Ontem foi um dia algo insólito. Primeiro são anunciados os
prémios do Pen Clube Português e deparamo-nos com o feito de os jurados não
terem conseguido tomar decisões e concederem prémios ex-aequo em 3 das 4
categorias. Pergunto eu: isto faz algum sentido? Sim, em algumas situações
podemos aceitar que haja obras de qualidade equivalente e que os jurados não
consigam decidir, mas que isso aconteça em 3 categorias?! Parece-me só falta de
critério.
E depois da torrente de vencedores dos Prémios do Pen Clube
Português eis que a Associação Portuguesa de Escritores (APE) decide, no mesmo
dia, anunciar o Grande Prémio do Romance e Novela. Mas que sentido faz anunciar
os vencedores de 2 prémios literários de prestígio no mesmo dia? É uma questão
de competição? Ou é um simples desconhecimento dos princípios básicos de
marketing e comunicação? Quem fica prejudicado no meio disto tudo são os
escritores que ficam algures perdidos numa lista e enorme de vencedores e têm
menos projecção mediática. É caso para dizer que difícil ontem foi ser escritor
em Portugal e não receber um prémio!
Vamos então conhecer as obras que para o Pen Clube Português
e a APE representam o melhor da literatura produzida em Portugal em 2013:
“Que Importa a Fúria do Mar” de Ana Margarida de Carvalho,
Teorema (Grande Prémio de Romance e Novela APE-DGLAB 2013)
Sinopse
Frente a frente, duas gerações de um Portugal onde, às
vezes, parece que pouco mudou…
Numa madrugada de 1934, um maço de cartas é lançado de um
comboio em andamento por um homem que deixou uma história de amor interrompida
e leva uma estilha cravada no coração. Na carruagem, além de Joaquim, viajam os
revoltosos do golpe da Marinha Grande, feitos prisioneiros pela Polícia de
Salazar, que cumprem a primeira etapa de uma viagem com destino a Cabo Verde,
onde inaugurarão o campo de concentração do Tarrafal.
Dessas cartas e da mulher a quem se dirigiam ouvirá falar
muitos anos mais tarde Eugénia, a jornalista encarregada de entrevistar um dos
últimos sobreviventes desse inferno africano e cuja vida, depois do primeiro
encontro com Joaquim, nunca mais será a mesma.
Separados pelo tempo, pelo espaço, pelos continentes, pela
malária e pelo arame farpado, os destinos de Joaquim e Eugénia tocar-se-ão,
apesar de tudo, no pêlo de um gato sem nome que ambos afagam e na estranha
cumplicidade com que partilham memórias insólitas, infâncias sombrias e amores
decididamente impossíveis.
"Que Importa a Fúria do Mar" é um romance de estreia com uma
maturidade literária invulgar que coloca, frente a frente, duas gerações de um
Portugal onde, às vezes, parece que pouco mudou.
“Como Uma Flor de Plástico na Montra de um Talho” de Golgona
Anghel, Assírio & Alvim (Prémio Pen Poesia 2013)
Excerto
"Subiu dez andares para assim nos poder olhar de frente. Não
lhe interessa o que dizem os dissidentes da ditadura. Mas confessa que gostava
dos chocolates Toblerone que a sua tia lhe trazia no Natal. Colecciona cabelos
nas folhas de um herbário sentimental. Escreve a palavra vazio depois da
palavra espera. É como a Salomé — dizem — pede cabeças mas só lhe entregam
pizzas. Perdeu a fé num ataque de riso. Exige agora silêncio e um copo de
tinto, enquanto apresenta em directo a autópsia da sua glória."
“Fogo” de Gastão Cruz, Assírio & Alvim (Prémio Pen
Poesia 2013)
Excerto
TW, Dragon Country
Acreditávamos no tempo quando
o país do dragão era um espectáculo
de fronteira inviolável, e a angústia
não saía de dentro do cenário, e a
emoção era um lugar fictício:
acreditar no
tempo o erro mais terrível
“Para Que Serve a História?” de Diogo Ramada Curto,
Tinta-da-China (Prémio Pen Ensaio 2013)
Sinopse
«Papá, para que serve a história?» — com esta simples
pergunta, Bloch abria um dos mais belos livros de história de todos os tempos,
«Apologie pour l’histoire ou Métier d’historien». Colocada com a ingenuidade
dramática de uma criança, a questão merece uma série de respostas subtis, que
também Diogo Ramada Curto procura fornecer: a curiosidade por todo o tipo de
actividades humanas; a vontade de conhecer a sociedade no seu todo e nos seus
tempos múltiplos; sobretudo, o desejo de compreender a vida real, no seu
quotidiano e nas suas práticas mais repetitivas, por oposição a uma concepção morta
do passado, enterrado em museus, monumentos e manuais.
Mais importante ainda, o estudo da história faz parte das
necessidades de formação de cidadãos politicamente conscientes, capazes de se
baterem pelos seus ideais democráticos. Afinal de contas, como salientava
Bloch, o regime nazi pôs a descoberto a irresponsabilidade de muitos
intelectuais. A sua passividade e até o seu colaboracionismo frente a um regime
feroz — fundado em interpretações históricas míticas ou totalmente falaciosas —
traduziram-se numa incapacidade gritante para se dedicarem ao estudo da
história e para se libertarem do peso do passado.
«Para Que Serve a História?» relança este debate cívico e
intelectual e ao mesmo tempo questiona os vícios e a pobreza que, segundo o
autor, imperam hoje nas universidades portuguesas.
“Ara” de Ana Luísa Amaral, Sextante (Prémio Pen Narrativa
2013)
Sinopse
"Primeiro: a prosternação diante do altar. A hesitação diante
da proliferação dos ritos: sacrifício, louvor, cântico, narrativa. Figuras e
vozes, acólitos. Insurgências. Japoneiras e túneis do sentido. Discrepância a
todas as vozes acumulando num sentido. Não único, mas unívoco. Desde a
infância.
Segundo (como se diz de um andamento ou de um painel): o
tríptico dentro do tríptico das DUAS IRMÃS: a narrativa oblatória e clara da
paixão sáfica. Ardente e casta. Sem falso pudor. Vergonha é não te amar. A
oferenda lírica.
Terceiro: não é coisa de rasgar como romance este romance.
Assente na pedra do lar um prisma multifacetado e translúcido: o amor único, a
palavra. A brisa do arado sobre a ara."
Por Maria Velho da Costa
“As Primeira Coisas” de Bruno Vieira Amaral, Quetzal (Prémio
Pen Narrativa 2013)
Sinopse
Quem matou Joãozinho Treme-Treme no terreno perto do
depósito da água? O que aconteceu à virginal Vera, desaparecida de casa dos
pais a dois meses de completar os dezasseis anos? Quem foi o homem que, a
exemplo do velho Abel, encontrou a paz sob o céu pacífico de Port of Spain?
Porque é que os habitantes do Bairro Amélia nunca esquecerão o Carnaval de
1989? Quem é que poderá saber o nome das três crianças mortas por asfixia no
interior de uma arca? Onde teria chegado Beto com o seu maravilhoso pé esquerdo
se não fosse aquela noite aziaga de setembro? Quantos anos irá durar o enguiço
de Laura? De que mundo vêm as sombras de Ernesto, fabuloso empregado de mesa,
Fernando T., assassinado a 26 de dezembro de 1999, Jaime Lopes, fumador de SG
Ventil, Hortênsia, que viveu e morreu com medo de tudo? Quando é que Roberto,
anjo exterminador, chegará ao bairro para consumar a sua vingança?
Memórias, embustes, traições, homicídios, sermões de
pastores evangélicos, crónicas de futebol, gastronomia, um inventário de sons,
uma viagem de autocarro, as manhãs de Domingo, meteorologia, o Apocalipse, a
Grande Pintura de 1990, o inferno, os pretos, os ciganos, os brancos das
barracas, os retornados: a Humanidade inteira arde no Bairro Amélia.
“Verdade e Enigma: Ensaio Sobre o Pensamento Estético de
Adorno” de João Pedro Cachopo, Vendaval (Prémio Pen Primeira Obra 2013)
Excerto
«[...] o debate em torno da actualidade da estética
adorniana transformou-se numa discussão sobre pertinência de uma «estética do
enigmático». Uma tal estética visaria prolongar o movimento crítico – para
Adorno, o «teor de verdade» – da criação artística e da experiência estética,
num «uso desregulador da arte». Este, além de permitir escapar à dicotomia
entre «soberania» (verdade) e «autonomia» (aparência) e articular as vertentes
afirmativa e negativa da arte, constituiria um modo de disseminar, para além da
esfera estética, o potencial crítico da arte – potencial de diferendo e de
dissenso –, potencial cujo destino permanece decididamente em aberto.»
“Cinza” de Rosa Oliveira, Tinta-da-China (Prémio Pen
Primeira Obra 2013)
Sinopse
«"Cinza" é o primeiro livro de poemas de Rosa
Oliveira. Cinzas daquilo que fica da memória, ou de uma ideia vaga de
"futuro", cinzas que são a melancolia a que chamamos "presente",
tempo que passa depressa-devagar, como em Ruy Belo, várias vezes citado. Esta
poesia "confessional", mas tão privada quanto política, faz-se da
comoção estilhaçada da "Magnólia" de Paul Thomas Anderson mas também
das invasões bárbaras que assombram a Europa, invasões que não vale a pena
temer, porque já triunfaram. Conceitos como a relatividade e a turbulência
ligam misteriosamente as leis da física e a batalha de Waterloo, a destruição
de Pompeia e a luta de classes. Rosa Oliveira usa a alusão, a colagem, a
sabotagem semântica e o sarcasmo para descrever mudanças, instantes, hiatos
irrecuperáveis, tempos perdidos, maravilhas banais da nossa idade. Nos jardins
da Gulbenkian como em "santa-clara-a-reciclada", vislumbramos
pequenos medos, pequenos nadas, a memória de uma canção, uma vida que talvez
esteja acima das nossas possibilidades.»
Por Pedro Mexia