terça-feira, 4 de agosto de 2015

Em estado crítico: “Malone Está a Morrer” de Samuel Beckett


Mais por teimosia do que por estoicismo, avancei para a leitura do segundo livro da famosa trilogia de Beckett ainda com as agruras de “Molloy” vivas na cabeça. Não tinha grande esperança que a experiência com este livro fosse ser muito diferente, mas nas primeiras páginas ainda houve uma fagulha ínfima, rapidamente dragada pela escuridão.

Na verdade o que vos disse no passado sobre “Molloy” poderia ser exactamente o que vos digo agora sobre “Malone Está a Morrer”. Temos no centro da história um homem moribundo que, de forma entrecortada, nos vai contando a história de Sapo, que mais à frente passa a ser chamado de Macmann. À semelhança do que acontece no livro anterior, com o evoluir do livro e a progressiva fraqueza de Malone, o discurso vai-se tornando mais errático, os parágrafos tornam-se maiores, as ideias menos claras, e deixamos de perceber se a história que nos é contada é mesmo a de Macmann, ou se não se tratará da vida do próprio Malone.

Como disse a respeito de “Molloy”, reconheço o valor literário do que Beckett fez, embora para mim seja mais eficaz como um monólogo teatral do que como um romance. Beckett mimetiza de forma impressionante a mente confusa de um homem quase dominado pela morte, mas isso é mais uma qualidade técnica do que um argumento para considerar “Malone Está a Morrer” aquilo que não é: um grande romance. Ou talvez o seja para alguns, mas eu não revejo nos dois livros de Beckett o meu conceito de literatura, da literatura capaz de criar empatia, que me move do meu eixo e me faz sentir. Para mim “Malone Está a Morrer” é quanto muito um exercício intelectual bem-sucedido e não anseio pelo dia em que lerei “O Inominável”…

Classificação: 10/20

2 comentários:

  1. Pois... li Molloy e não desgostei, embora não faça parte dos livros da minha vida, certo que Beckett não é um romancista linear e fácil, passa a mensagem como um quadro cubista ou futurista, temos que analisar as várias partes do espaço ou do tempo num plano unificado e mesmo assim... nem sempre se chega ao que o pintor quis dizer, por vezes ficamo-nos como perante um quadro abstrato: é bonito mas não sei o que representa. Contudo, a psicologia é muito bem trabalhada com este escritor.

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    1. Concordo consigo quanto à componente psicológica, e por isso mesmo digo que encaro estas obras mais como um monólogo teatral do que como romances. Mas para mim estes livros não resultam. Num post passado referi que, para mim, o génio de um escritor se manifesta em saber invocar algo sem que o próprio texto se torne naquilo que invoca (por exemplo, saber escrever sobre uma personagem monótona, dando uma sensação de monotonia, sem que o texto em si seja monótono). E Beckett o que faz é reproduzir fidedignamente um estado mental de progressivo alheamento, sem aquele filtro de escritor que eu acho que deveria estar presente. por isso digo que é para mim sobretudo um exercício intelectual, o que tem o seu mérito, mas não é aquilo que eu procuro quando leio.

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