Um pequeno recital de poesia a assinalar o Dia Mundial da
Poesia que hoje se comemora. E para mim, nos últimos tempos, poesia tem sido
sinónimo de Adília Lopes, uma figura que me tem fascinado pela simplicidade
aparente dos seus poemas, quase ingénuos, e pela sua existência num mundo tão
distante do nosso, de olhares bucólicos para um tempo que passa devagar.
sábado, 21 de março de 2015
quinta-feira, 19 de março de 2015
O que é que a Granta tem: “Híma” de Luísa Costa Gomes
Um curto conto moral em que Luísa Costa Gomes nos relata a
saga da construção de um barco na Islândia, em que as múltiplas peripécias se
apresentam como uma força incontornável do destino empenhada em contrariar as
vontades dos homens. No pólo oposto os cavalos islandeses que enfrentam as
intempéries baixando a cabeça e fincando os cascos no chão, personificando o Híma,
a espera resignada mas firme.
terça-feira, 17 de março de 2015
Ler o último livro de Saramago
Saramago merece que respeitemos a sua obra. Mas, ao
contrário do que muitos pensam, respeitar a obra de um grande autor não é
elogiá-la ou adoptar uma postura devota. Respeitar um autor é lê-lo,
criticamente, sem condescendências, e partir dessa base para uma análise fundamentada. Infelizmente parece-me que não foi esse o
tratamento dado a “Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas”, o livro
inacabado em que Saramago trabalhava quando morreu.
Pouco depois de o livro ter sido publicado pela Porto Editora formaram-se duas
correntes antagónicas, mas igualmente perversas. De um lado os detractores de
Saramago e os que não se deram ao trabalho de ler o livro, preferindo
apelidá-lo de engodo meramente com base em questões de formato. Só três capítulos? Com
letra enorme, ainda por cima? Para quê os destaques a vermelho no texto, que se
intrometem na experiência do leitor? Para quê as ilustrações? Os textos do
Fernando Gómez Aguilera e do Roberto Saviano são só para encher? E em
todas estas questões, que na altura foram feitas, de tudo se falou menos do
conteúdo do texto.
Do outro lado os fãs incondicionais de Saramago, que
irresponsavelmente se apressaram a considerar “Alabardas” um exemplo de Saramago
no seu melhor, havendo mesmo quem o classificasse como um dos melhores livros do
ano. Rapidamente surgiram pontes que ligaram as personagens de “Alabardas” às
figuras de proa da mitologia Saramagiana, sem perceberem que o principal prejudicado
é Saramago, que colocar “Alabardas” ao nível dos seus melhores livros é colocar
em causa a qualidade de uma obra tão arduamente construída.
Como de costume, é no meio que está a virtude, e é algures
no meio que me encontro. A componente estética do livro não me incomoda. É um
livro de homenagem, parece-me normal e até interessante esta tentativa de repensar
o grafismo. E por princípio as ilustrações e os textos extra não violam
a minha consciência de leitor. Mas na prática desiludiu-me o carácter algo
aleatório das ilustrações, cuja ligação ao texto me pareceu bastante forçada. E
mais me desiludiram os textos de Aguilera e de Saviano. O primeiro por repetir
ipsis verbis as notas deixadas por Saramago que são apresentadas nas páginas
anteriores. Para quê repetir algo que se acabou de ler? E Aguilera não resiste
a comparar Felícia, a mulher do protagonista, a Blimunda, o que eu
classificaria como um acto criminoso. O texto de Saviano é mais interessante,
mas também não se coíbe de elevar Artur Paz Semedo a um estatuto que o pouco
que Saramago escreveu não nos permite considerar razoável.
Mas o problema de base é que “Alabardas” não é um livro, é
um projecto, e é dessa forma que deveria ser tratado. Nos três breves capítulos, Saramago tem tempo para pouco mais do que posicionar as peças no tabuleiro,
criando os primeiros alicerces da narrativa. Tentar deste esqueleto inferir significados
é um exercício especulativo. A ideia base de Saramago é muito interessante,
explorar o porquê de nunca ter havido uma greve na indústria do armamento, mas
não é claro de que forma pretendia analisar a questão. O que chegou até nós é um homem curioso, que se propõe investigar qual o posicionamento da
fábrica em que trabalha nos principais conflitos armados do século XX. Apenas
isto. Uma visão desapaixonada e sem uma moral última, que viria a ter
certamente, mas que não houve tempo de construir.
A sensação de falta de tempo é aliás algo que transparece
muito na escrita. Saramago que costuma respirar pausadamente, caminhando num
passo firme e sereno, com uma noção de ritmo e uma gestão da narrativa
irrepreensível, é em “Alabardas” um escritor apressado, que cavalga de frase
em frase, com reminiscências do seu estilo oracular, mas com passagens abruptas
e muitas palavras que ficam por dizer.
E chegamos ao momento em que a pergunta se impõe: “Alabardas”
deveria ter sido publicado? Todos conhecem as minhas reservas quanto a obras póstumas e, se me coubesse a decisão, possivelmente não o teria feito. Mas
percebo as motivações dos herdeiros que quiseram trazer à luz do dia uma obra
que Saramago temia nunca chegar aos leitores, especialmente pelo debate que
poderia promover. Proporcionar uma discussão alargada sobre a temática da
guerra é uma boa e merecida homenagem a Saramago, e por isso acho que a
publicação valeu a pena.
quarta-feira, 11 de março de 2015
Contando contos de Edgar Allan Poe: “O Embuste do Balão”
Poe parece ter uma obsessão com balões. Depois de em “A Aventura Sem Paralelo de Um Tal Hans Pfaall”, a história que abre "Todos os Contos", nos relatar uma falsa viagem de
balão que teria levado Hans Pfaall à Lua, decide agora ver se acreditamos que
em 1844 um balão atravessou o Atlântico em 75 horas, num embuste com direito a
publicação no New York Sun.
Rico em pormenores técnicos, na verdade “O Embuste do Balão”
pouco mais é que uma versão simplificada de “A Aventura Sem Paralelo de Um Tal
Hans Pfaall”. Até mesmo a base para a narrativa - um diário mantido durante a
viagem – é a mesma em ambas as histórias. Nem sequer a viagem em si é
particularmente excitante. É tudo muito fácil, muito sereno, muito rápido. Há
portanto pouco que possa ser dito sobre o valor literário deste artigo.
O facto mais curioso talvez seja que apenas em 1978 seria
completada a primeira travessia do Atlântico por balão, pelo Double Eagle II, demorando mais de 137
horas. Poe era afinal um optimista!
terça-feira, 10 de março de 2015
Em estado crítico: “Dora Bruder” de Patrick Modiano
Recordaremos Dora Bruder? Olharemos para as ruas que ela
percorreu e veremos a sua sombra a projectar-se nas paredes, as suas passadas
adolescentes a dançarem sobre as pedras da calçada? Sentiremos a sua presença e
sem a ter visto saberemos quem ela é?
A ideia de que Modiano partiu para criar “Dora Bruder”
reserva em si uma perfeição serena, a verdadeira essência da memória e da
tentativa de recuperar os mundos que se perderam na voracidade do tempo. Um
homem, o narrador do livro, lê num jornal antigo um anúncio em que os pais de
Dora Bruder procuravam a sua filha desaparecida e decide tentar descobrir quem
é aquela rapariga de 15 anos e que sorte lhe estava reservada. Não é em Dora
Bruder que o livro se centra, nem no narrador, quanto muito será na procura em
si, com o narrador a permanecer quase sempre distante, escudado nos relatos
factuais das poucas descobertas que vai fazendo.
Ao investigar percebe que alguns locais de Paris que
fizeram parte da vida de Dora, foram também ruas percorridas por si, casas
para que olhou diariamente, sítios que tão bem conhece, sentindo a melancolia
de quem passou por aqueles espaços desconhecendo a sua história. A nostalgia de
perceber que os locais sobreviverão sem memórias de quem os habitou, como se
sempre tivessem permanecido vazios antes de entrarem na nossa vida.
Pouco ficaremos a saber do narrador. Há uns breves relatos
sobre o seu pai, que o abandonou na juventude e que nunca viria a reencontrar.
Nesta história, neste desaparecimento do pai, podemos antever as motivações
para descobrir o que aconteceu a alguém que, em vez de procurar os pais, era
procurada por eles. Mas a verdade é que Modiano não nos alimenta essas
interpretações, não as impede, mas certamente não nos dá material suficiente para
as sustentarmos.
É aliás esse o problema de “Dora Bruder”: o quão desconstruída
é toda a narrativa. Modiano apontou para a simplicidade, mas exagerou e caiu no
simplismo. “Dora Bruder”, partindo de uma ideia genial que tinha tudo para
gerar um livro que, ao contrário da rapariga que lhe deu o nome, perdurasse,
acaba por ser pouco mais do que meia dúzia de factos recolhidos e apresentados
de forma muito ligeira, como se estivéssemos a ler as notas despreocupadas no
caderno pessoal de um investigador.
Para não esquecermos “Dora Bruder” precisávamos de mais. Precisávamos
de um momento de génio que resgatasse o livro de uma existência tão ténue que
quase nos desaparece nas mãos. Modiano não me convenceu desta vez.
Classificação: 13/20
Nota: este livro foi editado originalmente em Portugal pela Edições ASA (sendo essa a minha edição), mas o livro foi recentemente republicado pela Porto Editora.
quinta-feira, 5 de março de 2015
Cheiro a livro novo - Fevereiro de 2015
Fevereiro é o mês do amor e o Cupido deve ter feito das suas e entretido os editores nacionais, sobrando-lhes pouco tempo para nos trazerem novos livros. Mas, não sendo uma amostra extensa é certamente interessante.
A Cavalo de Ferro focou-se em autores premiados e, de uma
assentada, publicou “O Livro de Jón” de Ófeigur Sigurðsson, vencedor do Prémio
da União Europeia para a Literatura, e “Thérèse Desqueyroux” uma das obras-primas
da literatura do séc. XX e o livro mais proeminente do Prémio Nobel François
Mauriac. Também a Sextante se manteve no mundo dos prémios, mais concretamente
do Goncourt, editando o romance que recebeu o maior galardão da literatura
francesa em 1956: “As Raízes do Céu” de Romain Gary.
Mas o principal lançamento do mês é uma surpresa, vindo inesperadamente
de uma editora do Grupo Leya, cujo estado moribundo é já difícil de esconder. A
Caminho traz-nos então a trilogia de Alves Redol que se desenrola na região
vinícola do Alto Douro - o “Ciclo Port Wine” – e que é composta pelos romances “Horizonte Cerrado”, “Os Homens e as Sombras” e “Vindima de Sangue”.
Mantendo-nos na literatura em língua portuguesa, “O Irmão Alemão” de Chico Buarque foi a obra escolhida para apresentar a Companhia das
Letras ao mercado nacional, esperando-se para breve mais novidades editoriais.
domingo, 1 de março de 2015
A dependência dos livros - edição Fevereiro de 2015
Proporcionalmente à pequenez de Fevereiro, as minhas compras
do mês foram menores do que habitualmente. Mas, fazendo jus à
sabedoria popular, quantidade não é qualidade, e estou muito contente com os
livros que comprei.
Aproveitando os saldos da Wook, em que alguns livros estavam
com 50% de desconto, comprei o “Travessa d’Abençoada” de João Bouza da Costa,
vencedor do Prémio PEN Narrativa, e também “Falconer” de John Cheever, que já
estivera várias vezes na eminência de entrar para a minha biblioteca.
A Fnac parece empenhada em manter a excelente tradição de ter
48h dedicadas a uma editora, com uma selecção de livros com 50% de desconto. A
Teorema foi uma das editoras reverenciadas com esta promoção em Fevereiro (a
Relógio d’Água também o foi, mas numa altura em que o orçamento mensal estava
já moribundo!) e após alguma ponderação optei por “O Mal de Montano” de Enrique
Vila-Matas, considerado um dos melhores romances em espanhol do século XXI.
Para terminar, e assinalando a recente proximidade a que me
encontro diariamente de uma Bulhosa, comprei um exemplar sobrevivente de “O
Vice-Cônsul” de Marguerite Duras, editado pela falecida Difel. Depois de vários
anos de namoro, finalmente tenho-o na minha prateleira!
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