quarta-feira, 29 de abril de 2015

A dependência dos livros – edição Abril de 2015


Depois do desaire que foi a tentativa de comprar “A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao” de Junot Díaz no site da Fnac (que me levaria a jurar não voltar a comprar livros na Fnac), mal podia esperar para receber o livro na minha prateleira, de preferência sem rasgões na capa (sim Fnac, esta boca foi para ti!). E foi assim que comecei Abril, a encomendá-lo na Wook e, para que não se sentisse só no caminho, aproveitei para encomendar também “Coelho Enriquece”, um dos volumes da famosa tetralogia de John Updike, e curiosamente também um vencedor do Pulitzer. E que melhor companhia para dois romances vencedores do Pulitzer do que um livro de poesia de um Prémio Nobel? Acrescentei então “50 Poemas” do recentemente falecido Tomas Tranströmer à encomenda, não fosse o diabo tecê-las e o livro se esgotasse de vez.

Alguns dias depois, na visita menos frutífera que fiz à Fyodor até à data, acabei por comprar um livro de outro Prémio Nobel que também morreu há pouco tempo, Günter Grass. Como não tinha nenhuma obra de ficção deste autor e tendo encontrado “O Gato e o Rato” da colecção do Nobel do Diário de Notícias, não consegui encontrar razões para não ficar com ele.

E para terminar o mês em beleza, aproveitando que a Civilização trouxe de volta às livrarias o clássico russo “A Mãe” de Gorki, passei pela Bulhosa e fiz o gosto ao dedo. A cereja no topo do bolo foi a bela antologia “Cem Poemas Para Salvar a Nossa Vida” da Quetzal que me calhou em sorte num passatempo. Começo a acreditar no karma.

terça-feira, 28 de abril de 2015

30% de desconto em compras online na Gradiva


Até dia 5 de Maio a Gradiva disponibiliza a todos os visitantes do seu site a possibilidade de adquirirem grande parte dos livros do seu catálogo (salvo os sujeitos à Lei do Preço Fixo e aqueles que já se encontram a um preço bastante reduzido) com 30% de desconto e portes de envio gratuitos.

E porque há vida na Gradiva para além do José Rodrigues dos Santos, deixo-vos com alguns dos livros que podem comprar usufruindo desta promoção.

Calvin & Hobbes 



Obras de Ian McEwan


 

Obras de George Steiner



 Obras de Eduardo Lourenço


 Outros livros





quinta-feira, 23 de abril de 2015

Guia de promoções do Dia Mundial do Livro


Por iniciativa da UNESCO, tendo por objectivo a promoção da leitura, foi criado em 1995 o Dia Mundial do Livro, que decorre a 23 de Abril. A escolha deste dia prende-se com o facto de ter uma forte carga simbólica no mundo literário, sendo por exemplo o dia em que Shakespeare e Cervantes morreram.

Todos os anos as editoras e livrarias reservam então para 23 de Abril algumas promoções e iniciativas. 2015 não é excepção e deixo-vos com algumas sugestões para comemorarem o Dia Mundial do Livro da melhor forma - a comprar livros.

Wook

A proposta da melhor livraria online portuguesa é simples: 48 horas de compras em que 25% do valor gasto (excepto em ebooks, livros técnicos e escolares) será posteriormente devolvido no Plano Poupança Leitura, uma espécie de conta-corrente atribuída aos clientes registados no site da Wook que permite aceder a vales de desconto em futuras compras. As compras com valores superiores a 14€ poderão ainda usufruir de portes grátis.

Bertrand

A proposta da Bertrand é um pouco diferente: para além de promoções de 20% a 50% em cartão em todos os livros, nos dias 23 e 24 de Abril, foi ainda definida uma listagem de editoras e na compra de qualquer livro dessas editoras, entre os dias 22 e 26 de Abril, recebe-se de oferta outro da mesma editora seleccionado aleatoriamente. Parece excelente, não parece? Pena é que a listagem de editoras não é propriamente a melhor do mundo, mas felizmente inclui a Tinta-da-China, a Presença, a Alfaguara e a Companhia das Letras.

Leya

No site leyaonline.com há pelo menos 10% de desconto em livros comprados no dia 23 de Abril e portes grátis para encomendas acima dos 10€. Para além disso, há ainda uma selecção de mais de 1500 ebooks com 50% de desconto.

Almedina

20% de desconto imediato em todos os livros comprados no dia 23 de Abril, é esta a oferta da Almedina. Simples, não é?

Relógio D’Água

Sem grandes propostas de editoras para este dia (pelo menos até ao momento em que escrevo este post), a Relógio D'Água antecipou-se e revelou o seu lado generoso: entre 23 e 30 Abril oferece 30% de desconto numa lista de 10 livros encomendados no seu site, com portes gratuitos para encomendas acima dos 10€. E se pensam que os 10 livros em causa são obras menores que despertam pouco interesse, estão bem enganados! Ora vejam:

“O Amor de Uma Boa Mulher” de Alice Munro
“Rei, Dama, Valete” de Vladimir Nabokov
“Pnin” de Vladimir Nabokov
”O Grande Gatsby” de F. Scott Fitzgerald
”O Monte dos Vendavais” de Emily Brontë
“As Partículas Elementares” de Michel Houellebecq
“É assim Que A Perdes” de Junot Díaz
“Os Irmãos Karamázov” de Fiódor Dostoievski
“O Jogador” de Fiódor Dostoievski
“A Morte de Ivan Iliitch” de Lev Tolstói


Boas compras e um feliz Dia Mundial do Livro para todos!

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Em estado crítico: “Cem Anos de Solidão” de Gabriel García Márquez


“Ferido pelas lanças mortais das nostalgias próprias e alheias, admirou a impavidez das teias de aranha nas roseiras mortas, a perseverança da cizânia, a paciência do ar no radiante amanhecer de Fevereiro. E então viu o menino. Era uma pele inchada e ressequida que todas as formigas do mundo iam arrastando trabalhosamente para as suas madrigueiras pelo caminho de pedras do jardim.”


Aureliano e Amaranta Úrsula amam-se numa casa vazia. Nas divisões tomadas pela natureza, onde ainda deambulam os fantasmas dos seus antepassados, não restam recordações dos tempos de prosperidade em que a estirpe dos Buendía comandava Macondo, a pequena povoação que José Arcadio Buendía ajudara a construir, e que mais tarde seria visitada por uma família de ciganos que lhes apresentaria o gelo.

Ignorando que são tia e sobrinho, Amaranta Úrsula e Aureliano amam-se, sem que nas suas cabeças ecoem as advertências de Úrsula de que da união de membros da mesma família nascerão crianças com rabo de porco. Entregues um ao outro, olham como uma miragem para as histórias do destemido Coronel Aureliano, que todos pensam ser um mito, mas já não restam nas suas memórias vestígios da infeliz Amaranta que por medo se recusou a viver os grandes amores que a vida parecia disposta a proporcionar-lhe. Aos poucos e poucos esquecem também Remédios, A Bela, sua tia, com a sua nudez inocente e uma existência tão sobre-humana que ninguém se espantou quando levitou em direcção ao céu e se perdeu no infinito azul celestial.

Ao ficarem apenas os dois, Amaranta Úrsula e Aureliano concretizam a solidão da sua linhagem, que anos antes era camuflada pelas múltiplas figuras fortes que habitavam a casa e o ritmo frenético a que se sucediam os acontecimentos marcantes. Uma solidão que é a de quem não é livre para viver uma vida pacata, dominado por vezes por um desejo de viver excessivamente, outras vezes por uma ânsia de descobrir os grandes mistérios da criação do ouro ou de desvendar os pergaminhos deixados por um sábio cigano.

Gabriel García Márquez queria criar um livro que contivesse em si todo o mundo e conseguiu-o. Os cem anos de solidão dos Buendía são um arquétipo dos efeitos do tempo e da evolução histórica. Com as suas personagens com nomes semelhantes, como se cada novo Buendía se escondesse na sombra dos seus predecessores, tentando enganar-nos, é como se García Márquez recriasse o princípio de Lavoisier e a história não fosse mais do que uma constante transformação do já existente, em que as mesmas figuras surgem com pequenas diferenças e os factos do passado se recriam continuamente, numa vertiginosa rota decadente.

Cem Anos de Solidão”, editado em Portugal pela Dom Quixote, é de uma perfeição cristalina. Uma obra esculpida com as memórias da infância de García Marquéz em Aracataca, no mundo místico da casa dos seus avós, em que a cadência narrativa e a gestão da acção revelam os quase divinos talentos do escritor. E como esquecer Rebeca Montiel, a devoradora de terra e de cal das paredes, Pilar Ternera, que das sombras ajudou a moldar a família, Santa Sofia de la Piedad, sempre presente e no entanto quase como se não existisse. José Arcadio, o gigante tatuado que partiu com os ciganos, Aureliano Segundo, o bondoso homem com uma vida dominada pelos excessos, Fernanda del Carpio, a nobre e severa mulher que se correspondia com médicos invisíveis e Mauricio Babilonia, o trágico apaixonado com o seu rastro de borboletas amarelas? Como esquecer a peste da insónia, as infindáveis guerras travadas pelo Coronel Aureliano, a chegada do comboio, a plantação de bananas, a chuva que durou quatro anos, onze meses e dois dias, a entrega de vários membros da família à descodificação dos pergaminhos de Melquíades, Rebeca Montiel velha só numa em casa em ruínas esperando a morte?

As últimas páginas de “Cem Anos de Solidão” são uma ode assombrosa, como se um furacão tomasse conta do mundo e Macondo se preparasse para desaparecer. Chegamos ao fim sem fôlego, fechamos o livro hesitantemente, mas não conseguimos fugir à imagem do ancião José Arcadio Buendía preso à árvore. Perdido no seu mundo, talvez pensando sobre o destino da sua família. Só, como convém a um Buendía.

Classificação: 20/20

terça-feira, 21 de abril de 2015

Em estado crítico: “O Amor nos Tempos de Cólera” de Gabriel García Márquez


Dúvidas. Tenho muitas dúvidas. Termino a leitura de “O Amor nos Tempos de Cólera”, editado em Portugal pela Dom Quixote, e questiono-me se o amor é mesmo uma das peças centrais deste livro. Vejo nele mais de obsessão e entrega resignada do que de amor, o que é estranho quando deveríamos estar na presença de uma das grandes histórias de amor da literatura.

Com amor ou sem ele, o que não há certamente é romantismo neste livro. Mesmo um acto como a escrita contínua de cartas sem obter resposta (algo recorrente nos livros de García Márquez) torna-se questionável quando falamos de duas pessoas que na verdade não se conhecem, que raramente se viram, e que pouco ou nada sabem um do outro. Fermina Daza e Florentino Ariza são dois estranhos, o que me leva a pensar que o que Florentino ama é a ideia de amar Fermina. De resto, é recorrente no livro que os acessos de amor adquiram características de doença, febres e vómitos que mais parecem uma manifestação de cólera do que amor. Talvez o amor seja uma espécie de cólera, talvez…

Inspirado na história de amor dos seus pais, Gabriel García Márquez relata-nos uma longa e extenuante dança entre Fermina Daza e Florentino Ariza, que culminará quando já velhos se reencontrarem. No dia que Juvenal Urbino morre, Florentino aproveita a condição de viúva de Fermina para uma última tentativa, como se os longos anos que os levaram àquele momento fossem apenas uma preparação para o que o futuro lhes reservava.

Velhos, juntam-se resignadamente na sua destruição. Mas não é um novo começo que temos, mas sim um fim suspenso, e talvez seja esse um dos problemas de “O Amor nos Tempos de Cólera”, o preparar-nos para um grande amor que nunca se concretiza. Para uma história de tão grande fulgor, faltam-lhe intensos rasgos emocionais, nunca saindo de um decepcionante estado morno bem patente na desistência final em enfrentar o mundo.

Quando Gabriel García Márquez diz que “O Amor nos Tempos de Cólera” é o seu livro que ficará, o melhor que produziu, e sabendo nós que existe “Cem Anos de Solidão”, é impossível não partir para a leitura deste livro com elevadíssimas expectativas. E é difícil conseguirmos depois olhar para ele sem o associar à desilusão. Não me entendam mal: “O Amor nos Tempos de Cólera” é um bom livro, mais um exemplo do incomensurável talento narrativo de García Márquez, cheio de personagens e pequenas histórias interessantes, mas que empalidecem por comparação a “Cem Anos de Solidão”, sem serem capazes de igualar a sua carga simbólica. Um bom livro, sem dúvida, mas apenas isso.

Classificação: 16/20

domingo, 19 de abril de 2015

Em estado crítico: “Crónica de uma Morte Anunciada” de Gabriel García Márquez

“No dia em que iam matá-lo, Santiago Nassar levantou-se às 5h30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava uma mata de figueiras-bravas, onde caía uma chuva miúda e branda, e por instantes foi feliz no sono, mas ao acordar sentiu-se todo borrado de caca de pássaros.”


Enunciar de forma banal factos que irão ocorrer no futuro é um recurso comum no realismo mágico e uma característica que sempre me espantou. Quando menos esperamos, sem que tenha havido um cuidado em preparar-nos para o que vai acontecer, lemos uma frase lacónica que nos revela o destino de uma personagem, muitas vezes a sua morte, várias páginas antes de se concretizar. “Crónica de uma Morte Anunciada”, editado em Portugal pela Dom Quixote, leva esse conceito ao extremo ao revelar-nos na primeira frase a morte de Santiago Nassar. E se a primeira frase deixa uma margem mínima para a dúvida, Gabriel García Marquéz assegura-se o que o leitor não sai do primeiro capítulo sem certezas. “Já o mataram”, assim termina a primeira parte desta crónica.

O livro não se foca portanto no que vai acontecer, o leitor não percorre as páginas antevendo um final porque o conhece de antemão. A ideia é outra, a de estimular o interesse pela revelação dos detalhes que levaram aos acontecimentos. Há por isso um relato factual, sem espaço para grandes considerações morais ou de enquadramento. Aos poucos vamos sabendo que Santiago Nassar foi morto pelos irmãos de Angela Vicario, cujo casamento com Bayardo San Román se deu no dia anterior. Na noite de núpcias Bayardo descobre que Angela já não é virgem e devolve-a à casa da sua família e Angela, pressionada a nomear o homem que a desonrou, profere o nome de Santiago Nassar.

Nunca saberemos se a sua acusação é verdadeira. O que se torna óbvio é que há dois elementos a conspirarem contra Santiago Nassar: a honra e o destino. A noção de honra é uma das forças propulsoras que conduzem a narrativa ao seu cenário final. Os irmãos de Angela agem sem estar dominados por uma vontade de vingança e tomam todas as providências para que a morte de Santiago possa ser evitada. Esperam-no num local público, informam todos sobre as suas pretensões, rogando no seu íntimo que alguém o avise atempadamente e possam sair daquela situação com a honra da sua família intacta e Santiago com a sua vida.

O desejo dos irmãos de Angela de que algo os impeça de executar aquilo que a sociedade espera deles esbarra com uma força demolidora: o destino. Santiago tem as probabilidades a seu favor, mas o destino procura vorazmente a sua morte e assegura-se que todos os passos que dá sejam os errados e que o conduzam às facas empunhadas pelos irmãos de Angela. Num golpe de má sorte, quando se encontra a poucos metros de entrar na sua casa e escapar aos seus assassinos, a porta é fechada pela sua mãe que o crê em casa e que pensa estar assim a evitar que os homens o encontrem. Plácida Linero determinará com esse gesto o fatal destino do seu filho.

A morte de Santiago Nassar torna-se ainda mais cruel quando descobrimos que anos mais tarde Angela e Bayardo se reencontram e vivem por fim o seu amor. Para trás fica um rastro de cartas por ler,que Angela endereçou a Bayardo durante anos, e a desnecessária morte de um homem condenado pelo destino e não pelos actos.

Gabriel García Márquez consegue transformar uma história simples num livro marcante para todos os que o leiam, em grande parte pela mestria com que nos conta a história, com que manipula a narrativa para que vivamos a mesma história de diferentes ângulos. Revela-nos prontamente a morte de Santiago Nassar porque tem a força de um facto, embora não tenha ainda acontecido. No fim, os homens são sempre fracos perante o fado caprichoso que os domina.

Classificação: 18/20

sexta-feira, 17 de abril de 2015

1 ano sem Gabriel García Márquez

 

A 3 de Abril de 2014, na Fundação José Saramago, teve lugar o lançamento de “Biografia Involuntária dos Amantes” de João Tordo. O ambiente estava leve e descontraído até Pilar de Río ter sido avistada entre o público e mencionada por um dos oradores. Pilar aproveitou a oportunidade para dirigir ao público algumas palavras e gerou grande agitação quando nos informou que García Márquez fora hospitalizado e se preparava para morrer, desejando-lhe uma boa travessia. Gabriel García Márquez não morreu no dia 3 de Abril, na verdade nem no dia 4, nem no dia 10 sequer, e à medida que os dias se sucediam e nada acontecia, não pude resistir a algumas piadas inspiradas na ironia de uma viúva de um homem idoso, que foi dado como certamente morto várias vezes antes de ter morrido de facto, se ter apressado a decretar a morte de outro escritor...

No dia 17 Abril aconteceu por fim o momento temido e García Márquez morreu. Há exactamente 1 ano. Na altura não era um autor que me fosse particularmente próximo. Li “Cem Anos de Solidão” há alguns anos, ainda bastante novo, e tendo gostado muito, parece-me que a falta de maturidade enquanto leitor me impediu de vivenciar o livro em toda a sua complexidade. Fui adiando nos anos seguintes um regresso a García Márquez, mas no início deste ano decidi que era tempo de tirar a prova dos nove e avançar destemidamente para leitura de dois dos seus mais notáveis livros, “O Amor nos Tempos de Cólera” e “Crónica de uma Morte Anunciada”, e de honrar “Cem Anos de Solidão” com uma merecida releitura.

Curiosamente, embora “Cem Anos de Solidão” seja o livro central da obra de García Márquez, “O Amor nos Tempos de Cólera” era o livro que acreditava ser o mais significativo e aquele que permaneceria como testemunho das suas capacidades enquanto escritor. Teria Gabriel García Márquez razão, e meio mundo apaixonou-se pelo livro errado? É “O Amor nos Tempos de Cólera” um livro melhor do que “Cem Anos de Solidão”? Ficarão a conhecer a minha opinião em breve.


Um continente chamado Aracataca


Para García Márquez tudo começou na casa dos seus avós em Aracataca. A mágica casa habitada por múltiplas figuras femininas e pelo imponente avô. Uma casa em que a magia era um elemento quotidiano, uma presença constante nas histórias que as mulheres da casa lhe contavam, uma ameaça nas figuras fantasmagóricas dos santos em tamanho real iluminados por velas no quarto em que dormia.

Foi a esse mundo primordial, em que os limites do real eram continuamente testados, que Gabriel García Márquez foi buscar a inspiração para os seus livros. Numa entrevista concedida à Paris Review em 1981, pouco tempo antes de vencer o Nobel da Literatura, García Márquez dizia: “diverte-me sempre que o maior elogio ao meu trabalho seja pela imaginação, quando a verdade é que não há na minha obra uma única linha cuja base não tenha sido a realidade. O problema é que a realidade Caribenha se parece com a mais intensa imaginação.”

Mas essa realidade atípica tem uma certa carga de maldição e, na Nobel Lecture que proferiu quando recebeu a mais alta distinção do mundo literário, García Márquez não pôde deixar de realçar que “poetas e pedintes, músicos e profetas, guerreiros e canalhas, todas as criaturas dessa realidade incontrolável, não necessitamos de muita imaginação, pois o nosso problema crucial tem sido uma falta de meios convencionais para tornar a nossa vida convincente.”

Com um inegável talento de narração, García Márquez converteu a imaginação que o rodeava numa obra literária lida e elogiada em todo o mundo, assegurando um lugar para o seu nome entre os maiores escritores de todos os tempos. E para comemorar a sua obra, nos próximos dias vou falar-vos dos três livros do autor que li recentemente. Quem me acompanha nesta viagem?

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Discurso Directo: Günter Grass, o lúcido


"A literatura, enquanto método de trabalho, não pode ser acelerada. 
Se se o fizer é à custa da qualidade."

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Os 11 melhores livros infantis publicados em inglês


A BBC Culture, após ter apresentado a sua lista de melhores livros em inglês do séc. XXI, centrou-se agora na literatura infantil para definir que 11 livros clássicos publicados em inglês representam o melhor que este segmento tem para oferecer e continuarão a influenciar gerações futuras. Mais uma vez a lista foi criada com base nas opiniões de prestigiado grupo de crítico, no qual estavam representados o Sunday Times, a Time e a NPR. E o resultado foi…


11º “Little House on the Prairie” de Laura Ingalls Wilder













10º “Um Atalho no Tempo” de Madeleine L'Engle













9º “A Wizard of Earthsea” de Ursula K Le Guin













8º “Charlie e a Fábrica de Chocolate” de Roald Dahl













7º “Winnie-the-Pooh” de A. A. Milne













6º “O Principezinho” de Antoine de Saint-Exupéry













5º “Mulherzinhas” de Louise May Alcott













4º “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll













3º “Onde Vivem os Monstros” de Maurice Sendak












2º “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa” de C.S. Lewis













1. “Charlotte’s Web” de E. B. White














Uma lista ecléctica e polémica, com livros publicados entre 1865 e 1968. Confesso que esperava encontrar "Peter Pan and Wendy" de J. M. Barrie neste grupo, mas já se sabe que nestas andanças das listas bastam duas pessoas para termos duas listas diferentes.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Em estado crítico: “Contos Completos - Quase Sem Memória” de Lydia Davis


O desafio de escrever pequenos contos em que o significado complexo e a profundidade emocional extravasam em muito o número de caracteres usado faz de Lydia Davis uma escritora muito particular. Não que seja sempre bem-sucedida, e “Quase Sem Memória” está repleto de exemplos em que não o é, mas nos momentos em que tudo se alinha geram-se momentos de um grande fulgor literário, em que nos espantamos por alguém conseguir fazer tanto com tão pouco, produzir em poucas páginas o que muitos não conseguem em romances longuíssimos.

“Quase Sem Memória” vive do presente, da emoção momentânea, de uma espécie de entrega inconsequente aos impulsos. Não há pretensões de tentar perceber, de colocar factos em perspectiva. Não há passado, há o agora e isso basta. “Carne, o Meu Marido” é disso um excelente exemplo, sendo um ilustre representante dos contos de mulheres psicóticas, uma categoria em que Davis é mestre. O conflito base é simples e do mais mundano que pode haver: uma mulher que quer impor as suas escolhas gastronómicas saudáveis ao marido e que se ressente pela sua falta de entusiasmo. Apesar de a mulher saber de antemão quais as preferências do marido e que aquilo que lhe quer impor as viola por completo, jamais há uma atitude de compreender a perspectiva do marido e pensar que naquele caso talvez seja ela o elemento pouco sensível. Para ela o que importa é que ele não gosta do que ela lhe quer impor e isso tolda qualquer visão racional sobre o tema, chegando ao ponto de achar que ele só não gosta das suas propostas culinárias porque partem dela, havendo portanto uma animosidade inconfessável em relação a si.

“Jack no Campo” é um divertido exemplo da dedicação a intensas emoções espontâneas, em que o mero acto de Henry, que ocasionalmente encontra Jack na rua, lhe perguntar por Laura gera uma série de mal-entendidos, sem que ninguém nunca tente perceber o que se passa. Num jogo de palavras em que os nomes de Henry, Jack, Ellen e Laura são constantemente repetidos ao longo das poucas linhas que constituem o conto, manifesta-se a irritabilidade e o carácter complexo das intensas emoções envolvidas numa história que de facto não tem importância nenhuma.

Um dos melhores contos deste conjunto é sem dúvida “Os Ratos”, curiosamente um dos mais pequenos, porque é um arquétipo do conto de Lydia Davis. De um bom acontecimento, os ratos não atacarem a casa do narrador, gera-se um mau sentimento: porque não atacam a sua casa e atacam a do vizinho? Ainda por cima a casa do vizinho está mais limpa! A opção aparentemente benéfica dos ratos converte-se num símbolo de desdém, quase como se houvesse uma decisão racional, um desejo intencional de os desprezar. A inveja e a mania da perseguição são elevadas a um extremo de loucura.

Num registo já bastante diferente, mas também muito interessante, “As Bisavós” é um conto mais surrealista em que, ao se esquecerem das bisavós a apanhar Sol, as encontram metamorfoseadas, como se fossem uma substância e não seres vivos. Tudo apresentado numa perspectiva meramente descritiva, sem qualquer tipo de emoção ou sentimento de estranheza.

Há outros contos bons em “Quase Sem Memória”, o segundo livro integrado nos “Contos Completos” editados em Portugal pela Relógio D’Água. Infelizmente há também muitos contos irrelevantes e, pior do que isso, muitos contos que se esgotam em jogos de palavras, um esquema que Davis usa frequentemente e que consiste em repetir frases semelhantes mas com alterações que lhes transformam o sentido. Por isso “Quase Sem Memória” não é um livro incontornável, embora o sejam alguns dos seus contos.

Classificação: 14/20


(Este é o segundo de uma série de quatro artigos sobre “Contos Completos” de Lydia Davis, pulicado em Portugal pela Relógio D’Água. Cada artigo incidirá sobre um dos livros individuais contidos nesta colectânea, tendo “Acerto de Contas” sido o centro do primeiro artigo.)

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Cheiro a livro novo – Março de 2015


Com a chegada da Primavera parece que veio também um renovado vigor para as editoras, que nos ofereceram bastantes novidades e diversificadas. Mas primeiro que tudo tenho de assinalar a chegada às livrarias dos primeiros livros da nova Livros do Brasil, para já 9 (“O Adeus às Armas”, “Paris é uma Festa” e “Na Outra Margem, Entre as Árvores” de Hemingway; “Mrs Dalloway” de Virginia Woolf; “As Vinhas da Ira”, “O Inverno do Nosso Descontentamento” e “A Pérola” de Steinbeck; “Música para Camaleões” de Truman Capote; e “A Condição Humana” de André Malraux), estando previstos para breve mais 3 títulos.

Em termos de literatura em língua portuguesa, o acontecimento do mês tem de ser publicação pela Tinta-da-China de “Gente Melancolicamente Louca” de Teresa Veiga, o primeiro livro da autora em vários anos. Também a Glaciar nos deu motivos para celebrar com a edição de “O Ateneu” de Raul Pompeia, mais um clássico brasileiro integrado na colecção Biblioteca da Academia. E termino os destaques de autores lusófonos com a menção a “Presa Comum”, o primeiro livro de Frederico Pedreira na Relógio d’Água, depois da atenção que captou com “Um Bárbaro em Casa”, editado no ano passado pela Língua Morta.

Os autores premiados estão bem representados nas novidades de literatura estrangeira, começando por Richard Flanagan e “A Senda Estreita para o Norte Profundo”, o mais recente vencedor do The Man Booker Prize, editado pela Relógio d’Água, que também nos traz “O Buda dos Subúrbios” de Hanif Kureishi, vencedor do Prémio Whitbread para Melhor Primeiro Romance em 1990.

Quanto a Prémios Nobel, a Presença continua a apostar em Toni Morrison com a publicação de “A Nossa Casa é Onde está o Coração”, e a Quetzal faz o mesmo com V. S. Naipaul e a edição em português de “O Enigma da Chegada”. A Quetzal regressa ainda a outro autor habitual, Roberto Bolaño, com “Noturno Chileno”.

Aproveitando a polémica em torno do último livro de Michel Houellebecq, a Alfaguara faz chegar aos escaparates “Submissão”, e a Jacarandá edita “O Assassinato de Margareth Thatcher” de Hilary Mantel, livro que inclui o conto que dá nome ao livro e que gerou uma enorme polémica em Inglaterra no ano passado.

Mantendo a tradição de terminar com a não ficção, destaque para 2 livros: “1915 - O Ano do Orpheu”, organizado por Steffen Dix, que propõe uma reflexão sobre a revista Orpheu através da perspectiva de diferentes autores; e “Tratado Sobre a Tolerância” de Voltaire, cujas conclusões partem da execução Jean Calas pelo poder judicial, quando a sua inocência parecia provada, apenas por pressão popular.