sábado, 31 de agosto de 2013

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Discurso Directo: A nudez de Coetzee


Por norma não comento os vídeos e deixo que o escritor fale por si. Mas esta entrevista tem um conjunto de características que a tornam única: um entrevistador ousado, um entrevistado que não o quer ser e a evocação da eternidade numa praia em que um continente acaba.

Vi estas imagens pela primeira vez durante os tempos de faculdade, quando a SIC emitiu a série "O Belo e a Consolação". As marcas que em mim se formaram naquele momento permanecem até hoje. Coetzee fica nu perante a câmara, com um olhar vazio, repleto de contenção e desconforto. Muito desconforto. Um desconforto tão grande que nos deixa ansiosos, mas que ao mesmo tempo nos seduz.

Só ouso propor-vos que percam mais de 1 hora do vosso tempo porque esta entrevista é provavelmente uma das melhores horas de televisão que vi na minha vida. Por volta das 4 da manhã. Algures durante os tempos de faculdade.

E leiam "A Idade do Ferro" (editado em Portugal pela Dom Quixote). Não é uma sugestão, é uma súplica. Para vosso bem.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Em discussão: O futuro do livro - eBook vs papel



Parece simples: o livro não tem como combater o mundo de possibilidades dos monitores. A conclusão é de Philip Roth, o mais importante escritor americano da actualidade, que vaticina a morte do livro nas próximas décadas. Mas será o futuro assim tão negro? É concebível que num espaço de 20 anos os livros se convertam em relíquias e cedam o seu espaço aos eBooks? 

Os estudos sobre leitura em diferentes suportes são algo ambíguos, mas há uma tendência para se defender que a leitura em suporte digital é mais lenta, menos rigorosa e que dificulta a apreensão do conteúdo, o que se deve também à atitude das pessoas que estão menos predispostas a aprender quando lêem neste suporte. Posto isto, e se os eBooks se tornarem dominantes, que consequências haverá para o género romance, por exemplo? Fará sentido escrever romances de 400 páginas para serem lidos em eBooks?

Questões, questões e mais questões. O mercado livreiro está agora perante os desafios com que a indústria musical se tem deparado nos últimos 15 anos, sendo o momento de tomar decisões que determinarão o consumo de literatura nas próximas décadas e que influenciarão a sustentabilidade do mercado editorial. Nesta demanda contam com a benesse de poder aprender com os erros dos outros. Mas será que aprenderam?

Não sou um adepto dos eBooks por uma razão muito simples: há demasiados atractivos no livro impresso. Ler é para mim uma experiência física indissociável do cheiro da tinta e da textura do papel. Um livro tem capa, tem grafismo, tem marcadores, tem uma identidade própria. O meu livro é meu e é diferente dos livros dos outros, não é uma amálgama indiferenciada de letras num ficheiro digital. E é por isso que muitos como eu preferem andar com livros na mala. É por isso que no metro de Nova Iorque os livros continuam a marcar presença.

As vendas de eBooks sobem

Mas a verdade é que os eBooks têm as suas vantagens. Confesso que a primeira vez que vi um Kindle pensei: “Epá, isto é fantástico! Parece papel!” Fiquei a pensar naquilo e uns dias depois percebi que não faz muito sentido ler algo que parece papel se posso ler papel. Mas a portabilidade é a palavra de ordem. Muitos fãs dos livros preferem deixar o peso em casa e proteger os livros do mundo de perigos que os aguarda lá fora, dedicando-se aos eBooks fora de casa.

A verdade é que os eBooks começaram de forma tímida a adquirir importância e, segundo os dados da Association of American Publishers, representaram 1/5 dos livros vendidos nos EUA em 2012. Para Portugal ainda não há dados e estaremos certamente longe da adesão de outros países. Numa rápida pesquisa verificamos que este mercado está a ser disputado no nosso país sobretudo pelos grandes grupos, com a Leya em forte destaque. 

Facilmente percebemos também que os eBooks têm preços exorbitantes. No site da Leya encontramos por exemplo o eBook do “Maria Antonieta” do Stefan Zweig a 13.99€. 13.99€!? Mas quem é que dá 13.99€ por um ficheiro digital quanto pode ter o livro em papel por mais 5€. E pior, se olharmos lá para fora, para a Amazon por exemplo, verificamos que é comum as versões eBook serem até mais caras que as em papel (a versão para Kindle do “The Lottery” da Shirley Jackson custa £7.99 e a versão em capa mole £6.99 – uma afronta!).

A 3ª via – packs livro + eBook

Ora, se as pessoas preferem ler livros em suporte físico, e até há indícios que é uma forma mais eficaz de ler, mas por outro lado consideram o factor portabilidade uma vantagem, que fazer? Se as editoras pensassem a longo prazo em vez de se deixarem levar pelo apelo do lucro imediato, veriam que vender o livro com a versão digital integrada é o caminho da luz. Parece uma solução óbvia e já há quem o faça com bons resultados. Um artigo recente da Publishing Perspectives dá vários exemplos, nomeadamente da editora Canongate que decidiu seguir esta via com o “A Tale for the Time Being” de Ruth Ozeki (incluído na longlist do Man Booker Prize deste ano, como já aqui referi anteriormente).

Todos seriam felizes. Os leitores, que tinham o livro com todos os seus encantos para ler no conforto do lar e o eBook para ler nos transportes públicos. Os editores, que conferiam valor acrescentado aos livros e, quem sabe, até podiam aumentar um pouquinho os preços e salvar os livros em papel do desaparecimento. E não esquecendo os livreiro, que estão para já de fora deste negócio, excepto os que têm loja online, e que assim poderiam ganhar algum dinheiro que tanta falta lhes faz.

Momentos difíceis exigem decisões corajosas. A indústria musical optou por fazer vista grossa ao mundo digital e de repente percebeu que o cd se tornou quase numa formalidade, num objecto a quem poucos reconhecem valor. Irão as editoras tomar as rédeas da situação e decidir o que fazer dos eBooks antes que os eBooks decidam o que fazer com elas? Tenho dúvidas, mas também tenho esperança.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O que é que a Granta tem? "À medida que fomos recuperando a mãe" de Valério Romão



Começamos num cenário tradicional: uma família que acabou de perder a mãe. Quatro irmãos e um pai a tentarem refazer a vida, sem o querer o pai, porque às vezes é mais fácil desistir do que enfrentar a dor. Partindo das tentativas das crianças de o fazerem regressar à normalidade, dá-se um acontecimento estranho. A princípio apenas estranho, mas que se vai repetindo até se tornar numa banalidade, até todos aprenderem a viver com isso. E de tradicional este percurso não tem nada…

Valério Romão cria uma história que tem tanto de marcante como de perturbadora, conseguindo a proeza de nos incomodar não tanto pelo que escreve (embora também o faça), mas pelo que decide não nos dizer, pelas questões que incita a formarem-se na nossa mente. E vemos tudo por um novo prisma, e isso assusta-nos, choca-nos o contraste entre a escrita simples e a natureza estranha daquilo que é escrito. A marca de um grande escritor.

domingo, 25 de agosto de 2013

Discurso Directo: O mito de Catarina Eufémia na escrita de João Tordo



"A Catarina serve um bocadinho como eixo da narrativa. Como uma memória que está presente mas que, ao mesmo tempo, pertence a um mundo que já não existe." (João Tordo no programa da RTP "Ler +, Ler Melhor")

sábado, 24 de agosto de 2013

Agora também no Facebook




Cumprindo a norma não escrita de que “tudo o que importa está no Facebook”, também o Sentido dos Livros já por lá anda. Se forem como grande parte da humanidade e estiverem diariamente no Facebook, seguir a página do blog é uma forma rápida de ficarem a par de novos posts. Mas, para que a página não se torne num mero aglomerado de links para o blog, vou também partilhar por lá artigos de outros bloggers e sites e novidades interessantes. Moral da história: às vezes gostar é fácil.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Tell a Story: a livraria que veio do futuro, numa carrinha do passado




A ideia é simples: vender livros portugueses a estrangeiros, em línguas que lhes sejam acessíveis. Mas como? Será que se justifica abrir uma livraria? Hum, talvez não seja por aí. Por onde é que os turistas andam? Pelos monumentos, pela rua… É isso, pela rua! E se em vez de os turistas irem até aos livros, os livros fossem até aos locais por onde os turistas andam?

Parece mentira? Pois não é. É exactamente este o conceito da Tell a Story, a primeira livraria ambulante do país, que percorre Lisboa com uma montra cheia de obras de relevo de escritores portugueses (de Saramago, a Torga, sem esquecer Pessoa e Lobo Antunes) traduzidas em inglês e francês, para que os turistas leiam sobre Portugal enquanto conhecem o país. E porque a proximidade não é apenas física, encontram-se com frequência na página do facebook fotos e testemunhos de quem passa pela carrinha. Chama-se a isto identidade e posicionamento de marca bem definidos.

Quantos de nós não fomos a outro país e pensámos “gostava tanto de comprar um livro de um autor de cá, mas tinha de encontrar algo em inglês”? Onde estavas tu, Tell a Story, nesses momentos? Quem sabe se não é uma ideia exportável, quem sabe…

Visão para o negócio é isto mesmo: ver uma oportunidade, delinear um plano para tirar partido dela e meter mãos à obra. Regozijemos com estes novos conceitos de livraria, dos quais se podem tirar muitas lições para acabar com as histórias de livrarias a fechar.

Vemo-nos algures em Lisboa.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O que é que a Granta tem? “Em busca d’eus desconhecidos” de Dulce Maria Cardoso




Crescemos a pensar que somos únicos. A sociedade hedonista impulsiona-nos a celebrar a nossa individualidade, a afirmar-nos por aquilo que nos distingue. Mas Dulce Maria Cardoso levanta uma questão interessante em “Em busca d’eus desconhecidos”, o conto que abre o primeiro número da Granta Portugal, editada pela Tinta da China: será que o nosso “eu” é diferente dos outros “eus”? Ou será que camuflamos a igualdade dos “eus” nas nossas experiências próprias?

Dulce Maria Cardoso explora as fragilidades do “eu”, uma entidade que nem sequer é única em nós (com o tempo aparecerão vários “eus”), que muitas vezes se define não por características intrínsecas mas por desejos aspiracionais e que, em última análise, depende do reconhecimento dos outros.

As ideias são interessantes, o que não significa que dessem origem a um texto coeso e que criasse empatia. Podia ser apenas uma amálgama de pensamentos, que leríamos sem olhar para trás. Mas quem já leu Dulce Maria Cardoso sabe que a sua escrita não é assim, que as suas ideias se metamorfoseiam em episódios que nos são familiares, porque também os vivemos, porque conhecemos aquelas personagens, porque, no fundo, há mais a tornar-nos semelhantes do que distintos.

E na simplicidade das imagens, numa escrita dialogante em que “eus” interagem, vai-se criando uma reflexão memorável, uma excelente abertura para uma Granta que promete muito.