu lado generoso: entre 23 e 30 Abril oferece 30% de desconto numa lista de 10 livros encomendados no seu site, com portes gratuitos para encomendas acima dos 10€. E se pensam que os 10 livros em causa são obras menores que despertam pouco interesse, estão bem enganados! Ora vejam:

“O Amor de Uma Boa Mulher” de Alice Munro
“Rei, Dama, Valete” de Vladimir Nabokov
“Pnin” de Vladimir Nabokov
”O Grande Gatsby” de F. Scott Fitzgerald
”O Monte dos Vendavais” de Emily Brontë
“As Partículas Elementares” de Michel Houellebecq
“É assim Que A Perdes” de Junot Díaz
“Os Irmãos Karamázov” de Fiódor Dostoievski
“O Jogador” de Fiódor Dostoievski
“A Morte de Ivan Iliitch” de Lev Tolstói


Boas compras e um feliz Dia Mundial do Livro para todos!

sexta-feira, 17 de abril de 2015

1 ano sem Gabriel García Márquez

 

A 3 de Abril de 2014, na Fundação José Saramago, teve lugar o lançamento de “Biografia Involuntária dos Amantes” de João Tordo. O ambiente estava leve e descontraído até Pilar de Río ter sido avistada entre o público e mencionada por um dos oradores. Pilar aproveitou a oportunidade para dirigir ao público algumas palavras e gerou grande agitação quando nos informou que García Márquez fora hospitalizado e se preparava para morrer, desejando-lhe uma boa travessia. Gabriel García Márquez não morreu no dia 3 de Abril, na verdade nem no dia 4, nem no dia 10 sequer, e à medida que os dias se sucediam e nada acontecia, não pude resistir a algumas piadas inspiradas na ironia de uma viúva de um homem idoso, que foi dado como certamente morto várias vezes antes de ter morrido de facto, se ter apressado a decretar a morte de outro escritor...

No dia 17 Abril aconteceu por fim o momento temido e García Márquez morreu. Há exactamente 1 ano. Na altura não era um autor que me fosse particularmente próximo. Li “Cem Anos de Solidão” há alguns anos, ainda bastante novo, e tendo gostado muito, parece-me que a falta de maturidade enquanto leitor me impediu de vivenciar o livro em toda a sua complexidade. Fui adiando nos anos seguintes um regresso a García Márquez, mas no início deste ano decidi que era tempo de tirar a prova dos nove e avançar destemidamente para leitura de dois dos seus mais notáveis livros, “O Amor nos Tempos de Cólera” e “Crónica de uma Morte Anunciada”, e de honrar “Cem Anos de Solidão” com uma merecida releitura.

Curiosamente, embora “Cem Anos de Solidão” seja o livro central da obra de García Márquez, “O Amor nos Tempos de Cólera” era o livro que acreditava ser o mais significativo e aquele que permaneceria como testemunho das suas capacidades enquanto escritor. Teria Gabriel García Márquez razão, e meio mundo apaixonou-se pelo livro errado? É “O Amor nos Tempos de Cólera” um livro melhor do que “Cem Anos de Solidão”? Ficarão a conhecer a minha opinião em breve.


Um continente chamado Aracataca


Para García Márquez tudo começou na casa dos seus avós em Aracataca. A mágica casa habitada por múltiplas figuras femininas e pelo imponente avô. Uma casa em que a magia era um elemento quotidiano, uma presença constante nas histórias que as mulheres da casa lhe contavam, uma ameaça nas figuras fantasmagóricas dos santos em tamanho real iluminados por velas no quarto em que dormia.

Foi a esse mundo primordial, em que os limites do real eram continuamente testados, que Gabriel García Márquez foi buscar a inspiração para os seus livros. Numa entrevista concedida à Paris Review em 1981, pouco tempo antes de vencer o Nobel da Literatura, García Márquez dizia: “diverte-me sempre que o maior elogio ao meu trabalho seja pela imaginação, quando a verdade é que não há na minha obra uma única linha cuja base não tenha sido a realidade. O problema é que a realidade Caribenha se parece com a mais intensa imaginação.”

Mas essa realidade atípica tem uma certa carga de maldição e, na Nobel Lecture que proferiu quando recebeu a mais alta distinção do mundo literário, García Márquez não pôde deixar de realçar que “poetas e pedintes, músicos e profetas, guerreiros e canalhas, todas as criaturas dessa realidade incontrolável, não necessitamos de muita imaginação, pois o nosso problema crucial tem sido uma falta de meios convencionais para tornar a nossa vida convincente.”

Com um inegável talento de narração, García Márquez converteu a imaginação que o rodeava numa obra literária lida e elogiada em todo o mundo, assegurando um lugar para o seu nome entre os maiores escritores de todos os tempos. E para comemorar a sua obra, nos próximos dias vou falar-vos dos três livros do autor que li recentemente. Quem me acompanha nesta viagem?

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

80 livros a 1€ pelos 80 anos da Penguin Classics


A colecção Little Black Classics foi a escolhida pela Penguin Classics para celebrar os seus 80 anos, disponibilizando ao público 80 títulos a 80 pence cada (aproximadamente 1€). E porque sem diversão não há comemoração na verdadeira acepção do termo, foi criado um site especialmente para esta ocasião, com uma espécie de bússola com 80 divisões e um pinguim que, quando é colocado sobre cada uma, revela um dos títulos incluídos nesta promoção.

Para já, os livros estão disponíveis para pré-encomenda no site da Foyles e da Amazon, com a chegada às livrarias prevista para 26 de Fevereiro. Aproveitem os vossos contactos em Inglaterra e esquivem-se aos portes de envio que neste caso devem ser mais caros que os próprios livros!

Querem saber alguns dos livros que podem comprar?

“A Modest Proposal” de Jonathan Swift
“On the Beach at Night Alone” de Walt Whitman
“Femme Fatale” de Guy de Maupassant
“Caligula” de Suetonius
“Jason and Medea” de Apollonius of Rhodes
“The Gate of the Hundred Sorrows” de Rudyard Kipling
“The Great Winglebury Duel” de Charles Dickens
“The Beautiful Cassandra” de Jane Austen
“The Maldive Shark” de Herman Melville
“The Atheist’s Mass” de Honoré de Balzac
“Antigone” de Sophocles
“Lord Arthur Savile’s Crime » de Oscar Wilde
“The Night is Darkening Round Me” de Emily Brontë

sábado, 23 de agosto de 2014

Discurso Directo: Julio Cortázar, o sentimental

Em 1994, passados 10 anos da morte de Julio Cortázar, Tristán Bauer homenageou o escritor com “Cortázar”, um documentário concebido como se fosse um livro de Cortázar, com múltiplos recortes que se sobrepõem na esperança de chegar a uma realidade última, um sentido para lá do sentido racional das coisas.

Excertos de entrevistas, gravações áudio feitas pelo próprio Cortázar, leituras de textos seus e até tangos que ajudou a criar, compõem esta pequena mas profunda viagem que humaniza alguém que de outra forma seria apenas palavras escritas em papéis reunidos em livro.






“A minha obra foi feita na solidão. Foi feita na pobreza. Foi feita sem o menor apoio editorial e quando os editores despertaram para os meus livros, os de Fuentes, os de García Márquez, os de Vargas Llosa, despertaram porque as precárias e difíceis primeiras edições haviam sido bruscamente lidas por uma grande quantidades de pessoas, que as passou de mãos em mãos. E os editores, que não são tontos e que existem para ganhar dinheiro, compreenderam perfeitamente que tinham de editar esses escritores. Eles não nos inventaram. Nós escreveos sós.” – Julio Cortázar

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O Centenário de Julio Cortázar


“Acreditar que a acção podia preencher ou que o somatório das acções podia realmente equivaler a uma vida digna desse nome era uma visão moralista. Valia mais renunciar, porque a renúncia à acção era o próprio protesto e não a sua máscara.”

Julio Cortázar in "Rayuela" 


Em 1914, cerca de um mês depois da 1ª Guerra Mundial ter começado, nascia Julio Cortázar, perto de Bruxelas e longe da sua Argentina. Na verdade passaria parte significativa da sua vida longe do país a que chamava casa, tendo vivido em Paris desde 1951 até ao final da sua vida, em 1984.

Cortázar é um dos nomes cimeiros da literatura internacional do século XX, integrando nas suas obras um paradigma de literatura que sintetiza uma das principais características da sociedade actual: questionar, acima de tudo questionar. Cortázar questiona a forma, questiona o leitor, questiona os limites entre realidade e ficção, questiona os limites entre as diferentes ficções dentro das suas ficções. Ao lê-lo sentimos muitas vezes que vemos uma imagem dentro da imagem, mas não nos é claro qual é a imagem primordial. A obra de Cortázar é uma obra de descoberta, de um inteligente impacto emocional, porque Cortázar não caiu na armadilha de transformar a sua obra em teórica e distante do leitor.

Apesar da sua influência, Cortázar não é um nome devidamente reconhecido pelo grande público e muito menos o é em Portugal. Aproveitando o centenário do seu nascimento, que se comemorará no próximo dia 26, vou fazer uma série de posts sobre este autor, que culminará com uma crítica a “Rayuela”, a obra-prima de Cortázar.

E celebrar Cortázar em Portugal é sinónimo de celebrar o trabalho da Cavalo de Ferro, que se tem empenhado em publicar no nosso país a obra do autor, tendo este ano chegado às livrarias “Gostamos Tanto da Glenda” e “As Armas Secretas”. Até ao momento a Cavalo de Ferro publicou de Cortázar em Portugal:

 

Deixo-vos uma sugestão: a Fundação José Saramago dedica a edição deste mês da sua revista digital, a Blimunda, a Cortázar. Para terem acesso ao download da revista basta clicarem na imagem.


Espero-vos então nos próximos dias com a minha visão sobre Cortázar. Fiquem para já com as palavras de Pablo Neruda:

“Canta Cortázar su novena de imponente sombra argentina, en su iglesia de desterrado, y es difícil para los muchos el espejo de este lenguaje, que se pasea por los días cargado de besos veloces, escurriéndose como peces para brillar sin fin, sin par, en Cortázar, el pescador que pesca escalofríos”

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O Dia Mundial do Livro em Portugal



23 de Abril é uma data marcante no mundo literário. Shakespeare e Cervantes morreram a 23 de Abril de 1616. Também a 23 de Abril, mas de 1899, Nabokov nascia e, 3 anos depois, nesse mesmo dia, nascia o prémio Nobel Halldór Laxness. Mais perto dos nossos dias, em 1981, Josep Pla, o prestigiado autor catalão, morreria, pasme-se, também a 23 de Abril. Autores do mundo, cuidado com este dia! Fechem-se nos vossos quartos a dormir e voltem apenas ao mundo no dia 24, não vá o diabo tecê-las...

Sendo 23 de Abril um íman de acontecimentos relevantes na área da literatura, a UNESCO, em 1995, decidiu estabelecê-lo como o Dia Mundial do Livro, com o intuito de criar acções de promoção da leitura. E Portugal não é excepção nestas comemorações, com várias iniciativas que prometem um dia agitado para os leitores mais atentos. Já decidiram como vão celebrar o dia? Aqui ficam algumas opções.


Fundação José Saramago

Inauguração da exposição de desenhos de Rogério Ribeiro inspirados em “O Ano de 1993” de José Saramago.



Mariposa Azual

Todos os livros com 50% de desconto, é a promessa desta editora independente de cujo catálogo se destacam as obras “Groto Sato” de Raquel Nobre Guerra (Prémio Primeira Obra na última edição dos prémios PEN Clube Português) e “Obra” de Adília Lopes (que reúne 15 livros da poetisa, com gravuras de Paula Rego).


Wook

A maior (e melhor) livraria online portuguesa presenteia os clientes com 25% de desconto em encomendas (20% de desconto directo + 5% acumulado na Plano Poupança Leitura, para utilizar numa compra futura). São abrangidos pela promoção todos os livros, excepto eBooks, livros escolares e técnicos, encomendados no dia 23 de Abril e pagos até ao dia 25 de Abril, sendo também os portes gratuitos para Portugal Continental (30% de desconto nos portes de envio para os Açores e Madeira).


Bertrand

Mais de 1000 livros espalhados pelo país. Onde exactamente? Mistério…



Leya


Um prato cheio, é o que a Leya tem para oferecer aos seus leitores neste dia. Ora vejam bem: entre as 11h e as 15h a equipa editorial do grupo andará pelas livrarias Bulhosa, Almedina e El Corte Inglês, de Lisboa e Oeiras, a prestar aconselhamento aos leitores; nas livrarias Leya e parceiras, na compra de livros recebe-se de oferta “Geração X” de Douglas Coupland e, entre as 18h e as 19h há a Hora Leya, com descontos até 45%; há ainda cartoonistas a fazerem caricaturas de clientes, montras concebidas por escritores e várias sessões de autógrafos, numa sucessão de acontecimentos capaz de deixar sem fôlego o mais energético dos seres. Podem consultar aqui todas as actividades.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O medo do esquecimento: o centenário de Marguerite Duras


Duras. Um mito construído sobre os escombros de uma infância infeliz na Indochina. Uma das figuras de proa de cultura francesa e europeia do século XX. Uma mulher feroz, corajosa, habituada a chocar, a lutar por si e por aquilo em que acredita. Um desejo sexual lancinante, que celebra a sua condição de mulher, que a conduz de homem em homem à procura de uma plenitude amorosa que talvez nunca tenha encontrado. À procura do seu irmão Paul, do seu adorado irmão Paul, que tão cedo a deixou e que será sempre o homem da sua vida. Mas acima de tudo, a vida de Marguerite Duras será sempre uma libertação da sua mãe, do amor absoluto que tem por ela e do ódio dilacerante que sente por nunca ter sido correspondida. A mãe. Sempre a mãe em Duras.

Tudo o que Duras foi, tudo o que escreveu, tudo o que sentiu, tudo tem origem na Indochina, a terra em que nasceu há 100 anos e onde viveu até quase à idade adulta, num estatuto ambíguo de membro da raça privilegiada mas pobre. Nessa altura Marguerite Duras era ainda Marguerite Donnadieu, a filha mais nova de um casal de viúvos que voltara a casar. Os primeiros anos de Marguerite são marcados por acontecimentos que afectarão a sua vida de forma profunda: a morte do pai e a dinâmica com a mãe e com os seus dois irmãos, particularmente com o mais velho, o irmão que apelidaria de assassino e criminoso, e que a aterrorizaria, a ela e a Paul, durante toda a infância. O amor incondicional da mãe pelo filho mais velho, o seu filho, aquele que sente despudoradamente como mais seu, cria feridas em Duras que nunca cicatrizariam.

É também em muito nova que, de acordo com o testemunho de alguns amigos próximos a quem terá revelado o caso, teve a sua primeira experiência sexual, aos cinco anos, com um rapaz vietnamita de cerca de dez anos. E esse acontecimento é de grande importância. A experiência não é consensual, não que tenha sido também forçada, é sobretudo uma experiência inconsciente da parte dela que em tão tenra idade não consegue compreender o que se passava. Mas há uma noção de proibido que fica sempre consigo. Se uma experiência sexual naquela idade é por si só um facto relevante e gerador de traumas, o facto de ter sido com um vietnamita, algo mal-visto pela sociedade colonialista, foi agravando esse peso.

A sexualidade de Marguerite tornar-se-á consciente depois do período que mitologicamente ficaria conhecido como “as barragens”, referindo-se à trágica compra de uma concessão pela sua mãe de uma terra que se revelaria incultivável, invadida durante grande parte do ano pela água do mar. A devastação dessa experiência ficaria para sempre eternizada em “Uma Barragem Contra o Pacífico”, retomada depois, de forma mais pessoal ainda, em “O Amante”. A situação económica da família atinge um ponto de ruptura nesta fase, gastas que foram as suas economias na concessão e na tentativa desesperada de edificar barragens que impedissem o avanço das águas. Condenados a um estado de quase profunda miséria, Marguerite percebe que o interesse que suscita nos homens pode ser uma arma a favor de toda a sua família, empenhando-se na procura de um homem rico que, em troca de jogos de sedução, lhe dê dinheiro. Assim começa Marguerite a traçar o caminho que a levará ao romance com o amante chinês milionário, que tão fortemente a marcará. E nesse caminho Marguerite Donnadieu converte-se em Duras, na essência de Duras, que se viria a materializar na adopção do nome aquando do início da sua carreira literária. Duras, o nome da terra de seu pai, o pai que quase não conheceu, o primeiro homem inalcançável da vida de Duras.

Por fim, quando o hipotético casamento com o amante chinês se torna definitivamente numa impossibilidade, Marguerite parte para França. Voltará pouco tempo depois à Indochina, para terminar os estudos, e depois volta a partir para nunca mais voltar, libertando-se finalmente da loucura da sua mãe, do seu desespero torrencial, da distância intransponível que as separe. Duras parte para viver. Uma vida que testemunha os grandes acontecimentos do século, com um papel bastante activo na Resistência Francesa durante a ocupação nazi, que valeria ao seu marido Robert Antelme a deportação para o campo de concentração de Dachau, onde seria encontrado, já após a libertação, por François Miterrand, uma figura muito próxima de Duras e de Antelme na altura e que era o líder do grupo de resistentes a que pertenciam.

A vida de Duras será sempre marcada por relações amorosas tumultuosas. O seu casamento com Antelme era sobretudo um pacto de amigos antes da Guerra, uma comunhão de espíritos acima de tudo. Antelme terá a sua amante e Duras terá também o seu, Dionys Mascolo, que desenvolverá com o casal uma relação de grande intimidade, sendo o melhor amigo de Antelme, o amigo que o irá buscar a Dachau e que lhe salvará a vida. Mas acima de tudo, Dionys Mascolo será o pai do filho de Duras.

Já na velhice Duras chocará o mundo com o seu romance com Yann Andréa, quase 40 anos mais jovem que ela, e que será o seu companheiro nos seus últimos anos de vida.


A escrita de Duras



As obras de Duras são dotadas de um sentido poético pungente, com ambientes criados de forma cinematográfica que evocam sentimentos. Mais do que uma sucessão de acontecimentos, os livros de Duras centram-se em estados de espírito, viagens emocionais que exigem um compromisso por parte do leitor, uma entrega compatível com o desnudar emocional da autora.

A separação entre ficção e realidade é um exercício muito difícil em Duras, que alimenta a escrita da sua vida, das suas percepções, das suas próprias emoções. Não há distanciamento na obra de Duras, que com os anos vai criando uma mitologia em seu torno, alimentada pela realidade ficcionada dos seus livros.

Há sempre figuras femininas marcantes nos livros de Duras. São por norma mulheres que desafiam as convenções, de uma grande força face à adversidade mas de uma enorme fraqueza face à tentação, e por tentação entenda-se desejo sexual. O amor é em Duras uma força destrutiva, uma procura errante por um ideal representada em “O Marinheiro de Gibraltar” ou um sentimento proibido entre pessoas de mundos incompatíveis, como em “Hiroshima Meu Amor”.

Há outros temas recorrentes na sua obra: a mãe dominadora e louca, os irmãos e os sentimentos incestuosos, os judeus e a guerra. Se Duras tem algo por explorar emocionalmente depois da Indochina, a ocupação alemã dar-lhe-á as vivências que lhe faltam. A prisão de Antelme, o tempo sem notícias dele, o envolvimento com um suposto colaborador da Gestapo para obter informações, o profundo desejo de vingança após a libertação e o choque do reencontro com Antelme, com a experiência de Antelme em Dachau, serão matéria-prima inesgotável para a sua escrita, que com o tempo se adensa.

Duras escreve como quem revela um pecado, num tom confessional guiado por uma corrente de consciência que subverte a noção de tempo e de espaço. O exemplo máximo desse estilo será “O Amante”, que lhe valerá em 1984 o Prémio Goncourt, já bastante afastado do estilo fortemente marcado pela influência americana, particularmente de Faulkner, nas suas primeiras obras.


Marguerite Duras na minha vida


A escrita de Duras pertence-me. Sinto-a como minha. É um sentimento mais profundo do que admirar o talento de alguém, é sentir, ao lê-la, que as suas palavras evocam a minha voz, que são uma manifestação do meu ideal de escrita. Há outros escritores que me dizem muito, mas nenhum que me centre tão em mim próprio como Duras.

Duras foi sempre um nome familiar. Não sei quando o ouvi pela primeira vez, mas parece-me que desde sempre este nome me soou a algo familiar. Mas o meu primeiro contacto consciente com a sua obra deu-se algures no final dos anos 90, quando vi “O Amante” pela primeira vez, era então ainda um adolescente. O filme, venerado na Europa e considerado um filme erótico ao nível dos da Playboy nos EUA, tocou-me de forma inesperada. Recordo-me das últimas cenas do filme como se as tivesse visto agora mesmo. A rapariga no barco, como na primeira vez que encontra o amante, a afastar-se lentamente da Indochina, partindo para França. No cais, ao longe, vê-se o carro do amante. Nunca se vê o amante. Apenas o carro. Aquela evocação estática da sua presença é de uma beleza dilacerante. O sentimento de perda domina tudo à medida que aquele último avistamento torna claro que aquela relação não foi um mero jogo sexual, que houve sentimentos profundos que os uniram.

Passariam alguns anos até que eu lesse o livro, o que aconteceria em 2008, nessa altura a versão da Biblioteca Sábado. Li a primeira página e foi como se naquele momento algo em mim que mudasse. Quem lê “O Amante” nunca esquece as primeiras frases, um começo que nos diz tudo, que alberga em si a essência de Duras. Comecei a comprar avidamente livros de Marguerite Duras, mas só há dois anos a voltei a ler, embora tenha relido “O Amante” várias vezes. Li então “O Marinheiro de Gibraltar” que foi até agora o que menos me marcou. Há muitos pontos de interesse no livro, as personagens e a história são interessantíssimas, mas há algo que falha, na fase final, que deixa uma impressão de obra inacabada ou terminada à pressa.

Li recentemente mais dois livros de Duras, “Uma Barragem Contra o Pacífico” e “Hiroshima Meu Amor”, que reafirmaram a sua importância na minha vida. Não sinto pressa de ler tudo dela, quero saborear os livros que me faltam à medida que o tempo passar, redescobrindo-a em diferentes fases da minha vida. O que me leva á questão final: os livros de Marguerite Duras em Portugal.


Portugal esqueceu Duras?


As editoras portuguesas esqueceram-na, sem dúvida. Desde que a Difel, que tinha a quase totalidade da sua obra publicada, se eclipsou, é difícil encontrar os livros de Duras. Durante alguns anos nem “O Amante” se conseguia comprar, tendo vindo em boa hora a edição da ASA Vintage. Há também vários livros de Marguerite Duras editados pela Livros do Brasil, mas cada vez se encontram menos nas livrarias.

O que resta então? Pouca coisa e tudo disperso por várias editoras: 
Relógio D’Água: “Agatha” e “O Navio Night
Estampa:“A Doença da Morte
Europa-América: “A Tarde do Sr. Andesmas” e “A Amante Inglesa
Dom Quixote: “O Marinheiro de Gibraltar
Casa das Letras: “Estação dos Correios da Rua Dupin
Presença: “O Amor
Livros do Brasil: “É Tudo”, “Yann Andréa Steiner” e “O Jardim

Obras emblemáticas como “Uma Barragem Contra o Pacífico”, “Hiroshima Meu Amor”, “Ausância de Lol V. Stein” ou “Moderato Cantabile” desapareceram quase por completo. A Quetzal que em tempos editou “Hiroshima Meu Amor”, “India Song”, “Textos Secretos” e a biografia da escritora da autoria da Laure Adler, deixou-os esgotar sem os reeditar. Só “Textos Secretos” me escapou, os outros três estão na minha biblioteca, junto aos outros 19 livros que tenho de Duras, graças a muita persistência e dedicação.

É de resto uma pena que a Quetzal não aposte em Duras, porque me parece ser uma autora que se enquadra perfeitamente no catálogo da editora. Para já, restam-nos os alfarrabistas e alguns livros esquecidos nas livrarias. É pouco. Duras merecia mais.


sexta-feira, 21 de março de 2014

Um poema pelo Dia Mundial da Poesia

Destino de poeta

Palavras? Sim, de ar,
e no ar perdidas.
Deixa-me perder entre palavras,
deixa-me ser o ar nuns lábios,
um sopro vagabundo sem contornos
que o ar desvanece.

Também a luz em si mesma se perde.

(in "Antologia Poética", Octavio Paz)

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Os livros da minha vida: “O Amante” de Marguerite Duras


“Muito cedo na minha vida foi tarde de mais. Aos dezoito anos era já tarde de mais. Entre os dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direcção imprevista. Aos dezoito anos envelheci.” (in "O Amante" de Marguerite Duras, ASA, Colecção Vintage, p.7 e 8)


No Mékong. Numa barcaça sobre o Mékong. Uma jovem de aspecto peculiar, com um estranho chapéu de abas de homem, atravessa o rio. Debruça-se da barcaça, olhando sem destino, como quem nada procura, nada espera, mas mesmo assim olha. Naquela barcaça, naquela viagem, encontrará aquilo que nem sabia desejar. De uma grande carro preto sai um chinês, mais velho do que ela, de aspecto frágil, apesar dos sinais óbvios de riqueza. Nada de comum entre os dois. Excepto aquele momento. Aquele lugar. O rumar à deriva para um destino incerto, com o conformismo de quem não sabe o que quer porque nunca sabia que isso era possível. Que era possível querer algo e escolher um caminho.

Assim começa a história de amor que marcaria a vida de Marguerite Duras, sem romantismo, sem exacerbadas declarações mútuas de amor, sem esperança. A jovem que atravessa o Mékong e o chinês rico amam-se na sua destruição, na ausência de um futuro possível para os dois. Porque o pai dele não permitiria que o filho se casasse com uma branca, e porque ela é incapaz de amar ou, pelo menos de reconhecer o amor. Tão submersa que está na história da sua mãe, que não consegue acreditar, não consegue ver uma vida para além da desilusão e das fatalidades incontroláveis que assolam o destino. A imagem do Pacífico a reclamar as terras da propriedade comprada pela sua mãe com o último dinheiro da família, após a morte do pai, galgando a barragem teimosamente erigida, contém em si uma beleza cruel e um simbolismo avassalador. Não vale a pena lutar.

Na verdade “O Amante” é tanto a história de um amor quanto é a história de uma família. Para percebermos a relação da menina de 15 anos com o seu amante chinês é necessário conhecer a sua mãe, a loucura da sua mãe, e os irmãos, um forte e assassino, o outro fraco e revoltado. Há entre os três irmãos e a mãe um laço emocional de uma grande profundidade e a convivência com a mãe enganada e indefesa inscreve em cada um deles uma ferida que nunca sarará e que determinará as suas acções. Perante o desespero da mãe, sem recursos e sem força para lutar, a filha vê naquele chinês, antes de mais, uma forma de subsistência. Mas o lado utilitário daquela relação depressa cede perante o peso dos sentimentos criados, sem que haja uma consciência profunda do que significam.

O lado mais perverso da falta de esperança é incapacitar-nos de ver o real valor das coisas, de percebermos que vale a pena lutarmos por algo, o fazer-nos duvidar daquilo que sentimos. Não pode ser! Como podemos amar, se sabemos que tudo estará destinado a um final abrupto, a uma tristeza que apagará tudo? E é quando tudo se perde, quando o destino é selado, que uma visão nítida se impõe sobre o horizonte, de uma clareza dolorosa, de uma certeza cruel. Como se pode abrir mão de tudo sem sequer lutar?

Duras escreve ao sabor das memórias, que se aproximam, primeiro cobertas por uma névoa, mas que aos poucos vão ganhando contornos definidos e que, de forma algo aleatória, abrem caminho a novas imagens vividas. E assim, com a mesma serenidade conformada com que começa a história, Duras termina-a:

“O grande automóvel dele estava lá, comprido e negro, no banco da frente o motorista fardado de branco. Estava um pouco afastado do parque para automóveis da Companhia Marítima, isolado. Ela tinha-o reconhecido por esses sinais. Era ele na parte de trás, essa forma quase invisível, que não fazia qualquer movimento, abatido. Ela estava encostada à amurada como da primeira vez na barcaça. Sabia que ele olhava para ela. Ela também o olhava, já não o via mas ainda olhava para a forma do automóvel preto. E depois, por fim, tinha deixado de o ver. O porto apagara-se, e depois a terra.” (in "O Amante" de Marguerite Duras, ASA, Colecção Vintage, p.120 e 121)

sábado, 22 de fevereiro de 2014

O 100º post e os 100 anos de Marguerite Duras


A força avassaladora e imparável do tempo revela-se uma constante fonte de surpresa. Os dias parecem horas, os meses dias, os anos passam com a facilidade de uma vida que se vai vivendo à deriva, vendo tudo passar. E num piscar de olhos, amanhã publicarei o post 100 deste blogue, quando me parece que disse tão pouco, que fiz quase nada.

Andei durante algum tempo a pensar em como assinalar este marco e, por obra do acaso, deparei-me com o facto de estar para próximo o centenário do nascimento de Marguerite Duras que, talvez ainda não saibam, mas é a autora de um dos meus livros preferidos: “O Amante”. Celebrar o centenário desta autora polémica, com uma vida tão marcante e uma escrita arrebatadoramente poética, tornou-se um imperativo. O post número 100 do blogue, que será publicado amanhã, marcará por isso o início das comemorações do centenário de Marguerite Duras, com uma resenha sobre “O Amante”, inaugurando também a rubrica “Os livros da minha vida”. Durante o mês de Março falarei ainda de “Uma Barragem Contra o Pacífico” e de “Hiroshima Meu Amor” (o DVD do filme de Alain Resnais foi recentemente relançado pela Leopardo Filmes). E no dia 4 de Abril, o dia em que Duras faria 100 anos, haverá um post especial, de cariz mais biográfico.

Neste momento estou a acabar de reler “O Amante” (é a 4ª vez que o faço) e a cada nova leitura confirma-se a relação especial que me une a este pequeno livro, que em pouco mais de 120 páginas consegue revelar mais que muitos romances em 500 ou 600 páginas. A minha primeira vez com “O Amante” nem sequer foi com o livro, mas sim com o filme, que vi algures aos 16 anos e que me impressionou por uma indelével marca de melancolia que submergia todos os momentos, mesmo os que pareciam vergar-se perante a êxtase sexual. O fascínio pelo filme, converteu-se numa devoção ao livro, que se firmou nas primeiras linhas.


Duras. Duras viveu muito. Uma vida que implorava por ser escrita, por ser imortalizada na beleza onírica das palavras. Uma vida marcada por uma história, uma história que deu um livro. Cá vos espero amanhã!