segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Cheiro a livro novo - Outubro de 2013


Estamos perante um final de ano morno. E não, não falo apenas da temperatura, que agora já começa a mostrar sinais de querer baixar, falo das escolhas editoriais, que não se pode dizer que sejam más, mas esperava-se melhor, especialmente tendo em conta que estamos em época alta. Estarão as editoras a guardar as grandes cartadas para Novembro? Fala-se da edição do “Guerra e Paz” e do “Ulisses” pela Relógio d’Água nesse mês, mas tendo em conta os sucessivos atrasos (estes livros estão na calha há quase um ano) é mesmo caso de ver para crer.

Em Outubro, surpreendentemente, o grande anúncio veio da Antígona, que se prepara para editar vários livros de Aldous Huxley, começando pelo “Admirável Mundo Novo”, livro muito difícil de encontrar nas livrarias, embora ainda se vejam de vez em quando uns exemplares esquecidos e velhinhos da colecção Dois Mundos da Livros do Brasil. Sem dúvida um autor até aqui maltratado pelas nossas editoras e que vai ter finalmente edições à sua altura. Excelente opção da Antígona!

Falando de grandes autores do século XX, a Relógio d’Água continua a publicação das obras de Nabokov, com uma regularidade surpreendente, diga-se de passagem, desta vez com “Pnin”.E porque nem só de clássicos vive o leitor, há também lugar para a edição do polémico “As Partículas Elementares” de Michel Houellebecq, editado anteriormente pela Temas e Debates mas entretanto desaparecido das livrarias.

Compreendo a edição de um livro por mais de uma editora quando o livro esgotou e já não se encontra no mercado, mas que de resto parece-me um exercício estéril. Posto isto, gostava que alguém me explicasse porque é que a Tinta da China decidiu publicar mais uma versão do “Livro do Desassossego” do Fernando Pessoa? Não ponho em causa a qualidade de Jerónimo Pizarro, o editor da obra, mas havendo pelo menos a edição da Assírio & Alvim e a da Relógio d’Água, não será uma má alocação de recursos editar um livro que se encontra facilmente no mercado? Não vejo a mais-valia, e volto a dizer que a Tinta da China se está a deixar ficar para trás na ficção, especialmente na estrangeira.

Também não percebo muito bem a motivação da Alfaguara para editar “Coração Tão Branco” de Javier Marías, que na Feira do Livro se encontrava na banca da Relógio d’Águas a 5€. Com tanto livro por editar em Portugal... A editar um livro que se já se encontra pelas livrarias, então que se faça algo em grande, como a Divina Comédia, que decidiu apostar numa nova edição de  “Cartas Portuguesas”, a obra clássica de Mariana Alcoforado, que conta com tradução de Pedro Tamen, prefácio de Maria Teresa Horta, ilustrações de Modigliani e capa dura. Querem melhor? Tudo isto por apenas 13.5€.

E porque falar em literatura em Outubro é sinónimo de falar de Nobel, chegaram até nós algumas edições de vencedores do prémio, poucas, verdade seja dita, mas escolhas interessantes. A Bertrand editou uma colectânea de contos de Thomas Mann, surpreendendo-nos a Sextante com a publicação de mais um livro de Aleksandr Soljenítsin, “A Casa de Matriona”. Um livro sem dúvida inesperado, tal como o é o regresso às livrarias de “Uma Cana de Pesca para o Meu Avô” de Gao Xingjian, reedição da Dom Quixote, editora que também nos traz o último livro de Urbano Tavares Rodrigues, “Nenhuma Vida”, entregue dias antes de falecer.


E por fim, talvez um dos mais interessantes livros de não ficção editados nos últimos tempos, ou pelo menos assim se espera que seja. “Uma Coisa Supostamente Divertida que Nunca Mais Vou Fazer” é o segundo livro que a Quetzal edita de David Foster Wallace, reunindo alguns dos seus artigos e ensaios mais célebres, nomeadamente aquele que dá nome ao livro, e que relata a experiência de Foster Wallace a bordo de um cruzeiro às Caraíbas que durou uma semana. Consta que é um relato bem corrosivo, com generosas doses de ironia. Diversão garantida.

domingo, 27 de outubro de 2013

Uma viagem ao passado com "Fiapos de Tempo"


Há sempre um professor que cruza o nosso caminho, mudando-nos a vida. Alguém cujas capacidades admiramos, que nos ensina a olhar o mundo, dando-nos ferramentas para que consigamos sobreviver na selva a que comummente se chama sociedade. No meu caso tive a sorte de ter três professoras a desempenhar esse papel: Ana Maria Vilhena (professora de Português), Clara Lopes (professora de Francês) e Margarida Serrano (professora de História). Todas elas acompanharam os meus últimos anos no Liceu, em Setúbal, e depois, como normalmente acontece nas relações professor/aluno, seguimos os nossos caminhos. Eu fui para a faculdade e elas por lá ficaram, a exercer a sua magia sobre novas gerações. Separámo-nos mas nunca as esqueci.

Quis o destino, e as maravilhas das redes sociais, que a professora Ana Maria Vilhena voltasse a entrar na minha vida há uns meses e com uma boa notícia: um livro prestes a sair. Desde o primeiro momento fiquei ansioso pelo lançamento do livro, por poder ler algo de alguém que contribuiu tanto para definir a minha relação com a literatura, que me ensinou a olhar criticamente para a um livro, a fazer-lhe as perguntas certas e a conseguir ouvir as suas respostas. O lançamento do livro, que tão a propósito se intitula “Fiapos de Tempo”, aconteceu no passado Sábado na livraria Leya na Barata e foi uma verdadeira viagem ao passado. Quis também o destino que a apresentação do livro fosse feita por outra das professoras com lugar no meu Olimpo pessoal: a professora Clara Lopes.

Ouvir as duas a falar sobre aquele livro foi um momento muito especial para mim. Por momentos fechei os olhos e estava de novo sentado na fila da frente, nas aulas, a ouvi-las discorrer sobre a poesia de Antero de Quental, ou sobre gramática francesa (que eu tanto gostava, vá-se lá perceber porquê!). E ali estavam as duas a falar de forma apaixonada sobre “Fiapos de Tempo” e nas suas palavras, na forma articulada como desenvolviam as suas ideias, percebi o quanto de mim vem delas, daquilo que me ensinaram.

“Fiapos de Tempo” começou com a minha professora Ana Maria Vilhena a pesquisar sobre a sua família. À medida que os factos se foram juntando foi surgindo perante si, de forma cada vez mais definida, a figura de Jacinto Maria, um homem conhecido na família pelo seu temperamento difícil e atitudes pouco cavalheirescas (no mínimo), que na verdade era também um revolucionário sindicalista e um feroz republicano, cujas convicções políticas lhe valeram alguns dissabores durante a 1ª República. E é em torno deste homem que Ana Maria Vilhena constrói a história do livro, entre o romance e o biográfico, que terminará no início do Estado Novo.


Estou cheio de vontade de lê-lo, o que farei assim que acabar o “Fugas” da Alice Munro. Nunca vos recomendaria um livro antes de o ler (quanto muito posso apontar-vos os principais livro de um autor com base em críticas e prémios), mas neste caso vou assumir o risco, porque conhecendo a professora Ana Maria Vilhena estou certo que nada escrito por ela poderá ter pouca qualidade. Portanto, corram para a Leya na Barata e comprem o livro ou, se forem mais comodistas, podem encomendá-lo no site do Sítio do Livro

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Em estado crítico: "A Sibila" de Agustina Bessa-Luís

“Quina abriu os olhos, e disse em voz audível algumas palavras que não eram delírio, nem oração, porque o tempo de oração estava no fim, e toda a sua alma se projectava num abismo inefável, se dispersava para entrar na composição magnífica do cosmos.”


Da rudeza nobre da terra brotam os génios difíceis de gente forte. Quina e Estina, duas faces duma mesma alma, ambas duras, uma clarividente, a outra propícia a sofrimentos calados. Cedo conheceram as vias árduas do destino, sempre marcadas pela efemeridade, pela necessidade de não se apegarem àquilo que não podem conservar junto a si. Perderam um irmão, testemunharam as dores de sua mãe, traída por um homem galanteador, o pai das duas, que também cedo partiria. A própria Quina tem a sua vida em risco na juventude. Mas é Estina quem sofre as mais duras perdas, talvez por ser a mais fraca, a que mais deseja acreditar na possibilidade do amor. Primeiro é abandonada pelo homem que ama. Depois vê morrer, um após outro, todos os seus filhos. E é no seu estóico sofrimento que Estina vence Quina. Estina conhece o amor, Quina nunca o conseguirá.

Quina, a sibila, uma mulher simples com capacidades divinatórias, quase totalmente em controlo da sua própria vida, enreda-nos na sua personalidade arisca, na sua atitude prática. Quina não é digna de pena, porque apenas sentimentos elevados lhe podem ser dirigidos, mas adivinhamos nas suas atitudes um desejo de ultrapassar as suas barreiras e vencer a indiferença que desde cedo tomou conta de si. Num misto de curiosidade e desafio, Quina assume a responsabilidade pelo destino de Custódio, um ser caprichoso, movido por uma indomável emoção, de uma crueldade criminosa. Não é amor que Quina procura naquela criança que acolhe na sua casa, é uma aparência de amor, uma sensação de dependência, de gratidão que funcione como paga pelos seus cuidados para com ele e que dê à sua vida uma espécie de propósito respeitável.

A grande ironia de “A Sibila” é que Quina, que defende Custódio, mesmo quando isso implica desafiar todos, acabará por ser o seu carrasco. Os familiares de Quina acusam Custódio de estar apenas interessado na sua herança e chegará o dia em que ele lhe pedirá para que ela lhe deixe tudo. Mas apenas a sensibilidade humana, a compreensão da complexidade de Custódio, permite perceber que o que o move não é o interesse, mas uma necessidade de total correspondência dos seus sentimentos. Custódio quer uma prova do comprometimento de Quina para com ele, uma prova do seu amor de mãe que o não pariu, e sofre com as suas atitudes esquivas e uma sugestão indelével de que Quina, guiada pelo seu espírito racional, se deixará persuadir pelo sangue quando tiver de tomar uma decisão.

No final veremos em Custódio o carácter absoluto do amor, o quão profundo é o desamparo de alguém que se vê privado da única pessoa que lhe deu a mão. Custódio, o quase monstruoso Custódio, revelar-se-á o mais humano, o único que sofrerá uma verdadeira perda, uma perda que o tornará incompleto, incapaz de encontrar um rumo, e que o levará a realizar o último grande sacrifício.

Catalogado como um livro difícil, odiado por muitos, elevado ao estatuto de obra-prima por outros, “A Sibila” é muito mais do que uma saga familiar. Incapazes de compreender a complexidade de certos sentimentos, Quina e a sua estirpe irão prosperar no seu mundo racional, sobre as ruínas daqueles que se deixaram consumir por sentimentos inúteis. Nascer, viver e morrer, esse é o destino de Quina. Esse é o destino da sibila.


Classificação: 18/20

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O que é que Granta tem? "Jazz, rosas e andorinhas" de Afonso Cruz



Dizia um professor meu que a objectividade era a explicitação de subjectividades. Sábias palavras que me obrigam a dizer-vos, desde já, que comecei a ler o conto do Afonso Cruz, “Jazz, rosas e andorinhas”, com um pé atrás e alguma curiosidade (ainda não tinha lido nada dele). Em tempos, na Pó dos Livros, folheei a “Enciclopédia da Estória Universal” e “O Livro do Ano” e de imediato se formou na minha cabeça a ideia de que o Afonso Cruz era um escritor algo pedante. Tenho uma tendência natural para achar que quem aposta demasiado na forma é porque não tem muito para dar em termos de conteúdo e aquela rejeição ostensiva de uma estrutura tradicional suscitou-me reservas. Mas estou sempre disposto a ler e a destruir os meus preconceitos.

Tendo lido “Jazz, rosas e andorinhas” tenho coisas más para dizer, mas também tenho coisas boas. Comecemos pelo mais difícil. Não gostei dos diálogos, achei-os muito pouco naturais. Convenhamos, conversar com um estranho que nos invadiu o quarto de hotel sobre a natureza do “eu” não é algo muito verosímil. E o diálogo, no início do conto, entre a personagem principal, Erik, e o seu amigo Isaac, deixa muito a desejar. Parece um aglomerado de frases pré-feitas às quais se tenta impor um sentido de coerência, mas que pouco mais conseguem do que uma conversa de surdos. A estes diálogos mancos junta-se um conceito excessivamente cerebral, que dá ao conto uma aura de superficialidade e de distanciamento que não me agrada, e uma imagem inicial, a do desiludido por amor que abraça nu um canteiro de rosas, que consegue a proeza de ser forçada mas ao mesmo tempo um cliché. E pronto, estamos falados quanto a defeitos.

Dito isto, o conto não é mau. A ideia, apesar de muito cerebral, é pelo menos interessante e memorável. Há um bom timming de narrativa, que torna a leitura fluida, mesmo que a escrita nem sempre seja tão musical quanto seria desejável. E há algumas ideias bastante poéticas, como a do homem que insiste em telefonar para uma casa vazia na esperança de encontrar a mulher que o deixou. Perante esta imagem, estamos até dispostos a esquecer o percalço inicial do abraço às rosas.


Resumindo e concluindo, “Jazz, rosas e andorinhas” não é um dos pontos altos da Granta, mas também não é um mau momento. É um conto eficaz o suficiente para deixar um leitor que não conheça Afonso Cruz com vontade de ler mais coisas suas. Eu vou ler, sem dúvida.

sábado, 19 de outubro de 2013

Discurso Directo: A escrita cruel de Agustina


«Quando eu escrevo é uma atitude quase científica. Eu preciso de conhecer, eu preciso de saber, eu preciso de explicar.» (Documentário  “Agustina Bessa-Luís: nasci adulta e morrerei criança”)

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A dependência dos livros: edição Outubro de 2013



Já diz o povo que até ao lavar dos cestos é vindima. E nem poderia deixar de ser desse modo, pelo que decidi aproveitar os últimos dias da promoção da Cotovia, entretanto já terminada, para comprar a maioria dos livros que queria (não é todos os dias que se pode comprar livros de 16€ a 3€!). E com 50 e poucos euros comprei uma montanha de coisas: 4 prémios Nobel, 6 autores lusófonos, 3 grandes autores…

Vindo a quase totalidade dos livros deste mês da Cotovia, houve ainda espaço para 2 livros do Teixeira de Pascoaes comprados na Pó dos Livros. O nome de Pascoaes é um daqueles que ouvimos de vez em quando, sem sabermos muita coisa sobre ele. Estava a ler sobre o Cesariny e a páginas tantas refere-se que Teixeira de Pascoaes era considerado por ele o maior poeta português, mais importante até que Pessoa. Procurei algumas informações sobre Pascoaes e fiquei fascinado com o misticismo que rodeia a sua figura. Resultado: algum livro tinha de ser comprado. Acabaram por ser 2, e não apenas 1.

Deixo-vos então com a lista de livros comprados em Outubro:

O Alienista e Alguns Contos” de Machado de Assis
Arte de Ser Português” de Teixeira de Pascoaes
Bagagem” de Adélia Prado
Bouvard e Pécuchet” de Gustave Flaubert
O Caderno Cinzento” de Josep Pla
Dois Irmãos” de Milton Hatoum
“Frankie e o Casamento” de Carson McCullers
Gatos e Mais Gatos” de Doris Lessing
Livro de Memórias” de Teixeira de Pascoaes
Uma Morte Suave” de Simone de Beauvoir
Mortes Imaginárias” de Michel Schneider
Nós, os do Makulusu” de José Luandino Vieira
Paisagem com Inundação” de Iosif Brodskii
Platero e Eu” de Juan Ramón Jiménez
Os Ratos” de Dyonelio Machado
Relatos deum Certo Oriente” de Milton Hatoum
S. Bernardo” de Graciliano Ramos
Três Contos da Índia” de Rudyard Kipling

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O Booker Prize de Eleanor Catton ou o que fazer aos 28 anos


Aos 28 anos, a minha idade, pensa-se sobre a vida. Sobre o pouco que se conseguiu, o muito que se deseja e as dificuldades que se adivinham. Dizem-se ainda coisas como “um dia vou escrever um livro”, porque ainda não há muita pressa, ainda há tempo, não muito, mas ainda há. Ou então, aos 28 anos pode-se ser um escritor consagrado e ganhar o The Man Booker Prize, como Eleanor Catton acabou de fazer. Obrigado Eleanor por tornares ter 28 anos tão mais agradável! Sem pressão!

“The Luminaries” é o segundo romance de Eleanor Catton, seguindo-se a “O Ensaio” editado em Portugal pela Gradiva, que consegue a proeza de ser o maior romance a receber o The Man Booker Prize (mais de 800 páginas). Em Portugal ainda não há sinal do livro, mas haverá certamente alguém neste momento numa editora a planear a sua publicação (caso contrário, estamos mal!). Por enquanto, resta-nos olhar para a crítica internacional e roer as unhas de ansiedade. Parece ser um livro notável.


O que a crítica diz de “The Luminaries”


«A novela de Catton faz amplo uso das ferramentas da intriga tradicional, que em parte certamente explicam o que motiva muitos dos nossos mais brilhantes escritores actuais a localizar a sua ficção no passado: falsificação de assinaturas e caligrafia, escutar atrás de portas e encontros clandestinos, pessoas do passado de alguém que surgem e o desmascaram, cartas roubadas e comunicações atrasadas, a ausência de uma permanente disponibilidade, que parecem inexistentes num contexto moderno.»

Lucy Daniel no Telegraph


«Catton conseguiu um curioso caso de dupla escrita – pode escrever mais e mais sobre uma coisa, e ela vai significar cada vez menos. As personagens não ganham profundidade no decorrer da história; afastam-se cada vez mais de nós. Quanto mais palavras lhes são atribuídas, menos sabemos sobre elas. A última secção do livro é constituída por corajosas analepses, com os capítulos a tornarem-se cada vez mais finos até serem uma mera página, à medida que a história é desvendada.»
Kirsty Gunn no The Guardian


«Sim é grande. Sim é inteligente. Mas façam um favor a vós próprios e leiam “The Luminaries” antes que alguém tente confinar os seus prazeres ao ecrã, pequeno ou grande. Pode não ser algo a dizer nos dias que correm, mas esta é uma história escrita para ser absorvida das páginas.»
Simmy Richman no The Independent

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Discurso Directo: a empatia de Alice Munro


“I can’t remember when I didn't make up stories.” (Alice Munro no International Festival of Authors)

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Alice Munro, a mestre dos contos


«Não resistimos a revolver deste modo o passado e peneiramos factos indignos de crédito, juntamos nomes dispersos a datas e historietas dúbias, agarramo-nos a fios, insistindo em unirmo-nos aos mortos e, como tal, à vida.» 
Alice Munro em “A Vista de Castle Rock”


Há quem escreva sobre guerras, revoluções e amores épicos, emanando o dialecto do extraordinário. Frases pomposas, palavras grandiosas, personagens quase divinas, maiores que a vida, porque a vida é sempre menor que aqueles que a vivem. Alice Munro não é esse tipo de escritora. É no banal, nos pequenos momentos do quotidiano, na passagem lenta das horas, que Munro vive a sua escrita, elevando o mundano a extraordinário.

As suas personagens têm carne e sangue, e alimentam-se, e bebem água, olham o horizonte a pensar no futuro, deitam-se ao luar a recordar o passado. Vivem frustrações, vivem amores, vivem os dias. Vivem. Não são heroínas românticas, nem homens notáveis. São pessoas que vivem. Como nós.


Eu e Munro


Alice entrou na minha vida por acaso, como normalmente o faz quem nos é mais querido. Foi pela mão de uma das minha melhores amigas, que um dia, há 2 anos, me decidiu surpreender com o “A Vista de Castle Rock”, editado em Portugal pela Relógio d’Água. A escolha do livro foi bastante aleatória: tinha ouvido falar de Munro por alto, encontrou o livro numa promoção da Bertrand, leu a contracapa e achou que era um livro para mim. A escolha não poderia ter sido mais acertada e, se não estivéssemos já suficientemente ligados um ao outro, este livro cimentaria o que já era duro como rocha.

Comecei o livro a medo. Munro era até então uma incógnita para mim e o conto não era um género que me dissesse muito. E este é de facto o livro ideal para leitores com reticiências em relação a contos, porque há nele uma unidade que extravasa a natureza fragmentada que este tipo de livros por norma tem. Alice Munro conta-nos em 11 momentos a história da sua família, desde a partida da Escócia em busca de uma nova vida num novo continente, até à sua própria existência, num registo quase biográfico, mas sem os condicionantes do rigor factual.

Na parte final do livro, em que a Munro ficcionada, tão verdadeira quanto a Munro real, parte à descoberta das campas dos antepassados que invocou na 1ª parte do livro, viajando por caminhos desertos, vagueando por cemitérios abandonados, algo de inexplicável acontece. As folhas do livro desaparecem, a capa desintegra-se e, hipnotizados pelas palavras escritas, sentimos Munro ao nosso lado, partilhamos com ela um estado de consciência, num reconhecimento profundo da solidão e do desamparo. Tudo acabará ali. Também ela será um dia pó debaixo de terra, sob lápides partidas esquecidas no tempo. A única vez que senti algo semelhante foi com “Todo-o-Mundo” de Philip Roth, também no final do livro, quando o personagem principal visita a campa dos seus pais, mortos há já algum tempo. Há um sofrimento sóbrio no luto de mortes distantes, que simboliza com uma perfeição avassaladora a perda, porque apenas o tempo lhe confere a sua verdadeira dimensão.

Desde então que Munro faz parte do meu Olimpo de escritores, e nestes 2 anos comprei “O Amor de uma Boa Mulher” e “Fugas”, também da Relógio d’Água (como o são todos os livros da autora editados em Portugal). Por força da quantidade astronómica de livros que tenho por ler (a vontade de ler, como tradicionalmente, supera em muito o tempo para o fazer), ainda não os li, mas vou passá-los à frente. “Amada Vida”, o seu último livro e considerado por muitos como o melhor, será a minha próxima compra, com a promessa de uma leitura para breve. Aguardem por novidades nos próximos meses…


O que autores conceituados dizem de Munro


«As pessoas falam de Munro como uma “mestre do conto”. Mas mais do que uma mestre no género, Munro recriou-o. As suas histórias aparentemente tradicionais são tudo menos isso. Munro alterna entre múltiplos pontos de vista e planos temporais – coisas suficientemente complexas para nos deixarem de cabelos em pé – não para se exibir, mas para encontrar uma forma de conceder às suas histórias o máximo de densidade. É a escritora mais selvagem que alguma vez li, mas também a mais terna, a mais honesta, a mais perceptiva. Este é um daqueles anos em que ninguém se pode queixar da escolha do Comité do Nobel.»
Jeffrey Eugenides, vencedor do Pulitzer, 
autor de “Middlesex” e de “As Virgens Suicidas

«Ler Munro deixa-me num estado de reflexão calma, no qual penso na minha própria vida: nas decisões que tomei, nas coisas que fiz e não fiz, no tipo de pessoa que sou, na perspectiva da morte. Munro encontra-se num grupo restrito de autores, alguns vivos, a maioria mortos, que me vêm à cabeça quando digo que a ficção é a minha religião.”
Jonathan Franzen, vencedor do National Book Award, 
autor de “Correcções” e “Liberdade

(tradução e adaptação de testemunhos publicados pelo Washington Post)

«Alice Munro está entre os maiores escritores de ficção em inglês dos nossos tempos. A crítica americana e britânica tem-lhe atribuído mãos-cheias de elogios, tem recebido muitos prémios, e tem leitores internacionais devotos. Entre escritores, o seu nome é sussurrado. Ela é o tipo de escritor do qual se diz habitualmente – independentemente do quão conhecida ela se tornar – que tem de ser melhor conhecida.»
Margaret Atwood, vencedora do The Man Booker Prize, 

(excerto de um artigo publicado pelo The Guardian)

 


Livros de Alice Munro publicados em Portugal


Num artigo anterior, apresentei a lista de obras de Munro publicadas em Portugal (todas pela Relógio d’Água). Mas, porque sei que haverá muito apetite pelos livros da autora nos próximos tempos, aqui a têm novamente:

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Desbloqueadores de conversa sobre literatura: O Prémio Nobel da Literatura? Não é eleito pelo Professor Marcelo?


Todos os anos, no início de Outubro, um escritor ascende ao estatuto de Deus. Por muitos detractores que possa ter, o seu nome será inscrito na memória colectiva pelos anos vindouros, a sua obra chegará a mais países, as livrarias serão nos próximos meses invadidas pelos seus livros, muitos livros que, legitimados pelo Prémio Nobel, serão comprados com garantia de qualidade. Mas como ascende um escritor ao Prémio Nobel da Literatura?

Bom, para começar ajuda ter uma vasta e elogiada obra ou, em alternativa, ter nascido num país nórdico (o facto de haver muitos Prémios Nobel destes países não terá certamente nada a ver com o facto de o órgão que elege o premiado ser a Academia Sueca). Mas será este processo de eleição uma experiência mística, em que uma pitonisa com ligação directa ao Olimpo se apresenta perante a Academia Sueca anualmente, sussurrando em transe o nome do eleito? De maneira nenhuma. Receber o Prémio Nobel será certamente uma experiência transcendental, mas o processo de eleição está longe de o ser.

Na próxima 5ª feira vamos conhecer o laureado de 2013, mas na verdade tudo começou há algum tempo atrás, não na ilha do Sol, mas em Setembro do ano passado, altura em que o Comité do Nobel da Literatura enviou convites a quem reunia condições para nomear o próximo premiado. Quem foram os nomeadores? Os membros da Academia Sueca e outras academias, instituições e sociedades equivalentes a nível internacional, professores de literatura e linguística, anteriores laureados e os presidentes das sociedades de autores dos diferentes países. Os nomeadores tiveram até 31 de Janeiro para remeter as suas nomeações ao Comité, que avaliou a legitimidade da sua proveniência (para garantir que apenas nomeou quem o podia fazer), apresentando à Academia uma lista inicial para ser validada. A Academia, no seu site, alerta: «It often happens that the same names are put forward time after time, until the nominee either wins the prize or dies or the sponsors give up.»

Ora bem, o Comité reuniu a lista dos nomeados dos nomeadores qualificados e apresentou-a à Academia, que com base nela tomou uma decisão, certo? Não é bem assim. Acontece que a lista de nomeados é sempre alvo de uma censura inicial, na qual são retirados pelo Comité nomes que a Academia nem se predispõe a avaliar, nomeadamente, escritores científicos cujo trabalho não tem valor literário, escritores de qualidade duvidosa e escritores nomeados por outras razões que não pelos seus méritos literários. O Comité, constituído por 4 ou 5 membros da Academia, tem por isso um papel determinante, condicionando de forma não muito clara (existem critérios exactos para eliminar nomeados com base num critério de qualidade?) os nomes que serão considerados pela Academia.

O trabalho do Comité resultou então numa lista preliminar de cerca de 20 candidatos que foi apresentada à Academia Sueca em Abril, que a aprovou, devolvendo-a ao Comité, que teve a missão de a reduzir aos 5 nomes prioritários e apresentá-los à Academia em Maio (lista que ainda pôde ser alvo de alterações). Seguiu-se um Verão de ponderação, em que os membros da Academia leram as obras dos 5 candidatos, preparando-se para as sessões de aceso debate que decorreram no mês de Setembro, até que no início deste mês mais de metade da Academia Sueca chegou a acordo relativamente ao vencedor.


E pronto, ao vencedor resta celebrar no dia 10 de Outubro e a nós resta-nos arranjarmos espaço na prateleira para mais um autor. Quem será o vencedor este ano? A minha aposta vai para um norte-americano (EUA ou Canadá), sendo os meus favoritos a Alice Munro e o Philip Roth, mas acredito que seja possível que o eleito seja Cormac McCarthy ou, quem sabe, Joyce Carol Oates. A ver vamos…

domingo, 6 de outubro de 2013

O que é que a Granta tem? "Esboço para um Livro" de Ryszard Kapuściński


O poder da oratória na política foi-se perdendo, acompanhando o crescente descrédito da palavra dos políticos. Parece-nos por isso exótico o mundo que Ryszard Kapuścińsk nos apresenta, em que países clamam pela liberdade, gente alheia aos media toma decisões com base em contactos directos que tem com os políticos, e jornalistas idealistas colocam a sua vida em risco para cobrir acontecimentos que lhes parecem incontornáveis. Há neste mundo uma inocência comovente, de quem ainda não foi pervertido. Mas será mesmo assim? Não me parece que usar o racismo como resposta ao racismo seja um acto inocente…

“Esboço para um Livro” é um texto interessante de Ryszard Kapuścińsk, que nos dá que pensar, sem ser politicamente correcto, embora não percebamos exactamente onde é que o tema do “EU” encaixa, mas esse é um problema editorial que nada tem a ver com Kapuścińsk. Há um estilo jornalístico muito vincado no texto (já vos disse que Kapuścińsk é um conceituado jornalista?) e confesso que, desde o desaire de “Por Quem os Sinos Dobram” do Hemingway, a minha relação com híbridos de jornalismo e literatura nunca mais foi a mesma. Talvez por isso sinta que falta uma dinâmica narrativa mais forte, capaz de prender e marcar o leitor. Mas não deixa de ser uma leitura agradavelmente descontraída.

sábado, 5 de outubro de 2013