quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O que é que a Granta tem? “Mas Já Nada É Sagrado?” de Salman Rushdie


A religião é um território do poder e ninguém conhece melhor a extensão do poder da religião do que Salman Rushdie, que por questionar o que outros têm como inquestionável se tornou num alvo a abater, sem nunca ter tido a tentação de se calar.

O texto de Rushdie que a Granta dedicada ao “Poder” nos traz foi apresentado em seu nome por Harold Pinter numa conferência de tributo a Herbert Read, um poeta e critico literário anarquista britânico. Rushdie parte da questão daquilo que é sagrado, percebendo que o crente nunca se coloca em causa, acreditando sempre estar certo. Acontece que o sagrado é algo definido num processo histórico, e não um atributo inalienável, pelo que pode e deve ser colocado em causa. “A ideia de sagrado é uma das mais conservadoras de qualquer cultura, pois procura transformar outras ideias em crimes – a Incerteza, o Progresso, a Mudança”, alerta Rushdie.

Uma teoria muito curiosa que Rushdie nos apresenta foi defendida por Arthur Koestler, que considera a linguagem como a principal causa da agressão, porque a expressão de conceitos abstractos requer um nível de sofisticação que conduz a uma totemização e, consequentemente, a disputas entre grupos com diferentes totems. Essa ideia fica bem patente nos esforços da religião para privilegiar uma linguagem, sobrepor um texto aos outros, enquanto a literatura vive de um diálogo entre linguagens, narrativas e valores e das transformações geradas por esse processo. O romance nasce da tensão e não da união, ou se se preferir, segundo Foucault, da transgressão.

Levando esta questão mais longe, importa referir que o poder da religião se dá porque “a ideia de deus é, em simultâneo um repositório do nosso encantamento pela vida, uma resposta às grandes questões da existência, e também um livro de instruções”, mas a literatura ao colocar-nos em confronto com diferentes vozes, ao permitir que na nossa cabeça se gere um debate de ideias, satisfaz a nossa necessidade de transcendência, sem nos dar regras e permitindo-nos criar uma perspectiva crítica sobre as potenciais respostas que poderemos encontrar para as grandes questões da vida.

Rushdie apresenta-nos de forma muito interessante as vantagens da literatura face à religião, demonstrando que fazendo face às mesmas necessidades, a literatura tem a mais-valia de ser desprovida de poder, de sacralização. A literatura existe e apenas faz sentido enquanto realidade questionável e, nos tempos que correm, é cada vez mais importante não nos esquecermos que o verdadeiro poder de cada um de nós é questionarmos o que nos é apresentado como dogma.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

80 livros a 1€ pelos 80 anos da Penguin Classics


A colecção Little Black Classics foi a escolhida pela Penguin Classics para celebrar os seus 80 anos, disponibilizando ao público 80 títulos a 80 pence cada (aproximadamente 1€). E porque sem diversão não há comemoração na verdadeira acepção do termo, foi criado um site especialmente para esta ocasião, com uma espécie de bússola com 80 divisões e um pinguim que, quando é colocado sobre cada uma, revela um dos títulos incluídos nesta promoção.

Para já, os livros estão disponíveis para pré-encomenda no site da Foyles e da Amazon, com a chegada às livrarias prevista para 26 de Fevereiro. Aproveitem os vossos contactos em Inglaterra e esquivem-se aos portes de envio que neste caso devem ser mais caros que os próprios livros!

Querem saber alguns dos livros que podem comprar?

“A Modest Proposal” de Jonathan Swift
“On the Beach at Night Alone” de Walt Whitman
“Femme Fatale” de Guy de Maupassant
“Caligula” de Suetonius
“Jason and Medea” de Apollonius of Rhodes
“The Gate of the Hundred Sorrows” de Rudyard Kipling
“The Great Winglebury Duel” de Charles Dickens
“The Beautiful Cassandra” de Jane Austen
“The Maldive Shark” de Herman Melville
“The Atheist’s Mass” de Honoré de Balzac
“Antigone” de Sophocles
“Lord Arthur Savile’s Crime » de Oscar Wilde
“The Night is Darkening Round Me” de Emily Brontë

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Contando contos de Edgar Allan Poe: “O Escaravelho de Ouro”


Criativo, capaz de criar uma narrativa envolvente com poucas personagens, Edgar Allan Poe constrói contos de aventura que representam o que de mais clássico se faria no género, explorando em “O Escaravelho de Ouro” de um tema habitual: a demanda pelo tesouro escondido de um pirata.

Numa visita a Legrand e ao seu criado negro, o narrador toma conhecimento de uma recente descoberta do seu amigo: uma espécie única de escaravelho, que o criado insistentemente afirma ser feito de ouro. Camuflada de loucura ou de uma espécie de febre alucinatória causada pela picada do escaravelho, os três partem em busca de algo que só Legrand sabe o que é.

Tal como no conto anterior apresentado em "Todos os Contos", Poe peca por por vezes estar mais interessado em demonstrar a sua inteligência do que em criar um bom momento na narrativa, perdendo demasiado tempo com a explicação da solução do enigma que confere sentido à história. E as personagens esgotam-se na acção do conto, não havendo qualquer propósito externo para a sua existência que não seja o da narrativa, nunca passando de construções unidimensionais. De qualquer forma, Poe é sempre bem-sucedido na arte de entreter.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Imprensa Nacional-Casa da Moeda prevê editar 58 livros em 2015


A Biblioteca da Imprensa Nacional foi o local escolhido para, no passado dia 6 de Fevereiro, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM) apresentar o seu Plano Editorial para 2015 que tem como um dos seus pontos altos a criação do Prémio Vasco Graça Moura, destinado a obras inéditas de poesia. Também como homenagem a Graça Moura, será relançada a colecção Plural, criada por ele nos anos 80, e que se propõe editar quatro livros de poesia por ano, incluindo o vencedor do Prémio Vasco Graça Moura.

Mas a INCM não se fica por aqui, pretendendo também criar uma colecção dedicada à história contemporânea de Portugal, projecto a cargo de Fernada Rollo, presidente do Instituto de História Contemporânea. A Ivo de Castro, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, caberá a direcção de uma colecção sobre a vida e obra de Fernando Pessoa, a Pessoana.

Fazendo jus à sua missão de serviço público, ao todo a INCM prevê vir a editar 58 livros em 2015, incluindo muitas obras que constituem o cânone da literatura portuguesa e clássica. Um trabalho que deixa claro um compromisso com a memória e a salvaguarda do património cultural e que merece sem dúvida louvor e a máxima atenção dos leitores.

Deixo-vos algumas das obras que serão editadas este ano:

Biblioteca Fundamental da Literatura Portuguesa   
Camões, de Almeida Garrett
As Pupilas do Senhor Reitor, de Júlio Dinis
Nome de Guerra, de Almada Negreiros
Obras Poéticas, da Marquesa de Alorna
Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro
O Livro de Cesário Verde

Edição Crítica de Eça de Queirós
O Mistério da Estrada de Sintra
Os Maias

Edição Crítica de Camilo Castelo Branco
A Sereia
As Novelas do Minho

Biblioteca de Autores Portugueses
Poesia, de Sá de Miranda

Biblioteca de Autores Clássicos
Tragédias (vol. II), de Eurípedes 
Comédias (vol. III), de Aristófanes 
Meteorológicos, de Aristóteles

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Cheiro a livro novo - Janeiro de 2015


No começo de um novo ano as editoras estão normalmente de ressaca, perdidas entre balanços do ano que acabou e visões daquilo que querem editar no novo ano. É por isso uma altura de promessas e poucas novidades, mas aos poucos e poucos, com maior ou menor excitação, lá foram saindo alguns livros.

A Relógio D’Água não costuma desiludir e há sempre qualquer coisa digna de menção. Para já destaque para mais um volume das obras de Nabokov, desta vez “Fogo Pálido”, e, para os aficionados dos contos, “Não Posso Nem Quero” de Lydia Davis, a vencedora do The Man Booker International Prize 2013.

E como prémio literário é sinónimo de Nobel da Literatura, a Porto Editora traz-nos mais um livro de Patrick Modiano, “Dora Bruder", anteriormente editado pela ASA e há muito esgotado. Igualmente prestigiada, mesmo sem ter ganho o Nobel, Simone de Beauvoir é uma das apostas do ano da Quetzal que começa por editar o romance “Mal-Entendido em Moscovo”.

Uma das boas notícias do início de 2015 foi a inauguração, pela Civilização, da colecção Noites Brancas com quatro emblemáticas obras de quatro autores clássicos: “Crime e Castigo” de Dostoievski, “Fausto” de Goethe, “Um Marido Ideal” de Oscar Wilde e “O Crime do Padre Amaro” de Eça de Queirós.

E por falar em autores nacionais, a Quetzal editou “Alegria Breve”, mais um livro da Obra Completa de Vergílio Ferreira. A Tinta-da-China trouxe-nos também a boa-nova da reedição de “O Crocodilo que Voa”, um livro que compendia várias entrevistas feitas a Luiz Pacheco, incluindo alguns entrevistadores sonantes como Baptista-Bastos, Paula Moura Pinheiro, Ricardo Araújo Pereira e Rui Zink. Na não-ficção destaque também para a reedição da Quetzal do 1º volume de “O Segundo Sexo” de Simone de Beauvoir.

E terminamos com poesia, com a publicação pela não (edições) de “O Mar de Coral” de Patti Smith, a quarta obra da colecção de poesia traduzida Traditore.