segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Reler Ondjaki



“Entrou na igreja com um passo miúdo, sem fazer barulho. Era de manhãzinha e já tinha acontecido a primeira missa. Respirou o ar que lá estava, sentiu uma delicada religiosidade penetrar-lhe os pulmões e o coração. A beleza da arquitectura, a luz filtrada pelos vitrais, a manhã e o momento, a ausência do padre, fizeram-no começar o assobio. Descobriu, ao fim da primeira música, que se tratava de um dos melhores sítios do mundo para assobiar melodias.” 

Em "O Assobiador" de Ondjaki


Quando foi anunciado que Ondjaki tinha vencido o Prémio Saramago 2013, com o livro “Os Transparentes” (editado pela Caminho), preparei-me para escrever sobre este autor, e não em termos elogiosos. Em tempos a Visão fez uma colecção a que chamou Frente e Verso e que reunia, de cada um dos lados, um livro, uma obra em prosa e outra em poesia de um mesmo autor. Na altura comprei por acaso a revista que tinha o livro de Ondjaki, com “O Assobiador” e “Há Prendisajens com o Xão”. Não fiquei maravilhado. A prosa deixou-me indiferente e a poesia, com aquele hábito comum a outros autores africanos de inventar novas palavras, marcou-me pela negativa, ao ponto de nem sequer considerar dar uma segunda oportunidade ao autor, como habitualmente faço.

E assim, Ondjaki saiu da minha vida. De vez em quando ouvia falar nele e pensava sempre no livro de poesia que tanto me desagradou. Com o anúncio do prémio e a preparação do artigo deparei-me com algo estranho: não me lembrava de absolutamente nada de “O Assobiador”. Como o livro é bastante pequeno decidi relê-lo e tive uma agradável surpresa quando percebi que estava a gostar bastante. Não se pode dizer que seja uma grande obra, nem um romance incontornável mas, na sua simplicidade, “O Assobiador” consegue recriar um universo que por vezes nos traz à memória Jorge Amado. Um grupo de personagens peculiares, que testemunham episódios místicos que fogem à sua compreensão, tudo motivado pelo poder metafísico de um assobio. Muito interessante, sem dúvida.

Mas se me surpreendi com um dos livros, confirmei também os meus sentimentos em relação ao outro. Não se pode dizer que a poesia de “Há Prendisajens com o Xão” seja inspirada. Há demasiados jogos fonéticos, demasiado empenho em criar elementos de interesse na forma, que nos tenta distrair de um conteúdo pobre. Não recomendo.


Retiro desta experiência um interesse que tinha perdido por Ondjaki e o desejo de ler “Os Transparentes”, na esperança de ver os sinais auspiciosos que encontrei em “O Assobiador” adquirirem um maior relevo. De facto, o mesmo livro, lido em diferentes momentos, pode ser visto de uma forma totalmente diferente.

1 comentário:

  1. Interessante que pelo seu texto várias impressões sejam semelhantes às minhas.
    Estive quase a dizer quando li "Quantas Madrugadas tem a noite" que me veio à memória Jorge Amado, retive-me pois fiquei na dúvida se seria justo colar Ondjaki a um tão grande escritor. Pelo vistos não foi o único que se lembrou de Amado com ele.
    Tenho a sensação que tal como eu, considerou que o mais importante no romance era a forma de fazer o texto e o retrato dos ambientes, não tanto o conteúdo da estória.
    Não conheço a poesia dele, mas dado ao relevo que dá aos efeitos sonoros da linguagem, é capaz de ter exagerado em detrimento do conteúdo do poema.

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