terça-feira, 10 de setembro de 2013

O que é que a Granta tem? “Intervencionados” de Hélia Correia





Saramago disse uma vez que Agustina aceitava tudo o que lhe surgia na escrita. Não era um elogio. O mesmo poderia ter dito sobre Hélia Correia se tivesse lido “Intervencionados”, o conto que escreveu para a Granta.

Os olhos esforçam-se por focar o texto, que frase após frase, deambula sobre temáticas diversas, formando uma torrente de palavras que afastam a mente das páginas. De repente já nem sabemos muito bem do que é que Hélia Correia fala, e ela tem alguma noção disso, já que sente necessidade de justificar o “luxo da deriva”, argumentando que o “eu”, tema central do seu conto e do 1º número da Granta, está em toda a parte. Poderá estar, mas um luxo como a deriva paga-se caro, paga-se com o sacrifício de leitores.

No final deste pequeno conto (que parece ser grande, tal a cadência de ideias articuladas) há uma tentativa de história. Tímida e pouco construída. Há ali um vislumbre de algo interessante mas que nunca se concretiza. Não chega.

Afinal, de que “eu” nos fala Hélia Correia? Sinceramente, não sei, mas também não fiquei com muita vontade de descobrir. Tentarei fazer as pazes com Hélia Correia lendo, algures no futuro, “Lillias Fraser” e talvez então perceba o quão injusto fui.

16 comentários:

  1. Não acho que estejas a ser totalmente injusto, mas talvez demasiado duro. Eu, como te disse nada altura em que o li, achei o conto muito "assim-assim", mas gostei muito do estilo dela. Já andava há que tempos a pensar ler o Adoecer e agora é que o quero mesmo comprar. E pronto, para mim já foi importante ler o conto :)

    Já agora, estou a dois contos do fim da Granta e há coisas boas à tua espera (a meu ver!).

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    1. Eu confesso que nem do estilo gostei muito, o que me desiludiu porque tinha a Hélia Correia em muito boa conta e tinha muita curiosidade de ler algo dela. Continuo com essa vontade, mas estou com um pé atrás.

      Ainda bem que há coisas boas lá para a frente porque desde o do Saul Bellow tem sido sempre a descer!

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  2. Fiquei curioso, onde é que Saramago disse isso sobre Agustina?

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    1. Luís, foi numa crítica a um livro dela, "Homens e Mulheres", publicada na Seara Nova. Fiquei surpreendido porque sempre tinha visto menções à admiração de Saramago por Agustina e nessa crítica ele reconhece as qualidades dela como escritora, mas alerta para o facto de as suas virtudes puderem por vezes ser a sua perdição, proferindo a famosa frase "Agustina Bessa-Luís corre o risco muito sério de adormecer ao seu da sua própria música".

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    2. Ah, e como encontrou essa crítica da Seara Nova? Eu sempre as desejei ler; espero que um dia alguém ainda publique os textos que ele escreveu para essa lendária revista.

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    3. Encontrei por acaso uma transcrição há uns tempos, quando andava à procura de opiniões de outros escritores sobre Saramago e de Saramago sobre outros escritores. Pode ler essa crítica em http://pula_pulapulga.blogspot.pt/2004/06/agustina-e-saramago-que-pensam-um-do.html.

      Relativamente a opiniões de outros escritores sobre Saramago, tem particular piada a de Luiz Pacheco, que até era seu amigo, mas que não teve pejo em afirmar que Saramago era o cão da Agustina. Não que eu concorde com ele.

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    4. Que pena, o blogue fechou, queria ler tudo. Eu como que colecciono o que os outros dizem sobre José Saramago, acho sempre curiosa e fascinante a divergência de opiniões dentro e fora de Portugal.

      Essa do cão de Augustina tem piada, ultrapassa a outra de Pacheco sobre Saramago e Lobo Antunes:

      "O Lobo Antunes e o Saramago não estão a escrever para vocês nem para mim. Estão a escrever uma coisa género "standard", que é o romance internacional. (...) Como sabem que vão ser traduzidos, têm de fazer uma linguagem o mais corrente possível, mais linear, mais badalhoca." (Eu nem compreendo como é que este homem pode ser levado a sério como crítico literário ao acusar ALA de ser linear... linear, o homem que muda de tempo, ponto de vista e espaço dentro da mesma frase, abruptamente? Ridículo!)

      A Agustina até ao fim também nunca gostou de Saramago, que passou as últimas décadas a redimir-se pela Seara Nova, apesar de ter todos os motivos para guardar rancor: quando o PSD removeu o Evangelho da lista ao famoso prémio da discórdia, poucos sabem que no lugar dele colocaram Vale Abrão para representar Portugal. Ora, todos os outros autores portugueses, nas outras categorias do prémio, removeram as suas obras em apoio de Saramago, salvo Agustina, que achou tudo o que se passou perfeitamente natural e justo.

      Por isso Saramago tinha bons motivos para odiar essa arrivista vulgar até ao fim da vida. Pelo contrário, continuou a exaltá-la em claro sinal de reconciliação. Aliás, eu só li Agustina porque ele falou bem dela no seu blogue; e perdoo Saramago pelo flagelo que me fez passar porque também descobri Gonzalo Torrente Ballester graças a ele. Os gostos do homem não eram perfeitos.

      Acho piada a estas coisas porque, bem, eu já recomendei Saramago a vários amigos estrangeiros e todos me ficaram gratos por terem lido A Jangada de Pedra, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Levantado do Chão, e por aí fora. Se eu algum dia perdesse o meu tempo a recomendar Luiz Pacheco ou Agustina Bessa-Luís a eles não serviria para nada, porque ninguém os poderia ler visto que nunca foram traudizdos, porque fora deste rectângulo ninguém, nem os brasileiros (talvez os franceses, mas já ninguém lê em francês), lhes dá qualquer valor, justamente. Por isso sim, acho muita piada a toda esta dor de corno e inveja e habitual maldicência portuguesa que nada tem que ver com a admiração que ele suscita nos leitores estrangeiros.

      Pacheco está esquecido e os seus livros já rareiam, e a Agustina, não obstante o recente impulso da Babel, irá pelo mesmo caminho assim que morrer. Mas durante muitos anos eu continuarei a poder falar de Saramago com ingleses, americanos, mexicanos, polacos, alemães e afins. Por isso eles que façam as piadas que quiserem, elas serão esquecidas com eles.

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    5. O Luiz Pacheco era uma daquelas figuras torrenciais e ninguém lhe levava esses comentários muito a sério. Há um documentário sobre ele em que o Saramago é confrontado com essas afirmações e ele próprio diz “é o Luiz Pacheco!”, retratando-o com alguém que era capaz de dizer aquilo e de nos minutos a seguir se encontrar com ele na rua e lhe cravar 10€.

      Concordo consigo que a leitura que ele faz da “facilidade” de Lobo Antunes e Saramago não faz sentido nenhum, mas acho que isso não retira o valor cultural que a sua figura tem e eu tenho como um dos meus sonhos de consumo a compra do “Comunidade” que muitas figuras respeitáveis da nossa praça consideram como um dos pontos altos da literatura portuguesa.

      Quanto à Agustina, não gosto muito da atitude dela face ao Saramago, e ela também participou no coro do “quem devia ter ganho o Nobel era eu”. Ela diz muito que se gosta de Tolstoi e Dostoiévski não pode considerar a escrita de Saramago satisfatória e eu não percebo este argumento, porque acho até que o Saramago tem uma proximidade aos russos pela questão da moralidade, não tanto pelo estilo de escrita é certo.

      Mas acho que Saramago teve a grandeza com Agustina que ela não teve com ele. O facto de Agustina ter tido essas opiniões não faz dela uma má escritora. Eu li “A Sibila” e adorei. E não é totalmente verdade que ela não seja traduzida, não o foi ainda é para inglês, mas há vários livros dela traduzidos para francês e alemão e, segundo sei, a sua obra até é bem recebida em França. Mas Agustina nunca será uma escritora internacional porque a sua obra remete muito para o ambiente próprio da burguesia rural nortenha, e há ali uma noção de portugalidade que não será apreendida por um estrangeiro e que reduz logo o valor da sua escrita. Mas é uma das autoras que quero explorar mais, tenho aliás vários livros dela, embora ache que o Saramago é incomensuravelmente melhor do que ela.

      Tenho feito algumas pesquisas sobre os favoritos deste ano ao Nobel e é surpreendente a quantidade de pessoas que se refere ao Saramago como um dos seus Prémios Nobel favoritos. Fiquei também surpreendido por uma das finalistas do The Man Booker Prike, a Ali Smith, falar também de Saramago como fonte de inspiração para o seu livro, pela questão das dificuldades da simultaneidade na escrita. Enfim, acho que Saramago merece mais crédito ainda do que aquele que tem (embora confesse que não gostei muito de “O Ano da Morte de Ricardo Reis”), e vou nas próximas semanas falar sobre esse assunto.

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    6. Concordo consigo que a leitura que ele faz da “facilidade” de Lobo Antunes e Saramago não faz sentido nenhum, mas acho que isso não retira o valor cultural

      Para mim, sim, tira; se ele se espalha em algo tão óbvio como isto então como é que eu posso confiar nele como crítico literário, como árbitro do bom gosto? A verdade é que não posso, por isso está morto para mim. Há outros críticos que não ele.

      O facto de Agustina ter tido essas opiniões não faz dela uma má escritora. Eu li “A Sibila” e adorei. E não é totalmente verdade que ela não seja traduzida, não o foi ainda é para inglês, mas há vários livros dela traduzidos para francês e alemão e, segundo sei, a sua obra até é bem recebida em França.

      Ah, eu frisei o francês exactamente por isso, sei que ela por lá tem fama, mas o facto é que o mercado livreiro que interessa é o anglo-americano, por mais injusto que isso seja. O próprio Lobo Antunes tem consciência disso:

      “Quando temos uma boa crítica na Europa, é relativamente importante, mas se for nos Estados Unidos e se aparecermos nos grandes jornais, o que sucede não tem nada a ver com o que sucede na Europa, somos literalmente ultrapassados. Chegam pedidos de todas as partes.”

      É por isso que casos recentes de fama mundial como Roberto Bolanõ e László Krasznahorkai se devem a terem sido "descobertos" pelos americanos, apesar de já serem publicados há décadas. É injusto mas é a vida. Agora, eu tenho sérias dúvidas de que a Agustina alguma vez interesse o mundo anglo-americano.

      Quando a ela ser uma má escritora, não penso assim por ter dito coisas maldosas sobre o meu romancista predilecto, acredito mesmo que é porque tive a infelicidade de ler cinco livros dela e não poder tirar outras conclusões. Acima de tudo, porém, eu não percebo porque é que um escritor do século XX continua a escrever como se vivesse em 1850. Ela escreve relíquias oitocentistas. Há um século atrás teria sido grande, talvez, hoje parece-me apenas uma senhora caturra que parou no tempo e não soube acompanhar as mudanças do romance moderno. Se o Pachecho queria um examplo de escrita linear, admira-me que não tenha reparado na de Agustina, ele que andava sempre a elogiá-la e por isso devia conhecer bem a obra. É perturbador pensar que ele teve por contemporâneos escritores como Nabokov, Gaddis, Calvino, Borges, Beckett, García Márquez, Vargas Llosa, Fuentes, Flan O'Brien, Angela Carter... o fosso é tão grande que é como se eu estivesse a ler literatura de outro planeta. Até o Codex Seraphinianus me pareceria menos extraterrestre.

      Mas Agustina nunca será uma escritora internacional porque a sua obra remete muito para o ambiente próprio da burguesia rural nortenha...

      Ora, porque haveria Guerra e Paz ou Anna Karenina de interessar a outros que não burgueses russos, as pessoas retratadas nesses romances? Que tenho eu ou alguém que ver com os métodos de produção agrícola discutidos em AK? Nada de nada. Em que é o Doutor Fausto de Thomas Mann pode interessar a alguém que não seja um alemão interessado em história de música? Todos os escritores escrevem para a sua realidade imediata. Eu não procuro explicações ou justificações: para mim os livros dela são chatíssimos; nem os portugueses gostam de a ler; os romances dela não têm vida, não conseguem prender um leitor, são apenas... eu nem percebo o que são; A Sibila é sobre uma tipa que gere um quintalório. Como é que isso é um romance? Depois de Dostoyevsky, depois de Kafka, depois de García Márquez, isso não pode ser um romance. É claro que nunca vai deixar os anglo-americanos curiosos.

      Fico à espera do seu texto sobre Saramago.

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    7. Uma corrigenda: "É perturbador pensar que ele;" na verdade quis dizer "ela." O Pacheco é demasiado pequeno para que eu me perturbe por ele.

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    8. Bom Miguel, mas o Pacheco não é só um crítico, embora tivesse ganho fama enquanto tal. Acho que estes casos do Saramago e do Lobo Antunes não devem ser levados muito a sério, mesmo porque foram proferidos numa entrevista e já em idade avançada. De qualquer forma, pelo menos ele leu os livros deles. O Lobo Antunes diz que nunca leu nada do Saramago mas que ele não é um escritor à sua altura.
      Da minha parte tenho o máximo interesse em ler Luiz Pacheco e não lhe retiro mérito por essas afirmações.

      O meu comentário sobre a Agustina não tem a ver com a temática, tem a ver com o ambiente psicológico e mentalidade que está subjacente aos seus livros. Parece-me que a diferença entre os escritores que menciona e a Agustina é que eles têm a capacidade de tratar o seu contexto numa perspectiva transversal, que possa ser compreendida por leitores de todas as nacionalidades. O “Anna Karénina” não é um livro sobre a burguesia russa, mas sim sobre os obstáculos ao amor e sobre a imoralidade (ou não) do adultério, o que são temáticas internacionais.

      Discordo visceralmente consigo quanto a “A Sibila”. Dizer que é um livro sobre “uma tipa que gere um quintalório” é o mesmo que dizer que o “Ensaio Sobre a Cegueira” é sobre um grupo de pessoas que ficaram cegas. Enfim… e uma visão simplista. Quem conhece o ambiente rural consegue entrar no quadro mental de Quina e perceber a complexidade da sua relação com Custódio. Mas percebo perfeitamente que possa ser retratado como um livro chato, mas olhe que há muita gente que gosta do livro. Li o livro ao mesmo tempo que duas amigas minhas, todos nós na altura com 28 anos, e gostámos os três do livro. Cada cabeça sua sentença. Eu por exemplo, não gosto muito de “O Ano da Morte de Ricardo Reis” e o Luís parece gostar muito do livro.

      Vou escrever sobre o Saramago porque vou fazer uma série sobre Prémios Nobel polémicos e o Saramago tem essa ironia: é muito bem aceite lá fora e é no seu país que existem uns iluminados (entre os quais o Lobo Antunes) que o acham um escritor pouco digno. Estou por isso a ler agora “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” e estou a gostar muito. Prevejo que venha a ser o meu Saramago favorito a seguir ao “Ensaio Sobre a Cegueira”, embora ainda tenha muitos livros dele por ler – sendo uma obra finita, quero ir lendo um livro por ano.

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    9. Eu diria que a relação entre Quina e Custódio prova exactamente que o livro nada tem que ver com "ambiente rural." Camilo e Aquilino não pintaram menos o ambiente rural, e eu nunca vi tal relação nas suas novelas do Minho e da Beira, até suspeito da sua autenticidade. Essa relação da Quina e do Custódio é pura artifício literário, nada tem que ver com o ambiente rural do livro nem com o quadro mental do meio de onde os personagens provêm; foi só a Agustina, de repente, a tentar ser mais literária do que o mundo que criou lhe permitiria.

      Ora, num Camilo e num Aquilino não há estes desvios, os seus personagens estão integrados naqueles mundos algo rudes e sombrios de poucas palavras e gestos bruscos mas decisivos. A Agustina, por sua vez, fartou-se do quintalório e começou a escrever outro romance, mais filosófico, dentro do romance regional; eu até fiquei desorientado com a mudança. Não tenho nada contra isso, porém, se é isso que ela quer fazer, mas custa-me a acreditar que o Custódio tenha qualquer lugar natural neste romance ou que a Quina, que vive da sua força de vontade e para a gestão daquele mundo hostil, teria qualquer paciência para um parasita. Num Camilo teria ido logo pedinchar para a rua com dois pontapés no cu, sem merecer qualquer comiseração. Num Aquilino provavelmente seria morto numa rixa. É um romance muito desequilibrado, e diria mesmo monótono.

      Mas também já percebi, há muito tempo atrás, que para se ser um bom leitor de literatura portuguesa é preciso ter-se uma grande tolerância à monotonia. Se calhar é por isso que a conheço tal mal, e sem pontadas de remorso.

      E eu vou esperando pelo texto sobre Saramago; parece-me que tem aí uma boa ideia. Realmente é lamentável o ódio que ele recebe de tais figuras como Agustina, Lobo Antunes, Vasco Pulido Valente ou o jornalista José António Saraiva. Bem, o nosso Nobel tem do seu lado García Márquez, Fuentes, Rushdie, Harold Bloom, Georges Steiner e mais algumas centenas de grandes nomes, por isso não temo por ele; apenas lamento a inveja tacanha do nosso rectângulo. E por falar em inveja, como a tenho de si, que ainda pode descobrir Saramago. Eu já os li todos e nunca conhecerei o prazer da primeira vez novamente, apenas os posso reler, o que não é o mesmo.

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    10. Luís, este é um dos encantos da literatura: 2 pessoas com idades semelhantes, gostos até coincidentes (pelo menos Saramago, mas teremos mais em comum certamente), conseguem ter opiniões diametralmente opostas quanto a um mesmo livro.

      Bom, o facto de aquele tipo de relação ainda não ter sido tratado na literatura não lhe retira legitimidade e até esperava que considerasse isso como um escape à monotonia. Este tipo de relações é muito típico do interior, pelo menos a parte de proprietários de terras, especialmente quando são mulheres sós, acabarem por ter junto a si um híbrido de criados e filhos. Elas encarregam-se da sua criação e eles e elas trabalham na lide. O que é uma realidade interessante. Mas Agustina vai ainda mais longe na forma como retrata o enquadramento psicológico rural. Primeiro porque o que move Quina não é um sentimento de amor por aquele rapaz, há depois uma afeição que se gera, mas a força motriz daquela união não é essa. Ao criar aquela criança Quina pretende cumprir a sua dívida para com a fertilidade, conferindo ao seu estatuto um cariz de utilitário. Ela não é só uma mulher, é uma mulher que criou uma criança, e isso dá-lhe uma sensação de dever cumprido e talvez por isso tolere os comportamentos menos próprios que Custódio começa a ter. E em segundo, e esse é o elemento mais disruptivo, e que na minha opinião é a prova da complexidade psicológica da história e da sua não monotonia, Quina que procurava em Custódio um sinal de gratidão, para sentir que o seu lado utilitário se cumprira efectivamente, recusa-lhe depois um último gesto de afecto, quando deixa as suas propriedades à família distante. E isso é típico do ambiente rural: privilegiar laços de sangue em questões de propriedade.

      Mas Miguel, não o quero convencer de nada, nem digo que a minha opinião é melhor que a sua. Apenas temos opiniões diferentes e acho que de nada vale falarmos do que nos separa quando podemos falar do que nos une: Saramago. Eu quero mesmo tentar manter esta disciplina de 1 livro dele por ano, exactamente pelo fascínio da descoberta de que fala. Mas este dia deve então ter sido especial para si, com a saída do “Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas”. Eu fiz a pré-encomenda na Wook e recebi-o ontem e é esteticamente muito interessante (as ilustrações do Günter Grass são fantásticas) e pareceu-me equilibrado em termos de conteúdo: os capítulos terminados são maiores do que eu pensava, embora haja poucas notas.
      Por norma, sou contra a publicação de obras inacabadas, tema sobre o qual já por aqui escrevi, mas neste caso parece-me ter havido um cuidado imenso e acredito que há de facto um espírito de missão e não interesses económicos nesta decisão. Fico muito contente por si por ter esta oportunidade de ainda ler algo novo do escritor que mais admira e espero que possamos trocar opiniões (certamente positivas) sobre o livro no futuro.

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  3. Continuo a achar a presença de Custódio rebuscada, mas talvez me escapem as nuances que aponta. Vou pensando que se calhar li os livros errados, talvez devesse experimentar outro.

    Quanto ao novo de Saramago, a ansiedade de o ler cresceu a par e passo com o temor de que sairia escrito ao abrigo do acordo ortográfico, temor que se realizou. Ainda sendo grande fã dos seus livros, não sei se a vontade será maior do que a minha determinação de boicotar essa ortografia, o que tenho feito com grande sucesso até agora.

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    1. Não sei se leu os livros errados Luís. Eu defendo “A Sibila”, de resto conheço menos que o Luís da Agustina, porque só li 2 livros juvenis dela de que gostei também bastante: “Dentes de Rato” e “Vento, Areia e Amoras Bravas”. Se calhar, quando ler outros livros, concordarei consigo nessas características, mas não as encontro nos 3 livros que li.

      Quanto ao Saramago, compreendo-o. Como já percebeu também não sou um adepto do Novo Acordo, embora não tenha a mesma veemência e eloquência que o Luís tem sobre o tema, mas confesso que o meu desejo de ler certos livros se sobrepõe. Só não o leio de imediato porque tenho um calendário de leituras apertado até ao final do ano, mas penso que no início de 2015 vou ter tempo. Depois partilharei a minha opinião e até pode ser que o convença a cair em tentação.

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    2. Talvez. De resto, ainda que não leia o livro, vou sempre ter curiosidade em ler o que se escreve sobre ele. Por isso ficarei à espera da sua resenha, e de tudo o mais que escrever sobre Saramago.

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