segunda-feira, 7 de abril de 2014

Em estado crítico: "Hiroshima Meu Amor" de Marguerite Duras


“O tempo virá em que não saberemos que nome dar ao que nos unirá. O nome apagar-se-á a pouco e pouco da nossa memória.”


Hiroshima. Nevers. O que une estes dois locais? A destruição? Que destruição poderá Nevers conter que se iguale a uma cidade dizimada por uma bomba atómica? Que horrores terão sido vividos nas suas ruas? De quantas mortes desnecessárias terá sido palco? Nevers. Uma aparentemente doce e bucólica terra francesa, a terra que viu morrer o amor.

Uma mulher, uma actriz, está em Hiroshima no pós-guerra a rodar um filme sobre a paz. Que outro tipo de filme se poderia fazer em Hiroshima, questiona. O passado é, em Hiroshima, um fantasma que a persegue. Na vida que regressou ao normal, na cidade plenamente reconstruída, onde a catástrofe não é mais do que uma memória longínqua que se afugenta, há uma ameaça eminente de que o que Hiroshima viveu seja esquecido. Hiroshima tem de ser lembrada sempre, como o têm de ser todas as grandes tragédias. Mas a vida teima em cobrir os acontecimentos desagradáveis com um véu apaziguador. Até que não restem mais do que sombras. Até que comecemos a duvidar que o que aconteceu aconteceu mesmo.

Um amor em Hiroshima. Um homem casado, como ela, que nos seus braços sonha com um grande amor. Um homem que é mais do que aquele homem japonês, que é um arquétipo do amante proibido, uma recordação viva do amor vivido em Nevers. Em Hiroshima, a mulher percebe que ela própria tem vindo a esquecer, que a dor dilacerante que parecia capaz de a matar acabou por sossegar e, com o avançar dos dias, a vida continuou, apesar da imagem de destruição absoluta. Experimentou o maior dos horrores e agora vive, com uma aparência de normalidade.

O que une Hiroshima e Nevers? A destruição. A destruição de que pensamos não conseguir emergir. Mas também o esquecimento, a traição de uma vida que o continua a ser, a insustentável leveza do ser de que Kundera falaria.

“Hiroshima Meu Amor”, o guião que valeu a Marguerite Duras a nomeação para o Óscar de Melhor Argumento Original, foi também a primeira longa-metragem de Alain Resnais, protagonizada por Emmanuelle Riva. O filme tem o mérito de, mantendo-se fiel à visão de Duras, a ter dotado de imagens icónicas cuja beleza nada fica a dever às palavras escritas. 

Já que o livro, em tempos editado pela Quetzal, é muito difícil de encontrar hoje em dia, recomendo-vos vivamente o filme, cuja versão restaurada foi recentemente lançada em DVD pela Leopardo Filmes.


Classificação: 17/20


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