Imaginem-se num país estranho. O chão parece todo coberto de mármore rosa, mas quando olham de perto percebem que são reles placas de vinil pintadas. E pensam “onde está o reino de mil maravilhas que me foi prometido?”. Rumam sem rumo, procurando algo que faça a viagem valer a pena. De repente dão por vós junto a uma escadaria enorme, íngreme, com minúsculos degraus. A sinalética indica que no topo da escadaria há um restaurante paradisíaco, digno de receber os deuses sedentos de ambrosia. A custo, decidem subir, e vão andando e andando, já vos dói os calcanhares, escorregam uma série de vezes, quase desistem a meio e, quando já as últimas forças vos abandonavam, chegam ao topo. E à vossa espera… a maior chafarica de sempre! Cadeiras velhas e desconfortáveis, baratas pelo chão, com sorte comem um prego de pão duro e carne cheia de nervo. Para mim ler Lobo Antunes foi isto.
Li o “Exortação aos Crocodilos” há 7 anos. Foi-me oferecido por uma grande amiga, a Sílvia, que coitada mais não fez do que satisfazer um desejo meu e é em nome dela que aceito que este livro permaneça sob o meu tecto. Para perceberem a dimensão da desgraça, ia eu na página 200 quando me apercebi que as narradoras do livro eram 4 mulheres e não apenas 3 e segui em frente, como se nada fosse, nem sequer ponderando voltar ao início. O estilo de escrita, muito baseado em vozes que se emaranhavam, em constantes movimentos de aproximação e afastamento, até me pareceu interessante, mas noutro contexto. Não ali. Tudo era tão estéril, tão masturbatório… Mas mantive-me fiel ao meu princípio de dar uma segunda hipótese a escritores e predispus-me a voltar a Lobo Antunes no futuro. Com esse objectivo em mente, há dois anos comprei na Feira do Livro o “O Manual dos Inquisidores” e coloquei-o em lista de espera, sem pressa.
Cruzei-me pouco com Lobo Antunes nestes anos. Fui ouvindo algumas declarações dele, polémicas por norma, mas já conhecia a sua fama de quando passei pelo Cenjor e uma entrevista que lhe foi feita pela Isabel Stilwell, penso eu que para o Diário de Notícias, era apresentada como exemplo do que não fazer. Mas foi no início deste ano, também por causa da Sílvia, que me ofereceu o “Os Escritores (Também) Têm Coisas a Dizer”, que voltei a contactar com Lobo Antunes mais de perto. A entrevista dele ao Carlos Vaz Marques incomodou-me, mas segui em frente, e até já estava convencido a ler o “Explicação aos Pássaros” quando li há poucas semanas outra entrevista de sua excelência no Diário de Notícias, que eu qualificaria como uma das coisas mais lamentáveis de sempre. Não por culpa do jornalista, coitado, que depois deve ter sido colocado a soro para limpar o organismo (um banho de salva, também não era mal pensado). Tanto disparate, tanta arrogância, tanta maldade proferida por alguém que diz considerar a bondade aquilo que mais admira nas pessoas. E assim fui empurrado para uma resolução: expurgar Lobo Antunes da minha vida. Não, não voltarei a ler Lobo Antunes. Já doei o “O Manual dos Inquisidores” a uma amiga. E passei estas semanas a recolher pérolas desta pessoa adorável para fundamentar a minha decisão.
Atenção: isto não quer dizer que eu considere que temos de gostar do escritor para gostar da obra, por norma a figura do escritor é-me indiferente, mas o Lobo Antunes esgotou a minha paciência e não quero perder mais tempo com ele. Prossigam neste texto por vossa conta e risco. Se são sensíveis a incoerências, ao chico-espertismo e carícias ao próprio ego fujam já, que o que se segue não é bonito.
A genialidade humilde do melhor de sempre
Lobo Antunes acha-se uma pessoa desinteressante. Ele não importa nada, o que importa são os livros. Mas os livros, é impossível falar deles. Ora, o que fazer então quando o autor não interessa e não se pode falar dos livros? Alguns de vocês, maldosamente, pensarão em “estar calado”, mas há que desafiar essas imagens feitas e falar desalmadamente, ter quase um guião montado que se repete de entrevista em entrevista. Dizer que se detesta entrevistas em entrevistas dadas no espaço entre entrevistas. Falar, falar, falar.
E porque os livros valem por si, e não precisam de mais nada, façam-se vídeos promocionais. Em que o autor se senta naturalmente junto a um piano, um candeeiro e um poster, que por acaso ali se encontram, e fala acompanhado por uma toada melancólica, risos em câmara lenta, citações e palavras que surgem para logo se desvanecerem. E viva a literatura pura!
Numa entrevista publicada na Única em 2010, Lobo Antunes falava do início da sua vida como escritor. “Ao contrário da minha família, que pensava que eu ia acabar na miséria, a vender pensos rápidos, eu tinha a certeza que não. Estava seguro do meu génio. Era uma coisa que não oferecia qualquer discussão.” Confiante o jovem Antunes, que há umas semanas afirmava no Público que “todo o escritor se acha o melhor senão não vale a pena escrever. Para não ser o melhor não vale a pena”, questão que felizmente para ele não é um problema, que sem pejo nenhum disse, numa entrevista à Fátima Campos Ferreira emitida pela RTP, “eu acho que sou o melhor”.
Mas se pensam que esta atitude revela falta de modéstia estão completamente enganados. Vejam bem, também na entrevista da Única, Lobo Antunes dizia: “Vou ficar. Estive a ler o texto de um crítico do "El País" que diz que daqui a cinco mil anos vou ser lido com paixão. Acho que ele tem razão.” No fundo é apenas uma vontade muito grande de não contrariar um crítico do El País, é um gesto de generosidade. Mas espera lá… o Lobo Antunes de 2014, no Diário de Notícias, quando confrontado com a excelente recepção que tem por parte da crítica portuguesa, e não apenas da internacional, não disse “não estou a falar em crítica de jornal, impressionista, mas da séria”? Estou algo confuso! Então a crítica em jornais é má, mas se for no El País a louvar o escritor já é boa? Mas se for em Portugal, com o mesmo louvor, já é má? E se não for a louvar, no estrangeiro? Muitas questões, cujas respostas estarão certamente nas múltiplas vozes que ecoam na cabeça de Lobo Antunes.
Se há coisa que Lobo Antunes faz questão de dizer é que tem muito orgulho de ser português. E do que é que ele não tem orgulho? Da literatura portuguesa. “Porque é que a literatura portuguesa é tão má?”, dizia este grande nacionalista na entrevista ao Público. E na entrevista ao Diário de Notícias que motivou este meu artigo há a menção a Eça e Camilo como “pigmeus”, isso mesmo, autores sem capacidade de competir com os seus contemporâneos estrangeiros. Eu acho que o Lobo Antunes devia tomar um banho de álcool e fazer um jejum mínimo de uma semana antes de sequer mencionar os nomes de Eça e Camilo, mas quem sou eu!
Mas há algo que o Lobo Antunes gosta mais de fazer do que criticar os outros. Diz-se que a vida é feita de equilíbrio, e de facto uma pessoa tão rigorosa e exigente com os outros terá depois dificuldades em aplicar os mesmos padrões a si próprio (vá, vamos fingir que acreditamos nisto). O auto-elogio é uma das artes Lobo Antonianas, geralmente atribuído a outra pessoa e proferido com aquele ar de enfado que é um dos charmes de tão prestigiada figura. “O Christian Bourgois editor francês da obra de Lobo Antunes, com quem não falava de livros, escreveu-me uma carta, antes de morrer, em que diz: "Tu és meu irmão e não há escritor no mundo que admire tanto." Nunca me tinha dito isto. Era um homem que parecia seco, mas por baixo dessa frieza aparente havia um calor humano extraordinário”, revelava humildemente à Única, com o bónus da falar de si na 3ª pessoa, o que se compreende perfeitamente porque o homem é uma instituição. Em várias entrevistas esse mesmo tipo de admiração é atribuída a Cardoso Pires, Eugénio de Andrade e Jorge Amado. Curiosamente são sempre pessoas que morreram… Minto, o Steiner também está neste grupo que, segundo o modesto escritor confessou ruborizado à Estante, “disse numa entrevista que tinha vergonha de me conhecer porque era pequeno de mais ao pé de mim.“ O Steiner é uma pessoa de uma enorme elegância e é possível que tinha dito tal coisa, movido sobretudo pela educação. O que não é nada elegante é o destinatário de tais comentários fazer deles gáudio em entrevistas. Mas como vamos ver a elegância não é um dos fortes de Lobo Antunes.
Não te perguntes o que podes fazer pela tua editora, critica-a em público
Ai o grupo Leya… Coitados. Não deve ser pêra doce ter de gerir alguém como o Lobo Antunes. O mais espantoso nesta frustrante história é que já em 2008, na entrevista ao Carlos Vaz Marques, Lobo Antunes se queixava que não estava contente com a editora, dizendo que “não havia, não se sentia, não se via uma linha orientadora, um projecto editorial coerente”. Mas, quando a Dom Quixote foi integrada na Leya prometeram-lhe que seria uma editora de literatura sem concessões (introduzir riso). Pois bem, passados 6 anos e livros da Ana Zanatti e da Rita Ferro, livros infantis da Madonna e um sortido de policiais de ar duvidoso, terá a Dom Quixote conseguido esconder as suas opções de Lobo Antunes?
Na famigerada entrevista ao Diário de Notícia diz-se em alto e bom som: “o Grupo Leya tem muitas deficiências e não tem editores no sentido em que eu o entendo. São pessoas que publicam livros.” Isto depois de desacreditar o Prémio Leya, dizendo que os livros que ganharam não têm grande qualidade. Quantos terá ele lido? Ah, e diz também que o prémio tem muito dinheiro. Esses escritores pá, uns lambões a abotoarem-se com aquela dinheirama. Pouca vergonha! E as editoras a darem dinheiro a escritores?! Este mundo está perdido. Se ao menos eles fossem como o Lobo Antunes que diz que os prémios lhe dão jeito, sobretudo quando vêm com dinheiro… O quê?! Ai, querem ver que há aqui outra incoerência!
Não digo que algumas das crítica do Lobo Antunes à Leya e à Dom Quixote não sejam merecidas. Mas a relação autor/editora deve ser de confiança e de interajuda, caso contrário, de que vale todo o trabalho? O autor tem todo o direito a fazer críticas, mas à porta fechada. Mais uma vez, uma questão de elegância. Em última análise, se não é ouvido, tem bom remédio: mudar de editora! O que nos leva à pergunta que não quer calar: o que prende Lobo Antunes à Dom Quixote? Falta de opção não será. Ele dizia ao Carlos Vaz Marques que não era questão de dinheiro, que ele se borrifava para isso. Então, porque não tornar-se um eremita literário numa pequena editora? É curioso que os autores que clamam independência e criticam a lógica comercial acabem sempre em grandes grupos, uns a fazerem vídeos, outros a gravarem cds… A superioridade moral é de facto algo fácil quando se limita à verborreia. Há uma expressão americana que encaixa aqui que nem uma luva: put your money where your mouth is!
Lobo Antunes versus Saramago: nem a morte os separa
A rivalidade entre os dois escritores é famosa, ou melhor, de Lobo Antunes com Saramago, porque para ser sincero nas vezes que vi Saramago a falar de Lobo Antunes foi para relativizar ou defender-se. Aliás, ler a entrevista a Saramago seguida à de Lobo Antunes em “Os Escritores (Também) Têm Coisas a Dizer”, de Carlos Vaz Marques, permite identificar facilmente diferenças de atitude. Podia ter feito desta rivalidade o centro do meu artigo, mas as duas referências que encontrei a Saramago em entrevistas do Lobo Antunes são suficientemente elucidativas e sinceramente, sendo eu um fã confesso de Saramago, quis poupar-me a mais irritações. Vou por isso ser sintético e directo, sem adjectivar muito o que foi dito, porque não há necessidade de fazê-lo.
Na entrevista já aqui mencionada a Carlos Vaz Marques, em 2008, a respeito da inclusão da Dom Quixote no grupo Leya, o entrevistador provocou-o referindo que assim Lobo Antunes e Saramago estão no mesmo grupo. A irritação é logo evidente e, entre afirmações de que nunca leu nada de Saramago (ler um pouquinho dos “Cadernos de Lanzarote” e folheou um ou outro romance – daqui a minha saudação às pessoas que formam opiniões sobre um livro folheando-o), saiu-lhe a seguinte frase: “Ó Carlos, se me quiser arranjar competições arranje-me pessoas do meu tamanho.” (Vamos fazer um pequeno intervalo para recuperar a calma. Acho que todos precisamos… É nestes momentos que uma pessoa gostaria de fumar.)
E perguntam vocês: o que é que pode ser pior do que autonomear-se melhor do que um escritor que venceu o Nobel? Fazer pouco desse autor depois de ele ter morrido. Lembram-se da história da elegância de que falava no início, acho que se havia um resquício dessa palavra que pudesse ser associado a Lobo Antunes, na próxima passagem tudo terminará. O ponto alto da entrevista publicada em Novembro no Diário de Notícia, a respeito do Nobel:
Lobo Antunes: (…) Se um português ganhasse aquele prémio, como é tão importante seria uma alegria para as pessoas da nossa terra.
Entrevistador: Isso foi o que disse José Saramago!
Lobo Antunes: Ele disse isso? Então em alguma coisa acertou. Ele disse que era uma alegria para os portugueses?
Entrevistador: Sim, que cresceram 3 centímetros.
Lobo Antunes: Ele disse isso… Então quantos metros não cresceu ele na própria cabeça. É um homem especial e tem de ser visto da maneira como ele era, mesmo que agora tudo se vá desvanecendo devagarinho.
Quem cresceu uns metros na sua própria cabeça foi certamente Lobo Antunes quando recebeu o Prémio Jerusalém. “O Prémio quê?!”, perguntam vocês. “O Prémio Jerusalém!”, respondo eu com um ar ainda mais incrédulo. Como é que é possível que não conheçam o Prémio Jerusalém, que é o mais prestigiante do mundo literário segundo… Lobo Antunes, o único português que o recebeu, em entrevista à Fátima Campos Ferreira. Diz a sabedoria popular que uma mentira mil vezes repetida se transforma em verdade. Vamos tentar. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. (estão a sentir alguma coisa?) O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. (do meu lado nada!) O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. O Prémio Jerusalém é o prémio literário mais prestigiante do mundo. (acho que isto não vai resultar…)
Em jeito de conclusão
De quem é a culpa disto tudo? Das pessoas. Porque são elas que legitimam este actos ao acharem que alguém genial pode ser arrogante e dizer o que lhe vêm à cabeça e que nós, pobres mortais, nos devemos prostrar e sentir-nos abençoados por podermos assistir. Para mim com um grande talento, vem uma grande responsabilidade, o que ainda torna menos desculpáveis actos pouco dignos.