O homem comum. Os seus sonhos normais. O desejo de ser
feliz, de viver uma vida pacata e envelhecer junto daqueles que mais ama.
Philip Roth não escreve sobre homens excepcionais, prefere expor as excepcionais
vidas dos homens banais, as suas frustrações, medos e ridículos. Mas em
“Pastoral Americana” Roth vai mais longe: constrói o paradigma do sonho
americano – um belo atleta louro abastado casado com uma ex-miss – apenas para
o destruir. Uma destruição repentina e gratuita, como o costumam ser os
acontecimentos que mudam vidas.
Os problemas da família perfeita de Seymour Levov, conhecido
como o Sueco, começam com a gaguez da filha, Merry, que surge inexplicavelmente como
uma premonição. Levov teme que aquele problema
seja um reflexo de algo de errado que se passa com a sua filha, mas pouco consegue
fazer para ajudá-la. Os seus sentimentos de culpa aumentam quando, num momento
algo irracional, decide ceder aos pedidos da filha para a beijar na boca. Aquele
instante é vivido por Levov como um incesto, um quebrar de regras que
potencialmente terá aberto as portas à loucura futura.
Merry, frustrada com a gaguez, por se sentir aquém das
expectativas dos pais, à medida que vai crescendo começa a desenvolver uma obsessão por questões
políticas, mais especificamente pela Guerra do Vietname. Esse sentimento
transforma-se rapidamente num repúdio do estilo de vida americano e daí até
Merry se envolver com as pessoas erradas é um passo. Levov assiste passivo à
perda da sua filha, sem a conseguir controlar, temendo que o pior
possa acontecer. E acontece.
Uma bomba explode perto da casa dos Levov matando uma pessoa.
De uma idealista radical Merry passa a criminosa procurada. A vida dos Levov é
estilhaçada pela bomba, com o Sueco a passar dias e dias a tentar perceber o
que correu mal. "Porquê? O que fiz eu para a minha filha se tornar numa assassina?" pergunta Levov, enquanto a sua mulher se afunda numa
depressão e a filha se mantém em fuga.
Mas por muito interessante que o enredo do livro seja, há alguns problemas a que Roth não quis ou não
conseguiu dar resposta. O
período após o rebentamento da bomba caracteriza-se pelas constantes ruminações
de Levov, um contínuo “onde foi que eu errei!” que se torna cansativo. E alega-se então “mas esse cansaço faz todo o
sentido, porque expressa o cansaço da própria personagem, suscitando no leitor
sentimentos semelhantes”, ao que eu respondo com uma velha máxima: a mestria de
um escritor revela-se na capacidade de invocar algo sem que o texto tenha de
ter essa mesma característica. Suscitar no leitor uma sensação de cansaço é uma coisa, tornar o texto ele próprio cansativo é outra.
Mas o meu grande problema nem sequer é esse. O
que de facto me incomoda é a estrutura escolhida por Roth, que dá a sensação de
projecto concluído à pressa. Na verdade o livro começa com Zuckerman, um
colega de escola que nos revela o mito do Sueco adolescente, o judeu
louro que todos conquistava.
Zuckerman encontra-se com Levov algumas vezes durante a vida, e já velho ele
contacta-o para lhe pedir ajudanuma homenagem que está a preparar para o
pai. Depois disso, numa reunião de antigos alunos, Zuckerman encontra Jerry,
o irmão do Sueco, que lhe conta que o irmão morreu e que a sua filha é a “bombista
de Rimrock”. E a partir desse momento Zuckerman relata-nos uma história
idealizada do que terá sido a vida do Sueco. Acontece que, após criar esta
parte inicial, com personagens bem delineadas, com a própria vida de Zuckerman
a ser-nos apresentada, o livro abandona totalmente este plano e centra-se até à
última página na história do Sueco. O pobre leitor, em negação, espera que no
final o círculo se complete e que haja uma espécie de reflexão centrada de novo
em Zuckerman, o que nunca acontece.
Perguntamos então: para quê? Para quê criar uma história
paralela para depois simplesmente a abandonar? Porque não então começar
directamente com a narração da história de Levov, eliminando Zuckerman? E para
estas perguntas não há resposta, ou pela menos uma satisfatória. É assim
porque Roth assim quis que fosse. Mas nem sempre o que o escritor quer é o que
é melhor para o livro.
Bem conscientes das desilusões que “Pastoral Americana” nos
proporcionou, caminhamos para o final curiosos, sem saber muito bem como irá Roth terminar um livro tão reflexivo, com tantas questões e
nenhumas respostas. E o final é estranho, de um estranho que nos faz reler
aquelas breves páginas repetidamente à procura de uma mensagem encriptada. Mas
aos poucos e poucos apercebemo-nos de que o que Philip Roth nos quer dizer é que a
vida é feita de manifestações espontâneas e irracionais de violência e que
nunca estaremos prontos para lidar com elas. Mas mais do que isso, há em toda a história de Levov uma mensagem quase fatalista: por muito grandes que os horizontes sejam, a pequenez da vida sobrepor-se-á, porque não há potencial que possa fugir à capacidade destruidora do mundo.
“Pastoral Americana” fala de um tema muito caro aos americanos: a América. O orgulho de ser americano e o ódio pelo que a América representa. A América como terra das oportunidades e como símbolo supremo do mal, uma existência em dois pólos antagónicos que Roth reproduz na perfeição. E por isso se fala deste livro como um dos seus melhores, talvez mesmo como a sua obra-prima. Mas é uma afirmação justa? Infelizmente não.“Pastoral
Americana” é um livro bom, mas está longe de ser o melhor que Philip Roth pode
fazer.
Classificação: 16/20
Philip Roth é aquele escritor de quem só comecei a ler um livro e não mais voltei "Complexo de Portnoy", isto há pouco mais de um ano. Já me disseram que deveria experimentar outros pois é um grande escritor, acredito, um dos que me recomendaram foi precisamente este... a verdade é que eu ainda não lhe dei uma segunda oportunidade.
ResponderEliminarVale a pena dar-lhe uma segundo oportunidade, Carlos! Leia o "Todo-o-Mundo".
EliminarObrigado pela sugestão
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